A secretarias de Saúde da FUP e de seus sindicatos criticam com veemência a resolução recente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), publicada no último dia 11, que muda as medidas sanitárias para embarque e desembarque de plataformas. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC), número 605, altera a de número 584, de 8 de dezembro de 2021. O Sindipetro NF identifica que houve um relaxamento descabido das regras, provocando o aumento de casos. Embora o órgão afirme ter ouvido os atores envolvidos, não houve consulta à FUP ou aos sindicatos petroleiros, os maiores interessados na saúde dos trabalhadores.
Em vídeo com a íntegra da reunião da diretoria da Anvisa que apresentou as alterações, é possível verificar que um dos diretores, Alex Campos, coloca como mais importante a não paralisação das atividades do que a não contaminação dos trabalhadores. Ele avalia ainda que as unidades não têm muitas pessoas a bordo (120 a 150 pessoas) e, aos 35 minutos, fala da realidade da categoria mesmo sem ter ouvido os seus representantes.
Para o sindicato, certamente os servidores da Agência, ou as empresas que foram as únicas ouvidas na construção da RDC, jogarão na variante Omicron a culpa pela explosão de casos nas plataformas. Mas os dados desmontam esse tipo de argumentação.
“Se olharmos o tamanho dos picos em relação aos patamares anteriores podemos verificar nos dados da onda atual de contaminações que, enquanto no Brasil se parte de uma média móvel no menor patamar de 3.450 mil casos positivos em 22 de dezembro de 2021 para um pico de 183.150 mil casos, um aumento de aproximadamente 53 vezes. Nas plataformas, conforme dados da ANP, se saiu de um patamar de média móvel de 7 casos, para um pico de 1041 casos de média”, explica o coordenador do Departamento de Saúde do Sindipetro-NF, Alexandre Vieira.
O sindicalista aponta a ocorrência de um aumento de 148 vezes, quando se compara com a onda de janeiro de 2021. “Onde Brasil saiu de 21.080 em 22/10/2021 para um pico de 54.600 mil casos em 20 de janeiro, enquanto nas plataformas saímos de uma média móvel de 64 casos em 28/10/2020 para 360 casos em 8 de janeiro, um aumento pouco mais de 5 vezes na média de casos”.
A RDC é responsável pelo aumento de casos
De acordo com o diretor, a entidade avalia que é inegável que a variante Omicron é muito mais transmissível, “mas é igualmente inegável que o ambiente confinado das plataformas é um prato cheio para a transmissão da Covid-19. Por este fato o que para um ambiente em terra seria normal, para uma plataforma se torna inadmissível!”.
Já no embarque as unidades se diferenciam por ser, até a revisão 605, obrigatória a testagem por RT-PCR antes do embarque nas unidades. “O que hoje já não se é mais verdade, pois a Anvisa aceitou o infame e assassino pedido de que fosse permitida a não testagem por até 90 dias da última contaminação”, protesta Vieira.
O Departamento de Saúde lembra que a permissão de embarque sem a testagem resultou na presença um trabalhador contaminado na P-40, que chegou à unidade e desembarcou em um voo de resgate aeromédico à noite — vindo posteriormente a ser internado, sendo inclusive utilizada a máquina equimo. “Apesar dos esforços dos médicos o nosso companheiro faleceu devido a complicações da Covid-19, o que certamente poderia ter sido reduzido com a testagem e a obrigação de se realizar atendimento do médico do trabalho antes do retorno ao trabalho”, denuncia o diretor.
O sindicalista destaca ainda que o “detalhe” do resgate ter sido feito à noite não pode ser negligenciado. “Quem não é familiarizado com a questão pode deixar passar despercebido o que significa realizar um resgate aeromédico à noite. Esse tipo de voo é de alto risco, realizado por poucos pilotos que passam por treinamentos regulares. Ou seja significa que o risco de vida para o trabalhador a bordo é tão grande que justifica arriscar a vida de outras quatro pessoas. Só para se ter idéia do risco dessa atividade, em 2021 tivemos um acidente durante um treinamento de resgate noturno”.
Da justificativa da permissão
A Anvisa justifica a permissão do embarque sem testagem baseando-se em protocolos de países como Estados Unidos e Reino Unido, mas sem demonstrar em sua apresentação os protocolos que baseiam essa decisão. Somente informam de maneira generalista que essa decisão tem base, mas não fazem a devida referência a norma ou trabalho específico. Veja a imagem abaixo.
Porque a decisão da Anvisa é questionável?
