Representantes dos trabalhadores da Sabesp, CPTM e Metrô avaliam que o objetivo da greve foi alcançado: pautar o debate sobre os prejuízos que as privatizações causam à população
[Por Rosely Rocha, da redação da CUT]
A cidade de São Paulo parou na última terça-feira (3), com a greve unificada dos trabalhadores e trabalhadoras do Metrô, CPTM e Sabesp, empresas que estão na mira do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), para serem privatizadas.
O que para alguns pode ter sido um contratempo, na verdade, serviu de alerta para a população entender que, quem vai pagar a maior parte da conta é ela, com aumentos de tarifas do transporte e da água, além do sucateamento do serviço público.
Apesar das greves das três categorias terem sido suspensas a zero hora desta quarta-feira (4), do ponto de vista dos metroviários, a ação conjunta foi um sucesso com a adesão de 95 % dos cerca de 6.500 funcionários do metrô. A direção da empresa também não conseguiu colocar os trens para funcionar com o pessoal de contingenciamento, que não é operador, mas é treinado para a função em casos de emergência. A adesão das equipes do controle operacional impediu essa manobra.
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“Apesar do encerramento da greve, a categoria vai continuar denunciado os prejuízos para a população que ocorrerá com a privatização do metrô. Já há reuniões marcadas que definirão os próximos passos”, diz o metroviário Marcos de Abreu Freire, ex-diretor do sindicato da categoria, e que hoje faz parte do Grupo Interação, oposição metroviária CUTista.
A paralisação na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) também foi considerada um sucesso por Múcio Alexandre Bracarense, coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil (STEFZCB), ligado à CUT.
“Eu diria que foi uma nota 9 do movimento, que agiu dentro da legalidade, e ainda conseguimos fazer com que a população entenda que privatizar não resolve. Tanto que na Assembleia Legislativa deputados estão pedindo que seja feito um plebiscito para ouvir a opinião da população.
A categoria espera que o governador paulista abra um canal de diálogo, pedido pelos trabalhadores, e que até agora não foi atendido.
Falsa acusação
O sindicalista contesta a versão da concessionária Via Mobilidade, que opera a linha 9-esmeralda do trem em São Paulo, que registrou um boletim de ocorrência após encontrar um “objeto estranho ao sistema” nos trilhos, para justificar a falha elétrica que limitou desde ontem a operação.
“Pelo tamanho e peso do cano que apresentaram, dizendo que alguém jogou, somente o Hulk poderia ter essa força. Além disso, ele receberia uma descarga elétrica que o levaria à morte. E um detalhe, o maquinista tem treinamento para resolver o problema e mais existem câmeras que poderiam filmar a ação”.
Para Alexandre, o que houve foi mais uma falha causada pela ineficiência da empresa.
“Estão querendo vincular a falha técnica à sabotagem, mas é uma mentira. A empresa não tem técnicos que saibam fazer o serviço. A direção pensa que está brincando de ‘Ferrorama’. O que ocorreu foi problema de energização no pantógrafo (dispositivo montado no topo da locomotiva que alimenta com corrente elétrica). Aquilo foi falta de manutenção”, afirma.
Ontem, o governador Tarcísio de Freitas, afirmou que as linhas concedidas à iniciativa privada “não estão deixando o cidadão na mão”, mas logo foi desmentido pela paralisação da linha 9.
Para Anali Machado de Campo, diretora de saneamento e meio ambiente do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo), que reúne os trabalhadores da Sabesp, Cetesb, empresas de meio ambiente e fundação florestal, a greve conseguiu pautar o tema da privatização na mídia, alcançando a população, que, segunda ela, também não quer que a Sabesp seja vendida.
“Apesar do massacre em defesa da privatização, nós sentimentos que a população ficou ao nosso favor. Conseguimos colocar em pauta seus malefícios, os prejuízos que todos sofrerão, não apenas os trabalhadores das estatais”, diz Anali.
Para barrar a venda da Sabesp, o Sintaema entrou com cinco ações junto ao Ministério Público (MP) em que denunciam demissões na Sabesp e a falta de concurso público para repor essas vagas e isto pode ocasionar um colapso no atendimento do saneamento. Em outra ação eles citam um conflito de interesses de empresas, entre outras irregularidades.
Uma ação está no Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi impetrada pelo PT e PSOL, em que os partidos denunciam que a autonomia dos municípios, atendidos pela Sabesp, não está sendo respeitada. Quem deve decidir se privatiza ou não, são os municípios, alegam os autores do pedido. A ação está com o ministro André Mendonça, sorteado para analisar o caso.
O Sintaema, desde o mês passado, está recolhendo assinaturas para a aplicação de um plebiscito sobre a privatização. Nesta quarta-feira foi montada uma barraca na Feira de Saneamento (Fenasan), que ocorre no Expô Center Norte, em São Paulo.
“Estamos nos bairros da capital, nos municípios, nas Igrejas, escolas, universidades e metrô recolhendo assinaturas, até o dia 5 de novembro. E se precisar faremos outra greve”, conta Anali.
Por que privatizar é ruim
Metrô
Exemplos de privatização no Brasil que prejudicam a população não faltam. No Rio de Janeiro, por exemplo, a tarifa do metrô custa R$ 6,90 e em São Paulo R$ 4,40 – uma diferença de R$ 2,50 por passagem.
Ao fazermos a conta, um trabalhador carioca, informal, sem direito a vale transporte, por exemplo, gasta de ida e volta, de segunda a sábado, R$ 30 a mais por semana, só para usar o metrô. Além disso, na capital paulista, a integração com os ônibus permite o barateamento da passagem e diversas viagens, o que não ocorre no Rio de Janeiro.
