“Sem controle social do petróleo, os pobres passarão ao largo”, afirma o petroleiro e professor de Sociologia da Universidade Federal de Sergipe







Segundo pesquisador da área, os recursos provenientes de royalties cresceram 714% no norte fluminense e 520% no Rio Grande do Norte, nos últimos cinco anos – mas suas cidades permanecem paupérrimas

Por Carol Cavassa e Leandro Uchoas


PROFESSOR da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Frederico Romão tem se destacado pelos surpreendentes estudos na área do petróleo. Através de seu trabalho, foi revelado, por exemplo, que as principais cidades que recebem os royalties de exploração do mineral não têm revertido estes recursos em conquistas sociais – frequentemente estão entre os municípios de mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Nesta entrevista publicada originalmente no jornal Brasil de Fato, Romão defende uma reestruturação social, política e jurídica das regras de exploração da riqueza oriunda do pré-sal. Defende, também, o controle social sobre o destino dos royalties e dá exemplos claros das quantias fabulares de dinheiro, em determinados municípios, cujo destino é pouco transparente, e estas não se revertem em melhoria social ou urbana.

Além de doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e mestre em Sociologia na Universidade Federal de Sergipe, Frederico Romão integra o quadro de funcionários da Petrobrás desde 1986.

Confira a entrevista:

Há bastante tempo, as suas pesquisas tratam de questões relacionadas ao modelo de exploração de petróleo no Brasil, os seus impactos para a economia do país e, consequentemente, para a população. Diante da descoberta do pré-sal, um dos debates de maior relevância está focado em uma nova legislação para esse setor e a melhor forma de distribuição das verbas oriundas desses recursos, como os royalties, por exemplo. Fale sobre essa polêmica que ainda confunde a maioria dos cidadãos brasileiros.

Precisa-se instaurar uma estrutura social, política e jurídica que garanta a destinação de toda a riqueza a ser produzida a partir do petróleo existente na camada pré-sal, na qual se insere a distribuição dos royalties para os seus mais justos proprietários, que são as grandes massas historicamente excluídas vivendo nas periferias das cidades; populações imensas que sobrevivem às margens das plantações de cana, de soja, à margem dos grandes latifúndios. O momento é oportuno para se caracterizar correta e eticamente a quem pertence a riqueza petróleo, que não é apenas a existente na camada pré-sal.

Os frutos do minério armazenado há milhões de anos são propriedade particular de indivíduos, municípios, estados que, por obra do acaso ou sorte, possuem direito de propriedade? Ou essa riqueza deve ser entendida como patrimônio da nação? É riqueza dos que hoje estão vivendo nos municípios e estados produtores, ou precisa ser entendida como patrimônio intergeracional? O petróleo precisa ser tratado como patrimônio do país. Seu uso deve servir ao conjunto da nação. O uso dessa riqueza produzida ao longo de milhares de anos não pode servir apenas aos que hoje vivem no Brasil. Por seu componente ético, é uma riqueza que precisa ser usufruída também pelas gerações futuras.

Então, quando se discute a questão dos royalties, é preciso reafirmar que esta é uma riqueza da nação brasileira atual e futura, que deve servir social e economicamente de forma preferencial aos historicamente  excluídos.

Para a maioria dos especialistas, trabalhadores, parlamentares e integrantes dos movimentos sociais, os recursos do pré-sal necessitam de controle social. E para a distribuição dos royalties? É preciso um controle de aplicação das verbas e mecanismos de acompanhamento de gastos para a população?

Sem controle social sobre toda a riqueza do pré-sal, a grande maioria dos habitantes do Brasil irá mais uma vez ver passar ao largo. Será mais um ciclo econômico sem ter qualquer proveito, seja econômico ou social. Em toda a nossa história, passamos por diversos ciclos, alguns extrativos, como da borracha e do ouro. Outros foram ciclos de produção, a exemplo da cana-de-açúcar, do gado, do cacau. Todos eles resultaram em grandes produções de riquezas apropriadas de forma privada e excludente.

Por conta da não existência de controle social, os setores populares da sociedade não usufruíram em nada desses períodos de desenvolvimento econômico. Ademais, esses diversos ciclos serviram apenas para conformar um país brutalmente desigual, no qual existem mecanismos muito próprios de reafirmação da desigualdade. É fundamental que se estabeleça muito claramente em lei como podem e como não podem ser gastos os recursos da produção de petróleo em seu conjunto, e os royalties em particular. É preciso ficar devidamente estabelecidos quais tipos de investimentos poderão ou não ser feitos com esses recursos. Como garantia de que uma legislação socialmente justa será respeitada, é preciso definir também quais mecanismos de transparência e de controle social permitirão ao conjunto da população acompanhar se os interesses populares estão sendo preservados e a legislação, cumprida.

Certamente, a ausência de controle social permitiu, no ano 2000, que Mossoró, cidade produtora de petróleo no Rio Grande do Norte, gastasse mais de R$ 1 milhão com cada vereador do município.

