Royalties, IDH: elos perdidos da igualdade social

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Por Frederico Romão

A divulgação, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, do IDH de 2012 provocou pronunciamentos descontentes de ministros brasileiros, insatisfeitos com a 85ªposição do Brasil.

Buscam aquelas autoridades explicação para o insofismável fato. Apesar dos “tantos avanços” sócios econômicos, o Brasil continua apresentando vergonhosa posição como comprova o IDH. Com certeza os governistas fazem comparações com a vistosa posição brasileira de 5ª, 6ª ou 7ª economia mundial – essa sim, motivo de orgulho para a entourage oficial.

É importante refrescar raciocínios e memórias, fazê-las despertar mormente adormecidas, com apenas uma face da realidade brasileira – de há muito observando os números do agronegócio, da indústria, do sistema financeiro, da circulação do capital, o Brasil inegavelmente caminha de “vento em popa”. Apesar de aqui e ali aragem a boreste soprar percalços.

Mas quando observado o outro lado da moeda, o mundo dos trabalhadores rurais sem terra, dos operários, dos excluídos, a miséria do trabalho faz-se profunda, os dados que descrevem inclusive os sem-trabalho são aterradores. Cenário este potencializador da eleição do bloco que hoje governa o país, capitaneado pelo PT em 2002.

Os dados sociais melhoram há uma década. Análises diversas, algumas delas endógenas ao governo, destacam entretanto, persistente dureza da realidade; “O Brasil é o 10º país mais desigual do mundo” (IPEA, 2012). Propugna-se a necessidade de se aprofundarem mudanças. Infelizmente a opção eleitoral do bloco no poder tem priorizado alianças que,

em nome das reeleições, frearam transformações, pactando inclusive com inúmeros desvios e desperdícios do erário público.

Vejamos que os dados da aplicação dos royalties, seja ela sobre o uso da água ou a extração do petróleo e gás, pelos municípios evidencia um quadro gutural. Entre os anos de 1999 e 2012, estados e municípios receberam, a título de royalties e participações especiais de petróleo e gás, aproximadamente R$ 70 e R$ 41,5 bilhões respectivamente.

Ressalte-se que, visto o alarde com a  diária polêmica de vetos e contra vetos, os royalties distribuídos conforme a Lei 9478/1997 estão absolutamente concentrados. Em 2012 os estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro foram aquinhoados com 89,03 % dos recursos. E não se espante – esse percentual já foi maior. O pico ocorreu em 2009, quando a mesma pareia de estados açambarcou 91,42% dos daqueles recursos.

Desde o ano 2000 a receita de royalties e participações especiais do estado do Rio de Janeiro, na sua relação com a federação oscilou próximo aos 80%. O maior percentual ocorreu em 2009 com 86,46%, e o menor em 2012, com 75,95%. A queda é resultado do crescimento da presença do Espírito Santo na divisão quase biunívoca do bolo.

Entre os municípios produtores de petróleo e gás a realidade é idêntica. No estado do Amazonas, o município de Coari foi responsável sozinho por receber, entre os anos de 1999 a 2012, 79,98% de todos os recursos de royalties destinando aos municípios daquele estado.

Negando a assertiva de que os royalties precisam ficar nos estados e municípios produtores, em função da exploração da commoditie representar crescimento das mais diversas demandas, análise das receitas nominais e per capita mostra, por exemplo, um crescimento das mesmas em todos os municípios maiores recebedores dos estados do: AM, BA, ES, RJ, RN, SE e SP, em um ritmo absolutamente acima do crescimento populacional.

Royalties e Participações Especiais % de crescimento – municípios – 2002/2012

Munícipios

 

% crescimento da receita nominal 1999/2012

% crescimento da receita Per capita 1999/2012

% crescimento populacional

Campos (RJ)

1.944

1.662

13,94

Petrópolis (RJ)

678

646

3,27

Niterói (RJ)

51.099

70.087

6,12

Coari (AM)

1.216

972

13,22

Madre de Deus (BA)

1465

947.150

44,37

Presidente Kennedy (ES)

144.050

130.836

7,94

Guamaré (RN)

520

217

52,21

Ilha Comprida (SP)

1.131.100

689.330

34,62

Carmópolis (SE)

3800

2058

44,39

Fonte: Inforoyalties, IBGE. Elaboração própria.

Indiferentes ao caudaloso mar de verbas as cidades nas quais jorram petroreais permanecem imersas em lamaçal de problemas e corrupção.

Os recursos não são suficientes para obras de saneamento em Petrópolis (RJ), que decreta emergência e enterra mortos por conta de desabamentos. Em Niterói permanece insolúvel os problemas dos desabrigados no Morro do Bumba.

Nos estados anteriormente citados, dentre as cidades que mais recebem royalties apenas 23,8% possuem corpo de bombeiros. Em Sergipe e Amazonas esse percentual é zero. São Paulo, estado que menos recebe royalties, o número é de 60%. Denotando a disjunção relacional royalties/desenvolvimento, e tornando possíveis outros sinistros, como o de Santa Maria.

A mesma incongruência se repete ao analisar dados apresentados pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN. No conjunto dos municípios brasileiros, 80,1% estão incluídos dentro do Cadastro Único de Convênios – CAUC da STN, por pendências e regularidades, estando impossibilitados de celebrar convênios com a União.

Quando se busca a presença municípal nos grandes auferidores dos petroreais presentes no CAUC, vê-se ali situação mais grave que em outros municípios do país. O relatório dos 7 estados pesquisados, citados anteriormente, aponta que apenas 20% dos municípios afortunados estão regulares. Quando se exclui os municípios do estado de São Paulo de tal relação o número cai para apenas 11,43%, autorizando a afirmação – de que são intransparentes os municípios que recebem royalties.

Como o governo federal responde a estes desmandos com recurso finito?

Certamente a intransparência, o desperdício, os desvios e a corrupção dos recursos públicos diuturnamente, a espocarem nos noticiários irrigam farta e asqueirosamente a desigualdade social brasileira.

Caso perdure este cenário, a locupletar as mesmas elites de sempre, a interpretação futura da história desse período deverá trazer à tona dados dos quais o bloco atualmente no poder no Planalto Central terá menos que reclamar de organismos internacionais e mais a lamentar sua própria historia, que um dia se pretendeu de esquerda e, quando muito, conseguiu um melhor IDHzinho.

*Frederico L. Romão – Dr. em Ciências Sociais/Unicamp, Prof. voluntário do Departamento de Serviço Social/UFS – fredericoromao@uol.com.br