O acordo firmado entre a Petrobras e o Ministério Público Federal (MPF) envolvendo um depósito judicial de cerca de R$ 2,5 bilhões da petrolífera estatal para uma conta vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba tem lançado dúvidas sobre o autoproclamado e questionável republicanismo da Operação Lava Jato.
No final de 2018, para evitar um processo criminal de acionistas nos EUA a Petrobras aceitou um acordo inédito em que previa o pagamento de cerca de R$ 3,4 bilhões, dos quais 20% ficariam sob responsabilidade do Departamento de Justiça norte-americano (DoJ) e da Securities and Exchange Comission (SEC) e 80% ficariam sob responsabilidade do Ministério Público Federal brasileiro.
Nesse início de 2019, o MPF deu um passo adiante apresentando diretrizes para a utilização da sua parcela na negociação. O Ministério Público pretende criar um fundo patrimonial, gerido por uma fundação privada, dirigida por um comitê de indicados da sociedade civil, cabendo ao MPF do Paraná desenhar o estatuto, compor o conselho e integrar a direção dessa nova instituição.
O acordo abriu incertezas sobre a correção desse tipo de procedimento na governança do combate à corrupção. O valor bilionário a ser gerido por essa nova fundação é maior do que metade de todo o orçamento anual do MPF e, ao que parece, é mais expressivo do que os recursos despendidos pela Petrobras na sua gestão de prevenção da corrupção e ações de compliance.
Os últimos dois Relatórios de Sustentabilidade (RS) da Petrobras apontam um conjunto de instrumentos criados denominados de anticorrupção, mas não especificam os valores envolvidos nessas iniciativas. No entanto, alguns outros números ajudam a elucidar o valor extremamente generoso concedido ao MPF.
Em levantamento feito pelo G1.com, em 2017, a respeito das medidas anticorrupção adotadas pelas empresas arroladas na Lava-Jato, a matéria destaca o investimento robusto da Odebrecht em medidas de anticorrupção, na ordem de R$ 64 milhões. Segundo o RS da Petrobras de 2018, todos os gastos da empresa considerados como “contribuições para a sociedade” totalizam, nos últimos três anos, cerca de R$ 600 milhões o que representa aproximadamente 25% do depósito feito ao MPF. Além disso, cabe lembrar uma matéria do Valor de 2015 que revela o valor de R$ 386 milhões em contratos firmados (vários deles para o período entre 2014 e 2020) entre a Petrobras e outras instituições para investigar e combater a corrupção.
Mesmo considerando a importância para a sociedade do combate à corrupção, todos os números são significativamente inferiores ao depósito realizado para o MPF na cifra de R$ 2,5 bilhões.
O MPF, ao conferir a si autonomia para gerir e aplicar recursos de terceiros, pode acabar extrapolando suas atribuições e interferindo em responsabilidades dos outros três poderes republicanos; ao sugerir que os montantes negociados não podem voltar diretamente ao caixa da Petrobras pode estar deixando de tratar os acionistas e cidadãos como réus lesionados, os colocando na posição de responsáveis pela lesão que sofreram com a corrupção.
Quando o MPF traz para si a responsabilidade de criar uma institucionalidade administrativa, jurídica e financeira, para gerir recursos de origem pública, pode estar entrando na disputa pelos fundos públicos por uma porta desprovida de mecanismos claros de controle, fiscalização e transparência tão defendidos no âmbito da Operação Lava Jato. Além disso, ao expor a Petrobras às autoridades norte-americanas se corre o risco de que sob o pretexto de aquisição de informações sobre governança da empresa brasileira circulem outros dados estratégicos da companhia, ferindo o princípio da confidencialidade.
A proposta permanece cercada de incertezas, o que não é bom sinal para uma política que pretende combater desvios e promover transparência, tanto em termos de valores, como no próprio trabalho a ser desenvolvido pela fundação criada no interior do MPF.
A se seguir essa toada, sob o pretexto de combater poderes paralelos dentro da Petrobras e do Estado, a Operação Lava Jato caminhará para criar um Estado paralelo ao arrepio dos três poderes. É no mínimo curiosa uma situação em que a vítima, Petrobras, tenha que pagar “indenização” para o órgão acusador, MPF. Se assim o for, uma vez mais a concepção de interesse público e nacional estará sendo reduzida à noção de interesse corporativo e mercantil de uma parte do Estado. Trata-se de uma afronta às instituições republicanas e aos princípios liberais, cometida justamente por aqueles que almejaram, pretensiosamente, instaurar um certo republicanismo liberal no país. Com esse passo a Lava Jato revela ser o contrário do que parece ser.
[Via Blog do INEEP]