Chegou ao final o trabalho da Comissão Nacional da Verdade. Estabelecido pelo governo federal, o organismo identificou formalmente o assassinato ou desaparecimento de 434 vítimas da ditadura militar, entre 1964 e 1985.
Trata-se do mais importante levantamento já feito sobre aquele sombrio período da história brasileira. Sua relevância maior, porém, está no caráter estatal do relatório que sintetiza o formidável trabalho realizado desde 2012.
Os sete integrantes da CNV, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, sob o título “Verdade, memória e reconciliação”, deixaram clara a essência de suas conclusões:
“As graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado, especialmente nos 21 anos da ditadura instaurada em 1964, foram resultado de uma ação generalizada e sistemática do Estado, configurando crimes contra a humanidade.”
Emendaram, à classificação da natureza penal, uma conclamação à instituição que impôs o terror como regime político-social:
“Em consideração ao resultado do trabalho da CNV e assim como já feito por outras instâncias do Estado, é imperativo que haja, por parte das Forças Armadas, o reconhecimento de sua responsabilidade institucional.”
Na manhã desta quarta-feira, interrompendo seu discurso para enxugar as lágrimas, a presidente Dilma Rousseff, comandante-em-chefe das Forças Armadas, recebeu o informe que sintetiza delitos de lesa-humanidade cometidos continuamente durante quase vinte anos.
Era o choro de uma mulher que entregou sua juventude à resistência contra o regime militar. Que sofreu prisão e tortura. Que viu muitos de seus companheiros caírem em combate ou serem assassinados. Que não teve, na época, tempo para o medo e para o pranto dos camaradas tombados.
A presidente tem direito às lágrimas. Fez por merecê-lo, com toda honra e valentia de sua história pessoal.
Mas ao país não bastam as lágrimas da presidente.
A nação somente estará efetivamente reconciliada quando deixar de pairar sobre os brasileiros a sombra da tolerância diante de crimes desta monta, imprescritíveis à luz de tratados internacionais e da moral civilizatória.
O futuro da paz reconquistada com o final da ditadura demanda ruptura com a impunidade.
Ainda que muitos algozes do arbítrio tenham tido direito à morte tranquila, ao contrário dos que padeceram em suas mãos sangrentas, levar à Justiça os acusados por tais delitos hediondos é o único caminho para acordo derradeiro, de que jamais esta situação voltará a se repetir em solo pátrio.
De posse do relatório da Comissão da Verdade, a presidente tem a possibilidade de cumprir tarefa histórica, encerrando definitivamente o ciclo de ignominia aberto pelos generais que golpearam a democracia em 1964.
Milhões de brasileiros aguardam que a chefe de Estado ordene às Forças Armadas, como já o fizeram vários líderes sul-americanos, a se desculparem pela violação constitucional cometida contra o presidente João Goulart e pelos crimes praticados em nome do espúrio regime instalado.
O pedido institucional de perdão, no entanto, é insuficiente, ainda que vital para estabelecer claro compromisso dos altos mandos militares com a democracia e a formação das novas gerações de servidores fardados.
O passo seguinte deveria ser a proposição, ao Congresso Nacional, de emenda constitucional que reforme a Lei de Anistia, permitindo o pronto ajuizamento de ações contra torturadores e assassinos.
Mais uma vez, não há tempo para ter medo.
A democracia refuta a revanche, mas exige justiça.
Não basta chorar nossos mortos para que o golpismo e o terrorismo de Estado sucumbam à valentia e o heroísmo dos que, como Dilma, se ergueram contra a tirania.