Seminário nacional “Mulher e Trabalho Decente” da CUT anuncia estudo sobre cláusulas sociais contra a discriminação racial

Durante o seminário, também foi lançado livro sobre igualdade de remuneração…





CUT

 Terminou na noite desta terça-feira  (10) o seminário nacional “Mulher e Trabalho Decente”, resultado da parceria entre a CUT e a fundação alemã Friedrich Ebert (FES). O debate na capital paulista serviu para iniciar a preparação das trabalhadoras rumo às conferências nacionais previstas para este e para o próximo ano.

Como não poderia deixar de ser, a prioridade definida foi inserir a discussão sobre a igualdade de oportunidades na III Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que acontece entre 12 e 15 de dezembro, em Brasília. Mas, a estratégia das cutistas é fazer com que o tema esteja presente em todas os outros eventos com participação da Central.

No caso do encontro em Brasília, a proposta virá em forma de luta por igualdade salarial, creches públicas de qualidade e em tempo integral, ratificação da convenção 156 – sobre divisão de responsabilidades domésticas entre homens e mulheres – e o reconhecimento, na prática, dos direitos das trabalhadoras domésticas.

Esse último ponto mereceu grande destaque na intervenção da secretária de combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Nogueira, que falou sobre a invisibilidade das trabalhadoras negras no Brasil. “Somos maioria nos serviços precarizados, basta ver que nos shoppings e aeroportos ocupamos apenas as funções de segurança ou limpeza”, destacou.

Reconhecimento às trabalhadores domésticas
Sobre as domésticas, categoria formada por 7 milhões de pessoas, sendo 95% mulheres, em sua grande maioria negras e sem carteira assinada, a dirigente comentou que a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria de Oliveira, havia citado em uma conversa a baixa sindicalização de negras. Para ela, é simples explicar. “Para quem já precisa lidar com baixos salários, é difícil pagar um sindicato, ainda mais quando a sindicalização pode representar ser preterido pelos patrões, que não querem dor de cabeça com trabalhador politizado", declarou a dirigente, no momento em que o ex-ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, era obrigado a pedir desculpas por afirmar em um programa de TV que "quem teve este animal, teve; quem não teve nunca mais vai ter", referindo-se à empregada doméstica.

Um grande avanço, porém, pode ocorrer nos próximos meses. No dia 13 de junho, em Genebra, durante a Conferência Internacional de Trabalho, será votada uma convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho) seguida de recomendação, que reconhece os direitos das trabalhadoras domésticas.  Caso seja confirmada, a norma é uma vitória de entidades sindicais de todo o mundo, inclusive da CUT, única central brasileira que organizou e levou trabalhadoras da categoria ao encontro no ano passado.

Além disso, a pedido da Central, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) finaliza um levantamento das negociações coletivas que já possuem cláusulas favoráveis à promoção da igualdade. Conforme divulgou Maria Júlia, o resultado da pesquisa resultará em um seminário para servir de orientação a outras categorias.

Atitude para mudar

Representante da CUT Alagoas, Maria Moraes, oriunda do setor bancário, citou que a conquista de uma cláusula que garantia a contratação de negros e deficientes não garantiu a igualdade. “Os bancos passaram a contratar, mas colocavam sempre em serviços de auto-atendimento, postos de menor responsabilidade e remuneração, e nunca permitiam a promoção dessas pessoas”, contou.

Para Maria de Fátima, da CUT Goiás, um meio de acabar com esse tipo de postura é mudar a atitude como consumidor, deixando de comprar em lojas e redes que promovam o racismo ou não valorizem as mulheres. “É nossa atitude do dia-a-dia que vai conscientizar sobre a discriminação.”

Rosemeire Santos, da CNQ (Confederação Nacional dos Químicos), comentou a baixa auto-estima de algumas mulheres que não afirmar sua raça, especialmente quando possuem um pouco menos de melanina e um cabelo um pouco mais liso. Ela também alertou para a necessidade de a CUT ficar atenta para aplicar o que prega. “Precisamos colocar em prática o que cobramos da sociedade. Por exemplo, eu não vejo nenhum negro nesse hotel onde sempre realizamos eventos”, disse.

Maria Júlia acredita que uma forma de elevar a auto-estima é exigir a aplicação da Lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história da África nas instituições de ensino médio e fundamental. “Na medida em que conheço minha história eu me orgulho dela”, comentou.

Conhecimento para todos

Após os trabalhos em grupo que iniciaram a discussão sobre estratégias, alianças e pautas para as conferências, as trabalhadoras promoveram o lançamento da cartilha “Igualdade de Remuneração entre Homens e Mulheres – Experiências e Desafios”.

Com uma tiragem inicial de 3 mil exemplares, a publicação visa levar aos estados e ramos uma compilação dos debates que marcaram o seminário sobre o mesmo tema organizado no ano passado pela CUT e pela FES.

A psicóloga e militante feminista Nalu Faria, que participa da obra com um texto sobre a divisão sexual do trabalho como base das relações de gênero, participou do lançamento e comentou a necessidade de considerar o papel da mulher no sistema capitalista. “Só um conceito de raça e classe não é capaz de explicar essas relações em um modelo que não reconhece o trabalho reprodutivo e doméstico. O debate sobre a igualdade não é para equiparar as mulheres aos homens, mas para resgatar a contribuição específica das mulheres e questionar a posição dos homens nessa relação”, avaliou.