João Sicsú, diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), tem um diagnóstico e um tratamento precisos para a onda inflacionária em curso. É uma "inflação de alimentos" e exige estímulos para "aumentar a oferta", defendeu em entrevista a Bernardo Joffily, do Vermelho, o professor de economia da UFRJ, levado para o Ipea na gestão de Márcio Pochmann.
Durante a gestão de Pochmann, o Ipea passou a se alinhar com a ala desenvolvimentista no interior do governo Luiz Inácio Lula da Silva, que trava um combate de longo fôlego contra os ortodoxos do Banco Central. O fomento da oferta para enfrentar a inflação é uma alternativa à linha ortodoxa de elevar ainda mais drasticamente os juros (fala-se que o próximo aumento da taxa Selic chegará a 0,75%). Veja a entrevista produzida ao Portal Vermelho:
O Brasil vive uma onda de inflação de alimentos, causada por fatores externos e internos, que são basicamente os mesmos: redução da oferta de alimentos, por um lado, e por outro o aumento da demanda.
Se este é o quadro, qual a política a adotar?
A forma mais adequada de se conter essa inflação de alimentos é aumentar a oferta de alimentos, e não reduzir a demanda. Afinal, as pessoas querem comer mais e isto é bom. É possível, com políticas governamentais, levar ao aumento da produção e da produtividade das lavouras de alimentos. O aumento da produção pode ser facilmente alcançado com políticas como um crédito dirigido ao setor. O aumento da produtividade também viria com um crédito especial, e no caso brasileiro tem sido facilitado pelo maior investimento em máquinas e equipamentos.
Essas medidas não levariam perto de um ano para surtirem efeito?
O setor de alimentos responde mais rápido que isto. Eu diria que até o final do ano podemos ter um aumento da oferta de vários produtos. Em média, dentro de quatro a oito meses a diferença já começa a aparecer.
Tem sentido a alegação de que a produção de etanol em expansão tomou terras que eram destinadas a alimentos e portanto tem culpa na onda inflacionária?
Parece que esta é uma verdade parcial. É possível que uma parte da terra antes destinada a alimentos tenha sido usada para outros fins, como o etanol. Mas também é verdade que há muita especulação com commodities. E isto num mundo que está, ainda, em crescimento significativo, particularmente na China, na Índia, também no Brasil, enquanto a redução do crescimento se dá na Europa e nos Estados Unidos.
Em resumo, há muita especulação em relação às commodities e portanto aos alimentos, assim como há em relação ao petróleo. O governo está tomando medidas corretas, por exemplo quando diminui a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, que taxa os combustíveis). O Brasil tem importantes condições de elevar a oferta interna de commodities, sejam alimentos ou petróleo.
Portanto, professor, na sua avaliação, as medidas de estímulo à oferta seriam suficientes para enfrentar a inflação de alimentos?
Lógico que sim. É só ver os números da inflação: a taxa de aumento dos preços dos alimentos está em torno de 14% a 15% nos últimos 12 meses, enquanto os outros preços têm uma variação de 3% a 3,5%. O foco, a causa da inflação são os alimentos. Sem eles, a inflação seria de 3% a 3,5% ao ano, muito abaixo do centro da meta de inflação (definido em 4,5%, com tolerância de dois pontos porcentuais para cima ou para baixo). Neste caso atual, o pobre é que se dá mal, pois é uma inflação de alimentos, e quanto mais baixa a faixa de renda, maior é a parcela do orçamento familiar que vai para os alimentos. Nas camadas mais pobres, ela chega a 50% e até 60%.