Por José Antônio Cremasco, advogado do Unificado
A greve é um direito legítimo de todo trabalhador brasileiro e cabe a ele decidir quando e porque usará essa alternativa como instrumento de pressão para que os patrões atendam suas reivindicações. O trabalhador não pode ser punido ou demitido por aderir ao movimento grevista.
A Lei Federal nº 7.783, criada em 1989 no início da redemocratização, regulamenta a greve e dispõe em seu artigo primeiro: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. O mesmo texto se repete no artigo 9º da Constituição Federal de 1988.
De acordo com a lei, a decisão de realizar a greve é tomada pela categoria em assembleia geral, convocada pelo sindicato, na forma do seu estatuto, com a votação dos trabalhadores.
A legislação assegura “o emprego de meios específicos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”. Além disso, a categoria também pode arrecadar fundos e tem total liberdade para divulgar o movimento.
Durante a greve, não é permitido, em hipótese alguma, que empregados ou empregadores se utilizem de meios para constranger os direitos e as garantias fundamentais de outras pessoas (o teor desse artigo visa limitar os poderes do empregador em relação a estratégias para frustrar o movimento).
“É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento”, destaca o artigo 6º. A lei determina ainda que os grevistas “não poderão impedir o acesso ao trabalho e nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa”.
A legislação estabelece ainda (artigo 9º) que durante a greve o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.
Veja que nesse tema o dispositivo legal também é de fácil entendimento, no sentido de que equipes de manutenção poderão ser criadas mediante acordo. É obvio que não existindo acordo a obrigação de cuidar desse assunto compete ao empregador, até porque é dele o risco da atividade, conforme estabelece o artigo 2º da CLT:
“Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”
Greve natalina
Na greve realizada em dezembro do ano passado, a direção da Replan desrespeitou publicamente todos esses artigos. O movimento foi iniciado a 00h30 do dia 23/12/2016 e a assembleia já havia aprovado o corte da rendição, permanecendo o grupo três em atividade dentro da refinaria.
Por várias vezes, o Sindicato insistiu para que o grupo fosse liberado e em momento algum a direção da empresa demonstrou interesse em negociar a saída dos trabalhadores. Pelo contrário, sob a proteção judicial – que negou a ordem de habeas corpus impetrada em favor dos trabalhadores, cuja jornada já ultrapassava 30 horas –, a gerência utilizou todas as manobras possíveis para manter o grupo em atividade, embora pudesse contar com uma equipe de contingência, montada pela própria empresa e que permanecia oculta dentro da refinaria.
A mesma falta de sensibilidade teve a juíza, que, ao negar a ordem de habeas corpus, determinou a formação de um grupo de contingência tal como havia sido proposto pela empresa. Vale lembrar que na greve anterior, a juíza que despachou o habeas corpus proposto em decorrência do mesmo problema atendeu prontamente ao pedido, determinando a liberação dos trabalhadores que permaneciam por longas horas em plena atividade.
Os fatos se repetem. No momento em que se fala em compliance (agir de acordo com as regras) nas relações de trabalho, a empresa adota medidas ultrapassadas em total desrespeito ao que determina a lei.
Além de tentar frustrar o movimento grevista, a empresa praticou atos de barbárie ao ameaçar os trabalhadores que tinham ultrapassado a dobra com argumentos de que não poderiam deixar a empresa, pois, caso fizessem isso, estariam abandonando o posto de trabalho.
Um argumento absurdo! Não há em qualquer livro jurídico uma linha sequer afirmando que o empregado é obrigado a permanecer em atividade enquanto não for substituído por outro. Em circunstâncias normais, enquanto não for rendido por outro colega, existe uma tolerância frequentemente adotada no dia a dia da empresa.
Entretanto, com greve deflagrada, falar em abandono de posto para quem está exausto e trabalhando há mais de 12 horas significa ameaça e assédio moral, passível de indenização. Mais que isso! Cada trabalhador que passou por essa situação, na verdade, foi submetido a cárcere privado, figura perfeitamente tipificada em nosso código penal.
A mediocridade da empresa não parou por aí. Após essa conduta, como num passe de mágica, a direção da refinaria exigiu que o Sindicato formasse uma equipe de contingência (como se a entidade tivesse poderes para determinar ao trabalhador que entrasse em serviço, sem contar as dificuldades na comunicação, no transporte, etc).
Essas manobras, que serão passíveis de apreciação pela Justiça do Trabalho, mais uma vez, voltaram a ser adotadas pela empresa. Infelizmente, nesses momentos, a gerência demonstra pouco ou quase nenhum escrúpulo ou comprometimento com os trabalhadores.
É inegável que as atitudes praticadas pela direção da Replan confrontaram, literalmente, a lei de greve. É certo, porém, que o Sindicato e os trabalhadores não se calarão diante dos abusos praticados e buscarão responsabilizar pessoalmente os cumpridores de tais desmandos e atitudes antissindicais.