O Senado poderá colocar em pauta nos próximos dias o PLS 131/15, de José Serra (PSDB), que pretende alterar o regime de partilha do pré-sal. O projeto retira a condição da Petrobras como operadora única das atividades de extração e derruba a participação mínima de 30% da estatal na exploração de cada campo. Em suma, desfigura o marco regulatório aprovado em 2010.
O projeto do tucano tem apoio de figuras importantes do PMDB, como os senadores Renan Calheiros e Eunício de Oliveira e o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão. E conta ainda com a simpatia do líder do governo no Senado, o petista Delcídio Amaral.
O contexto é favorável para essa ampla aliança. Defender a Petrobras nos dias de hoje é automaticamente identificado a uma defesa da corrupção. Atacá-la e defender a entrega do petróleo às transnacionais do ramo parece soar como discurso perfeito para o fim da corrupção, do aparelhamento e defesa da eficiência econômica. O mesmo enredo foi produzido na década de 1990 para legitimar a entrega a preço de banana da Vale do Rio Doce e da Telebrás para empresas privadas.
Este argumento não pode, é claro, minimizar o escândalo de corrupção na Petrobras. Os envolvidos, seja do lado da estatal seja das empreiteiras privadas, devem ser punidos pelos seus atos. A Petrobras deve construir sistemas de controle interno e fiscalização que impeçam novos cartéis. E fundamentalmente, a sociedade precisa se mobilizar para defender uma reforma política com o fim do financiamento empresarial de campanha, que está na raiz deste caso e de quase todos os esquemas de corrupção no Brasil.
O que não é aceitável é que a corrupção seja utilizada para desmontar a Petrobras e encobrir interesses das grandes petroleiras internacionais. É o caso do projeto de Serra. O mesmo Serra que em telegrama diplomático divulgado pelo WikiLeaks em 2010 prometeu a uma alta-executiva da Chevron –petroleira norte-americana, cujos interesses no pré-sal foram contrariados– que o modelo de partilha seria revisto. Promessa é dívida.
Nem o assunto nem a tática são novos. Aliás, a cada dia que passa os tucanos demonstram seu indisfarçável giro lacerdista. Carlos Lacerda era contra a criação da Petrobras em 1953 e defendia a participação estrangeira na exploração do petróleo. A famosa tática lacerdista de plantar escândalos para colher golpes –que funcionou tão bem no ano seguinte e em 1964– daquela vez falhou.
Agora, Serra a recupera com a PLS 131/15. O que está em jogo é a expansão desregulada do modelo de concessões, que convenhamos não foi interrompido nos governos petistas. Os leilões de campos de petróleo se mantiveram, como no caso emblemático do campo de Libra. Não houve nacionalização do petróleo no Brasil. O que o modelo de partilha fez foi apenas limitar a exploração pelas empresas privadas estrangeiras. E mesmo isso já foi encarado como um ataque ao livre mercado por algumas delas que, sob este argumento, não participaram do leilão.
Seu apetite é voraz, não aceitam limitações. Não aceitam aqui. Os Estados Unidos, país de origem da Chevron e de muitas das grandes petroleiras, proíbem por lei a exportação de petróleo, visando garantir o abastecimento futuro em detrimento do lucro empresarial de curto prazo. Embora essa lei tenha sofrido exceções, ainda é um pilar da regulação do petróleo norte-americano.
O modelo adotado na Noruega destina as melhores áreas para a exploração estatal da Statoil, reservando campos menos promissores às empresas estrangeiras, mesmo assim com participação obrigatória da Statoil. No Reino Unido o governo exige legalmente das empresas estrangeiras que comprem todos os equipamentos no país. O que aqui é apenas uma indução –a política de conteúdo local– lá é obrigação.
Não consta que vigorem governos bolivarianos nos Estados Unidos, Noruega ou Reino Unido. Não parecem tampouco ser exemplos fortes de antiliberalismo. Trata-se unicamente de regulações para impedir a espoliação dos recursos naturais e garantir a soberania nacional.
José Serra, Renan Calheiros, a Chevron e o petista Delcídio Amaral parecem não estar muito preocupados com essas garantias. Na atual conjuntura do Legislativo, há risco real de que esse retrocesso seja aprovado. Se for, pagaremos todos a conta.