No interior do Ceará

Usina de Biodiesel de Quixadá: ousar para avançar

O Sindipetro CE/PI foi surpreendido por uma reportagem recente falando sobre a inviabilidade da retomada das operações da Usina de Biodiesel de Quixadá. Segundo matéria do DN, divulgada em 29/11/2024, o senador e ex-presidente da Petrobras Jean Paul Prates declarou: “Se for reativada pela Petrobras, a usina de biodiesel de Quixadá, no interior do Ceará, pode não alcançar forte competitividade. ”

Lendo isoladamente, seria um desserviço tais declarações, num momento em que o Sindipetro CE/PI e FUP lutam pela retomada de vários ativos hibernados no período do desgoverno Temer e Bolsonaro. Contudo, entendemos que as palavras do senador Jean Paul carecem de uma avaliação mais criteriosa e sob outro contexto.

Sim. Se nada for mudado em relação à usina de biodiesel de Quixadá, sua reabertura talvez não atinja a competitividade necessária, porém o cenário já mudou.

Antes, temos que relembrar o cenário da construção de usinas de biodiesel pela Petrobras. Em 2007, após anos pujantes de crescimento da economia com o governo Lula, o país começou a se deparar com gargalos de infraestrutura. Faltava diesel, ainda não existia a refinaria Rnest nem ocorrera a ampliação do restante do parque de refino que viriam no futuro a amenizar esse problema. Foram décadas sem grandes investimentos. A Petrobras Biocombustível e suas 3 usinas (Ceará, Minas Gerais e Bahia) foram concebidas no intuito de fomentar e dar credibilidade ao programa de biodiesel do Governo Federal, reduzindo os custos de importação de diesel pela Petrobrás enquanto seu parque de Refino fosse aumentado. O programa de biodiesel depois da Pbio, provocou a instalação de várias usinas privadas e trouxe outros ganhos marginais como: redução dos custos na dosagem de agente detonante (o biodiesel reduz o ponto de fulgor do diesel automotivo) e melhora da lubricidade, aspecto que aumenta a vida útil dos motores.

A UBQ, cravada no sertão cearense, é sim simbólica. Representa a força do nordestino e a ousadia da Petrobras de ir além do rentismo e retomar sua função no desenvolvimento nacional. A ideia de fomentar a produção na região do semi-árido com uso do selo social era promissora, mas se mostrou insuficiente. Em pouco tempo, foi deturpada por cooperativas no sul e sudeste que passaram a obter o selo, prejudicando as usinas inicialmente idealizadas com este propósito. A usina de Quixadá com sua localização privilegiada na distribuição de biodiesel, porém distante das matérias-primas, sempre se mostrou de existência desafiadora. Foi construída ao lado de uma linha férrea, porém por questões técnicas nunca foi viável utilizar o modal ferroviário.

As deficiências logísticas seriam sanadas com a retomada da cultura da mamona. Novamente uma ótima ideia que não se concretizou. O óleo seria usado na fabricação de biodiesel e a torta de mamona como adubo. Contudo, o projeto estava incipiente e sofreu resistência dos próprios agricultores, apesar do esforço da Petrobras em promover assistência técnica e garantia de preço mínimo. As características físico-químicas do óleo de mamona com teores elevados de ácido ricinoléico, se mostrou impeditivo. Aumentava a higroscopicidade e viscosidade do biodiesel, sendo aprovado apenas num blend máximo de 10%. Outro desafio encontrado é o elevado preço do óleo de mamona no mercado. A ricinoquímica disputa cada litro produzido de óleo de mamona que tem aplicações nobres como: chocolates finos, tintas, vernizes e até lubrificantes para satélites e naves espaciais.

Ademais, temos que registrar que o Governo do Estado do Ceará, apesar de todos os apelos, nunca igualou os benefícios fiscais dados por outros Estados aos combustíveis verdes. Este fator foi determinante para culminar no fechamento da UBQ.

O que mudou desde a hibernação da UBQ?

A sociedade vem vivenciando as mudanças climáticas com eventos extremos. As empresas, principalmente as petrolíferas, sofrem pressões na política ESG e os investimentos em biocombustíveis e em energia verde ganham aspectos de vão além da lucratividade. Agora são vistos como contrapartidas.

Tratando especificadamente da usina de biodiesel de Quixadá, o advento da ferrovia Transnordestina que ligará o Piauí aos portos do Pecém e Suape traz grandes expectativas. O trecho que liga o Piauí ao Ceará já foi concluído. O Governo Federal através do novo PAC liberou R$3,6 bilhões para a finalização do lote 7 entre Quixadá e Itapiúna, restando apenas 169km para concluir o projeto até o porto do Pecém.