O preço da passagem é apenas a ponta mais aparente no processo de privatização do Metrô, mas a população paga muito mais ao utilizar as linhas amarela e lilás que são privatizadas, apesar da “aparente” igualdade de valor da tarifa. O custo é muito maior porque de acordo com um levantamento feito pela plataforma Plamurb, a concessão no Metrô vem provocando um rombo na operação estatal.
Isso ocorre porque o governo repassa para as concessionárias ViaQuatro (metrô) e a Via Mobilidade (trens), uma tarifa de remuneração que é superior à tarifa média paga ao Metrô. No caso da ViaQuatro, que pertence à CCR e administra a Linha 4-Amarela desde 2006, ela recebe desde 1º de fevereiro o subsídio de R$ 6,3229. O valor está R$ 1,92 acima da tarifa pública que é cobrada dos passageiros, de R$ 4,40.
Já o metrô estatal não tem tarifa de remuneração. Ele recebe uma tarifa média, calculada pelo total arrecadado e dividido pelo número de transportados no ano. Em 2022, a tarifa média foi de R$ 2,07. Comparando os dados do ano passado, o estudo apontou que a concessionária recebeu, em média, cerca de R$ 2,5 mi, transportando 660 mil passageiros. São milhões de reais que poderiam ser investidos na melhoria do transporte público e até mesmo em outras áreas como saúde e educação. Todos perdem.
O metroviário Marcos de Abreu Freire, ex-diretor do sindicato da categoria e que hoje faz parte do Grupo Interação, oposição metroviária CUTista, explica parte da (i)lógica do repasse.
“Quando um passageiro entra na linha azul [estatal], desce na linha verde [estatal] para utilizar a linha amarela ou lilás [privatizadas], o valor da passagem que ele pagou é rateado entre a estatal e a empresa privada. O que sobra para o metrô estatal são R$ 0,36.
Ele denuncia que os contratos das linhas 4 e 5 são leoninos porque o governo paga pela ausência de passageiros e pagou, inclusive, quando as linhas estavam sendo construídas.
Recentemente o governo pagou R$ 300 milhões para a Viaquatro. É uma lógica perversa e nenhum órgão de fiscalização, nem o TCE [Tribunal de Contas do Estado] tomou providências”, conclui.
Outro prejuízo à população, além do financeiro, é o sucateamento do atendimento. As bilheterias estão sendo terceirizadas. Em algumas estações de linhas privadas já não se pode comprar a passagem com dinheiro. O usuário tem de se deslocar nas proximidades até uma padaria, uma banca de jornal ou farmácia que venda o bilhete. Se ele estiver com pressa pode perder o compromisso.
No próximo dia 1º deste mês será aberto o edital para terceirizar as atividades das estações, inclusive o atendimento às pessoas com deficiência.
“Tarcísio está fazendo como Dória [ex-governador] ‘comendo pelas beiradas’, num processo de sucateamento para que a população acredite que privatizar é melhor, não é”, diz Marcos.
Do ponto de vista do trabalhador significa sobrecarga e salário menor. Enquanto o metroviário trabalha em média 8 horas por dia; o trabalhador da linha privatizada chega a 12 horas diárias. O salário também é menor. Enquanto a média da estatal fica entre R$ 5 mil a R$ 8 mil, dependendo da função, o da empresa privada ganha em torno de R$ 3 mil ou um pouco mais. Para chegar ao ápice da carreira um metroviário leva em média 10 anos de serviço, enquanto os diretores ganham salários de R$ 30 mil a R$ 40 mil.
CPTM
As duas linhas, a 8 – Diamante, que percorre desde que a estação Júlio Prestes (centro da capital) e a cidade de Itapevi e a 9 (Esmeralda), com percurso de Grajaú (zona sul) à cidade de Osasco, após serem vendidas a ViaMobilidade, por R$ 980 milhões, de janeiro de 2022 a janeiro de 2023, foram ao menos 132 falhas acumuladas durante o período. A média foi de pelo menos uma falha a cada 2,7 dias de operação nas duas linhas. O número de é sete vezes maior do que os que ocorreram em 12 meses, quando a gestão das linhas era da CPTM.
Ao comparar o número de acidentes das duas linhas quando ainda eram operadas pela CPTM foram registradas 19 falhas, apontou o levantamento da TV Globo; sendo seis na linha 8 e 13 na linha. O número é quase sete vezes menor do o ocorrido no primeiro ano da ViaMobilidade.
As falhas vêm ocorrendo a muito tempo. Leia aqui
Sabesp
No caso da Sabesp, a privatização vai na contramão da tendência mundial, que está reestatizando os serviços integrados de água. O serviço ruim e caro praticado por empresas de saneamento fez pelo menos 158 cidades do mundo de países como a França, Estados Unidos e Espanha, entre outros, a estatizar novamente os serviços de saneamento, anteriormente privatizados.
Os motivos foram: falta de cumprimento das cláusulas contratuais, falta de transparência na prestação de serviços e aumentos de tarifas.
A Sabesp tem 28,4 milhões de clientes em 375 cidades paulistas, a empresa tem capital aberto, sendo o governo o principal acionista (50,3%). Entre janeiro e setembro de 2022, a Sabesp acumulou lucro de R$ 2,47 bilhões e desperta interesses dos grandes grupos privados da área de energia. Pelo menos 15 projetos de desestatização estão previstos, segundo a administração estadual.