Essa decisão é incompatível com a NR37, portaria interministerial 14 MTB/MS de 2022 e também as portarias nº 658, de 5 de outubro de 2021, assim como a Interministerial nº 661, de 8 de dezembro de 2021, que definem diretrizes específicas sobre o tema, onde dizem o seguinte:
6. A entrada em território nacional de viajantes que tiveram covid-19 nos últimos noventa dias, contados a partir da data de início dos sintomas, que estejam assintomáticos e persistam com teste RT-PCR ou teste de antígeno detectável para o coronavírus SARS-CoV-2 (covid-19), será permitida mediante apresentação dos seguintes documentos:
6.1. dois resultados de RT-PCR detectável, com intervalo de no mínimo quatorze dias, sendo o último realizado em até setenta e duas horas anteriores ao momento do embarque;
6.2. teste de antígeno que apresente laudo com resultado negativo ou não reagente, posterior ao último resultado RT-PCR detectável;
6.3. atestado médico declarando que o indivíduo está assintomático e apto a viajar, incluindo a data da viagem. O atestado deve ser emitido no idioma português ou espanhol ou inglês e conter a identificação e assinatura do médico responsável.
O item 6.2, inclusive, é recomendado pelo assessor médico do trabalho do Sindipetro-NF, Ricardo Garcia, e vem sendo executado com sucesso pelo Sindipetro-NF, para diretores, funcionários e para petroleiros que procuram a entidade devido a falta de atenção das empresas — representada ou não pelo sindicato.
“Diante de todos esses fatos se torna, dentro de uma visão prevencionista, incompreensível de que se permita o embarque de trabalhadores em uma unidade offshore sem a testagem. Mas infelizmente a visão que se viu na Reunião de Diretoria Colegiada da Anvisa, foi a de que a produção importa mais do que a saúde dos trabalhadores. Isso pode ser claramente identificado quando a agência não cumpre o que ela mesma noticiou (aqui), onde disse que envolveria os trabalhadores na discussão sobre RDC 584/2021.
Nesta notícia a Anvisa informa que “o objetivo das diligências é fazer uma discussão aprofundada e adequada em torno da norma atual, publicada por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 584/2021, visando o aperfeiçoamento da regulação sanitária. Para isso, a Agência realizará reuniões com o Ministério da Saúde, Ministério da Economia, Ministério da Integração, Ministério do Trabalho e Previdência, Ministério Público do Trabalho, Petrobrás e outras empresas do setor regulado, além de representantes de trabalhadores e de sociedades médicas, entre outros, buscando subsídios para a tomada de decisão sobre o tema”.
A própria apresentação da Anvisa mostra que o órgão não se reuniu com os trabalhadores, apesar da FUP ter em 4 de Fevereiro de 2022, solicitado reunião com a agência sobre o tema — data anterior às reuniões realizadas com o Ministério das Minas e Energia no dia 09 e à segunda reunião com a Petrobrás, no dia 10. Houve, para Vieira, “um claro alinhamento com o desejo principal de se manter a produção as custas da saúde dos trabalhadores. O que pode ser visto na imagem abaixo, onde é afirmado que o problema do aumento dos surtos da Covid-19 a bordo das plataformas é a dificuldade de reposição de mão de obra. E não a contaminação dos trabalhadores a bordo das unidades. Como se fossemos máquinas e não seres vivos”.
“É triste ver uma agência Criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro 1999, que tem por finalidade institucional, promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados, colocar a produção e o lucro acima da saúde dos trabalhadores sem sequer ouvir estes que são os atingidos pela doença”, protesta o sindicalista.
O Departamento ressalta ainda que as empresas do setor desejavam que trabalhadores positivados para Covid-19 ficassem a bordo das unidades, como pode ser observado abaixo:
Fora, negacionismo
O Sindipetro-NF vai fazer todos os esforços para que esse cenário seja alterado. A entidade alerta que essa realidade é reflexo do poder na mão de um governo negacionista, que passa a boiada em cima de todos os trabalhadores da mesma forma que permite a queimada das florestas e a mineração que contamina os rios. “Que os trabalhadores não se esqueçam desse sofrimento nas eleições desse ano. E retirem estes negacionistas do poder. Temos o direito e o dever de protestar contra toda essa covardia com os trabalhadores”, desabafa Vieira.
A entidade indica que os trabalhadores registrem suas críticas nas redes sociais da Anvisa, especialmente na postagem da reunião de diretoria que definiu que a produção está acima da saúde dos trabalhadores (aqui), com a hashtag sugerida #NegacionismoNaAnvisa.
[Da imprensa do Sindipetro NF]