Situação temerária do COMPERJ é a marca do desmonte da indústria petroquímica brasileira

Por William Nozaki* e Rodrigo Leão**,  do Grupo de Estudos e Estratégicos e Propostas para o Setor de Óleo e Gás da FUP (Geep)

Foto Ricardo Stuckert

Nos últimos anos, entre 2003 e 2014, a Petrobrás esteve no centro do projeto industrial implementado pelos governos Lula e Dilma. A petrolífera estatal brasileira teve papel decisivo no crescimento econômico do país e na recuperação da crise iniciada em 2008, seu plano de investimentos foi decisivo para os projetos do PAC, sua política de conteúdo nacional foi fundamental para a reativação da indústria naval, metalúrgica e de engenharia pesada, sua política de pesquisa e desenvolvimento foi essencial para a descoberta do pré-sal, e este, por seu turno, permitiu a criação de um fundo social para a educação e a saúde.

O país deu um salto tecnológico e produtivo muito significativo, a partir da descoberta do pré-sal, em 2007, o que permitiu o reposicionamento de várias cadeias produtivas nacionais. As descobertas do pré-sal dobraram o volume de reservas recuperáveis da Petrobrás, que passou de 15,7 bilhões de barris de óleo equivalente para 31,5 bilhões. Em 2012, uma consultoria estimou que, confirmando-se a existência de 100 bilhões de barris de reservas na área do pré-sal, seriam necessários investimentos da ordem de US$ 1,2 trilhão. Somente no período 2012 a 2016, esperava-se que os investimentos, apenas para o desenvolvimento e exploração do pré-sal, alcançassem algo próximo a US$ 100 bilhões.

O estado do Rio de Janeiro, dado o grande potencial do pré-sal na Bacia de Campos, certamente vinha sendo um dos maiores beneficiários dessa ampliação dos investimentos na indústria para-petroleira (naval, metalúrgica e química, principalmente) e da ampliação do complexo petroquímico principalmente com a construção do COMPERJ.

A proposta de construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro nasce da potencialidade de articulação entre o refino e a indústria petroquímica, bem como da necessidade de se complementar os polos petroquímicos existentes na Bahia e no Rio Grande do Sul. A integração dessas duas atividades permitiria à Petrobras reduzir os custos logísticos e de escopo com o refino, além de usufruir da maior rentabilidade da atividade petroquímica. Isto porque a petroquímica agrega valor à cadeia produtiva de derivados, uma vez que utiliza o petróleo como matéria-prima de baixo custo para produção de derivados e petroquímicos de maior valor agregado no mercado mundial.

Com isso, o projeto buscava processar mais de 15% da produção de petróleo do Brasil, ou seja, cerca de 330 mil barris por dia, fazendo com que o país se tornasse autossuficiente e exportador de petroquímicos. Dessa forma, com a implantação do COMPERJ e com o aumento da produção de petróleo nacional, a integração poderia representar um aumento na participação brasileira no mercado petroquímico mundial, contribuindo para superar o desequilibro da balança comercial de petroquímicos no Brasil.

Além disso, esperava-se desenvolver o entorno do complexo com a instalação de várias empresas privadas de terceira geração, as quais transformariam resinas em produtos de uso cotidiano, como copos e bolsas plásticas, peças para automóveis e de eletrodomésticos.

Com a dificuldade de encontrar atores privados que financiassem simultaneamente as atividades de refino e petroquímica, uma vez que estes queriam se concentrar somente na atividade petroquímica, o projeto inicial foi alterado para a construção de duas refinarias. Os investimentos que se iniciaram em 2010 e foram até 2015, quando as obras foram interrompidas, totalizaram US$ 15,3 bilhões e chegaram a gerar mais de 20 mil empregos somente nas obras da refinaria.

O avanço nesse setor se impõe dado o déficit de derivados no Nordeste e o limite da capacidade produtiva das regiões Sul e Sudeste. Mais ainda, o COMPERJ tem uma função central para a superação do déficit crescente de nafta e diesel no país, além de cumprir um papel fundamental na dinamização da economia e do emprego no estado do Rio de Janeiro.

A interrupção das obras está diretamente relacionada à lógica de forte desintegração da Petrobras, que aceleradamente vai deixando de ser uma grande empresa integrada para circunscrever sua atuação apenas nas atividades de exploração e produção. Os efeitos são claros tanto para o Estado do RJ, quanto para a indústria local e para o mercado de trabalho da região.

Do ponto de vista da arrecadação fiscal, somente em Itaboraí, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e de Integração informou que, em 2015, a arrecadação tributária, que no auge das obras alcançou R$ 32 milhões, caiu para cerca de R$ 8 milhões.

Já no que se refere aos investimentos, o cronograma inicial previa a realização de US$ 4 bilhões adicionais para a conclusão da obra que, até o momento, não ocorreram e paralisaram inclusive investimentos indiretos em demais cadeias associadas ao COMPERJ. A capacidade instalada do setor de metalurgia do RJ, por exemplo, caiu de 82% em novembro de 2015 para 53% em dezembro de 2016.

Por fim, no mercado de trabalho, considerando os empregos gerados em toda a cadeia de petróleo, metalurgia, química e construção, a força de trabalho do estado do RJ saltou de 294 mil em 2010 para 388 mil em 2014, ano anterior à interrupção das obras quando se observa uma redução de mais de 94 mil postos de trabalho.

A indústria petroquímica no Rio de Janeiro poderia cumprir nesse início de século XXI o papel exercido pela indústria automobilística de São Paulo no século XX, entretanto, o COMPERJ hoje se reduziu a um exemplo, talvez o mais emblemático, do desmonte temerário do Estado indutor, da indústria petroquímica nacional e do mercado de trabalho brasileiro.

*William Nozaki, professor de economia e ciência política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

**Rodrigo Leão foi gestor da Petros e é integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas para o setor de óleo e gás da Federação Única dos Petroleiros (GEEP-FUP)