Até o momento, 676 quilômetros de trilhos da fase 1 da Transnordestina foram entregues e outros 151 quilômetros estão em execução.  As obras acontecem entre os municípios de Acopiara e Quixadá (lotes 4, 5 e 6). Dentro do cronograma proposto pela TSLA, a ferrovia deve iniciar em operação assistida já em 2025, com os primeiros vagões carregando especialmente soja, farelo de soja, milho e calcário, saindo do Terminal Intermodal de Cargas do Piauí em direção a região centro sul do Ceará e algumas regiões de Pernambuco.

A área próxima às divisas do Maranhão e Piauí tem se consolidado como uma das novas fronteiras agrícolas no plantio de soja. O projeto poderá, portanto, reduzir significativamente o preço do frete, trazendo grãos ou óleo para o Ceará. Já está assegurado um porto seco na cidade vizinha de Quixeramobim. Um Investimento privado ao custo de R$ 625 milhões de reais.

Somente essa relevante notícia, já seria suficiente para repensar a viabilidade da UBQ em Quixadá, entretanto vamos citar outros aspectos importantes:

  • Renascimento da cultura do algodão no Ceará, trazendo oportunidade para uma cultura oleaginosa com grande adaptação e história de sucesso na região.
  • Fim do pagamento milionário anual de arrendamento da usina de biodiesel à Petrobrás. As usinas de biodiesel eram propriedade da Petrobrás que cobrava anualmente taxas milionárias para a subsidiária Pbio. A propriedade foi transferida em definitiva para a Petrobrás Biocombustível, assegurando uma mudança real e significativa nos custos.
  • Lei estadual 17553 de 2021. Acreditamos que no caso de reabertura, a Petrobras poderá pleitear redução de ICMS e demais impostos com base na lei que entre seus objetivos diz:

II – diversificar e descentralizar a matriz energética estadual, interiorizando o desenvolvimento socioeconômico, com vistas a reduzir as desigualdades regionais;

III – promover a inserção e reforçar a competitividade do Ceará no mercado nacional e internacional de energia renovável.

  • Programa Biodiesel do Ceará, lançado em 2020 com participação do DNOCS, ADECE e Secretaria de Desenvolvimento Agrário.
  • ANP resolução 918/2023: Regulamenta o cumprimento da obrigação de investimentos decorrente da cláusula de pesquisa, desenvolvimento e inovação dos contratos para exploração e produção de petróleo e gás natural, possibilitando seu uso em transição energética e descarbonização.

Por fim, se nenhum desses argumentos se mostrarem eficazes, o Sindipetro CE/PI conclama que a Petrobrás ressignifique seu lema: “O desafio é a nossa Energia. ”

A ousadia é presença constante desde a origem da Petrobras, desafiando o status quo vigente em prol do desenvolvimento nacional. Foi assim ao descobrir petróleo contra todos os especialistas, depois ao decidir refinar e buscar a autossuficiência e posteriormente ao inovar e antever a transição energética ainda em 2007 com a Petrobras Biocombustível.

Sabemos do lobby imposto para não considerar o biodiesel de co-processamento uma opção aos processos convencionais de transesterificação, porém a usina de biodiesel de Quixadá poderia ser uma unidade piloto no aperfeiçoamento desse modelo de produção. Temos competência tecnológica e mentes brilhantes no nosso corpo de Engenharia e Cenpes. Acreditamos que poderíamos promover um revamp na unidade de Transesterificação para converter seu processo atual para co-processamento. O Sertão Cearense tem muita insolação e poucos períodos chuvosos, tem vocação natural para energia solar fotovoltaica que poderia ser utilizada para geração de hidrogênio verde por eletrólise e alimentar um HDT para produção de HVO e talvez até SAF. Temos sol em abundância e água fornecida por adutora além de poços profundos. Se pequenas indústrias de produção de margarina conseguem produzir e utilizar hidrogênio por eletrólise da água em seus processos, por que a Petrobras não conseguiria?

A mudança de tecnologia de produção, livraria a unidade dos custos de matérias-primas como metanol e metilato de sódio, além de não produzir coprodutos de baixo valor agregado como glicerina bruta e borra de refino.

Parece utópico? Sim. Porém a Petrobras fará algo similar na TermoAçu que também se encontra hibernada pelo desinvestimento do E&P no RN. Investimento aprovado e previsto de R$90 milhões.

Instamos a Petrobrás a ousar, para a UBQ avançar e retornar como ativo importante e sinérgico ao projeto de Carbono Neutro da Lubnor, fornecendo óleo refinado e biodiesel para suas operações.

Que a reabertura da usina de Biodiesel de Quixadá, inaugurada presencialmente pelo presidente Lula em 2008 e fechada por Temer, após o golpe contra presidenta Dilma, possa representar a vitória política contra o golpismo e a volta da Petrobras ao seu compromisso com o principal acionista – o povo brasileiro.

[Sindipetro CE/PI]