Algumas de suas pesquisas mostram que os índices de serviços como saneamento e educação de áreas com atividade exploratória de petróleo são os mesmos de cidades que não recebem os royalties. Dê exemplos que constatem essa realidade.

Segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), entre 1999 e 2009 foram distribuídos mais de R$ 19 bilhões de reais em royalties. Do total de 5.561 municípios, apenas 870 participam de forma direta dessa distribuição. É muito dinheiro. Até porque os municípios que receberam são de pequeno e médio porte, e a distribuição não ocorre de forma equitativa. Logo, alguns municípios gastam verdadeiras fábulas em recursos.

No norte fluminense, os recursos distribuídos pelos royalties cresceram 714,01% em seis anos. A região do petróleo no Rio Grande do Norte cresceu sua arrecadação em 520% em cinco anos. Crescimento semelhante se observa nos estados de Sergipe, Bahia e Espírito Santo. Apesar de receberem somas elevadas de recurso, uma simples visita a alguns dos municípios produtores de petróleo há décadas é sufi ciente para que se perceba que os royalties recebidos não fizeram com que se tornassem diferentes das cidades do entorno que não recebem. Esta é a realidade de municípios como Carmópolis, em Sergipe, e Catu, na Bahia.

No Rio Grande do Norte, quando se compara indicadores como número de alfabetizados, abastecimento de água, saneamento básico e coleta de lixo, percebe-se que não existe diferença entre a região produtora de petróleo e o restante do estado. Na Bahia, quando se faz comparação semelhante no tocante ao abastecimento de água, energia elétrica e coleta de lixo, a realidade é a mesma do Rio Grande do Norte.

O norte fluminense arrecada em torno de 75% dos royalties distribuídos no Brasil; entretanto, em 2001, teve uma evasão escolar no ensino fundamental de 6,26%, superior à do estado do Rio de Janeiro, que foi de 5,61%. O mesmo norte fluminense possui uma estrutura hospitalar menor do que a de outras regiões do estado.

Na sua opinião, a proposta que mudou a divisão dos royalties entre estados e municípios pode ser uma forma de resolução desses problemas? Ou é preciso um novo mecanismo que facilite a fiscalização federal nas prefeituras?

Penso que as premissas que têm marcado a discussão sobre a distribuição dos royalties são absolutamente incorretas. Nos parece que o sentido é de apropriação privada de um recurso que é eminentemente social. É algo mais ou menos como “a riqueza está aí, é muita… e preciso me apropriar dela agora”. Este parece ser o sentimento hegemônico das classes dominantes.

É verdade que existe, por parte de alguns grupos, inclusive do governo federal, ideias positivas, como a criação de um “fundo soberano” para investimentos de cunho social, considerando, inclusive, aspectos intergeracionais. Infelizmente, percebe-se também que, à medida que a pressão das elites – interessadas apenas em usufruir da riqueza de forma privada – cresce, ampliam-se as possibilidades de uso do fundo soberano. Em síntese, pode-se chegar a uma condição em que o fundo criado terá tantas obrigações e possibilidades de uso que não se terá resultado efetivo prático, a exemplo do que foi a CPMF para a saúde.

Quanto a quem deveria exercer a fiscalização, acreditamos que deve ser o Tribunal de Contas da União [TCU]. Se caracterizarmos os recursos dos royalties como patrimônio da união, com finalidades eminentemente sociais, intergeracionais e com sentido de reparação de exclusões históricas das classes mais desfavorecidas, ninguém mais adequado para essa função do que o Tribunal de Contas da União. Deve-se somar, à fiscalização do TCU, a exercida por organizações como MST, OAB, ABI, CUT, Conlutas, dentro do controle social amplo.

Durante essa mudança, diversos especialistas e parlamentares polemizaram o assunto, afirmando que os estados produtores de petróleo sofrerão com a redução das verbas dos royalties, principalmente por causa dos impactos ambientais. Isto é verídico ou trata-se de mais um mito que justifica o mal uso desses recursos?

É mito. Os impactos ambientais devem ser devidamente amparados quando dos contratos com as petroleiras que explorarão as reservas. Deve-se garantir que as mesmas executem seus procedimentos operacionais dentro das mais atuais técnicas de segurança. Com a força de trabalho adequadamente treinada, tendo acesso a equipamentos em boas condições de uso. Trabalhadores devidamente representados por seus sindicatos, que, através de suas ações, contribuirão com a fiscalização no tocante ao cumprimento da legislação e das condições de trabalho. Ademais, existem os seguros, que devem prever as possíveis intercorrências quando estas ocorrerem.

Hoje, a forma pela qual os royalties são distribuídos e gastos representa um verdadeiro desperdício; são absolutamente inefetivos para as populações carentes dos diversos municípios produtores. Os dados de diversas pesquisas deixam isso muito evidente. Quem efetivamente perde com a mudança na legislação, caso venham se instituir formas democráticas e transparentes do uso dos royalties, são grupos minoritários que têm se refestelado com toda essa riqueza de forma privada e excludente ao longo de décadas