Só 87 empresas controlam a cadeia produtiva do agronegócio

 

Apenas 87 corporações com sede em 30 países dominam a cadeia produtiva do agronegócio em todo o planeta. O dado integra gigantes do setor de bebidas e carnes, como por exemplo, a Coca-Cola, a AmBev, a JBS e a Unilever; mas também empresas de tecnologia como a IBM, a Microsoft e a Amazon, atraídas para a produção agrícola e o varejo de alimentos por áreas como big data (grande conjunto de manipulação de dados) e veículos inteligentes.

Quatro grandes traders, empresas investidoras no mercado financeiro, controlam a importação e a exportação dos commodities agrícolas: o chamado grupo ABCD, formado pelas empresas estadunidenses Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill e pela multinacional com sede na Holanda, Louis Dreyfus Company. Hoje, elas representam 70% do mercado mundial de commodities agrícolas.

Os dados são do Atlas do Agronegócio, lançado nesta terça-feira (4). O relatório analisa a cadeia global da agricultura e como a concentração do mercado nas mãos de poucas empresas molda o sistema agrícola mundial.

O atlas teve a sua primeira versão publicada na Alemanha em 2017. A edição brasileira é resultado da parceria entre a Fundação Heinrich Böll e a Fundação Rosa Luxemburgo, organizações alemãs com atuação no país.

Maureen Santos, coordenadora de Justiça Socioambiental da Heinrich Böll, explica que o novo documento traz análises sobre a realidade local do agronegócio.

Segundo ela, o mérito do projeto é mapear, em uma só publicação, dados do setor que passam sobre os temas de finanças, investimentos e maquinário; conflitos relacionados ao acesso à terra e à água; sementes e uso de fertilizantes no mercado de commodities; e o processamento de alimentos até a chegada à mesa dos consumidores.

“O Atlas é composto por 22 capítulos e faz esse raio-x desse setores e como, na verdade, existe um eixo central que é exatamente a desregulamentação, por um lado; e a concentração da cadeia de valor, por outro”, diz.

Um dos resultados do estudo, segundo ela, é a desmitificação da imagem propagandeada de que o “agro é pop”.

“A gente mostra que mundialmente, e também no Brasil, temos problemas muitos sérios relacionados a essa cadeia: a expansão das plantações de monocultura  e o consequente aumento do uso do agrotóxicos e dos problemas de saúde; perda de qualidade do solo e redução de biodiversidade; e os conflitos que dessa concentração do mercado e desse aumento da aquisição de terras em detrimento das condições de vida e de trabalho da agricultura familiar, camponesa e das populações tradicionais.”

Financeirização

O Atlas também mostra como funciona o jogo financeiro das traders que formam o grupo ABCD no mercado especulativo.

Em 2015, o comércio de contratos futuros de milho foi 11 vezes maior que a produção mundial do grão. Ou seja, enquanto a safra do milho atingiu 978 toneladas, os contratos na Bolsa de Valores no estavam em torno de 10,5 milhões de toneladas.

“O gráfico mostra essas relações perigosas e os seus desdobramentos. Até sobre a definição se aquele produto será para ser comido, se vai ser energia ou se vai ser destinado ao mercado de ração”, afirma.

Além disso, o grupo é direta ou indiretamente responsável pelo desmatamento da floresta tropical. No Brasil, por exemplo, as comunidades indígenas Guarani acusaram a Bunge de comprar cana-de-açúcar produzida em terras roubadas em 2012. Na época, a empresa afirmou que seus fornecedores respeitavam o direito à terra, mas os contratos não foram renovados.

Soberania alimentar

A concentração da cadeia produtiva representa uma ameaça a um conhecimento ancestral do cultivo da terra. Esta é a preocupação da jornalista Verena Glass, coordenadora de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo e que participou da adaptação do relatório pela entidade. Ela pontua que o aumento do uso da tecnologia de ponta, com a agricultura de precisão, representa uma ameaça para a soberania alimentar de diversos países.

“O que me preocupa nessa discussão da agricultura de precisão é que ela transforma a agricultura em uma atividade extremamente tecnificada, com tecnologia de ponta, que é muito cara, acessível a poucos, e aplicadas em áreas extensivas”, diz a jornalista.

“O que era mais vivo, que é a relação de alimentar o ser-humano e reproduzir a vida a partir do conhecimento que se tem da terra, do território, do clima, dos animais e da integração com a biodiversidade, acaba sendo substituído. E essa é uma lógica que, adicionadas a sementes transgênicas, agrotóxicos e tecnificação e a patente, a gente perde em biodiversidade, conhecimento.”

A jornalista aponta ainda para o aumento da disputa por território. “Ou seja, a agricultura familiar e a agroecologia, comunidades indígenas e quilombolas no Brasil e no mundo vão ter qual espaço nesses novos paradigmas?”, questiona Glass.

O Atlas do Agronegócio também mostra o avanço da tecnologia como temas como o da biofortificação, termo para a manipulação genética de plantas com o objetivo de aumentar a concentração de nutrientes do alimentos.

O relatório aponta que as iniciativas de manipulação nutricional vem sendo impostas sem um debate público efetivo com setores da sociedade civil. No Brasil, as culturas biofortificadas são: abóbora, arroz, batata-doce, feijão, feijão-caupi, mandioca, milho e trigo.

Já o mercado global de genética animal deve crescer de US$ 3,7 bilhões em 2016 para US$ 5,5 bilhões em 2021, um aumento médio de 8,4% ao ano. Este crescimento é duas vezes e meia mais rápido do que a economia mundial.

Outro ponto destacado no relatório é que o número de empresas no mercado global de sementes e agrotóxicos tem diminuído em ritmo acelerado com fusões que criam poderosos conglomerados empresariais. Com a consolidação da compra da Monsanto pela Bayer, em junho deste ano, este mercado ficou praticamente dividido em quatro grandes grupos: Dow DuPont, Bayer, Syngenta e BASF.

A versão brasileira do Atlas do Agronegócio, na íntegra, pode ser encontrada no site da Fundação Heinrich Böll.

Via Brasil de Fato