A Petrobrás, que já foi uma das maiores empresas de energia do mundo, está sendo cada vez mais reduzida pela gestão bolsonarista. Menos investimentos no Brasil, menos empregos, menos soberania. Grande mesmo, só o lucro dos acionistas, às custas das privatizações e do alto preço dos combustíveis. Leia a análise do economista Eduardo Costa sobre o Planejamento Estratégico da estatal para o período 2022-2026
Se no filme “Querida, Encolhi as Crianças”, o protagonista, o cientista Wayne, encolheu acidentalmente, numa experiência, os seus filhos, no caso da atual gestão da Petrobras há uma decisão deliberada em encolher a empresa. O Planejamento Estratégico/2022-2026 da Petrobras poderia ser denominado: Querida, encolhi a empresa. Mas quem ganha com isso? No curto prazo, os acionistas com a enorme ampliação dos lucros, da geração de caixa operacional e, sobretudo, da distribuição de dividendos.
Por Eduardo Costa Pinto, pesquisador do INEEP e professor do Instituto de Economia da UFRJ
Nos últimos seis anos, a Petrobras tem destacado o papel desempenhado pela sua estratégia financeira para o aumento de sua eficiência privada, expresso na redução do endividamento, no aumento do caixa livre e na ampliação da distribuição de dividendos. O Planejamento Estratégico/PE de 2022-2026 da Petrobras, denominado Investimento com Responsabilidade, explicita isso muito bem ao afirmar que a estratégia financeira da empresa está centrada em “manter a estrutura ótima de capital, comprometimento com a melhor alocação de capital e maximizar geração de valor”.
Isso significa dizer que a companhia pretende manter o processo de desalavancagem (redução de capital de terceiros), desde 2016, com o estabelecimento de uma meta de endividamento bruta de US$ 60 bilhões. Além disso, a gestão de portfólio permanece centrada nos investimentos na exploração e produção (E&P) de petróleo no pré-sal e na venda de ativos de outras áreas em que a Petrobras atuava ou atua. Maximizar os lucros para os acionistas, no curto prazo, é o imperativo hoje na gestão da companhia que é uma sociedade de economia mista, sob controle da União.
Quanto à questão da redução do endividamento, cabe perguntar: a redução da dívida sempre representa uma melhora das condições financeiras? Não necessariamente, pois é bom lembrar que o endividamento é uma das mais importantes fontes de financiamento dos investimentos (em imobilizados e intangíveis), que gerarão caixa no futuro (após iniciada a produção).
No setor de petróleo e gás, o endividamento tem um papel ainda mais relevante em virtude do considerável descasamento temporal entre os elevados investimentos na exploração e desenvolvimento de novas reservas (realização de despesas concentrada no tempo[1] – novos projetos do pré-sal demoram entre 3 e 5 anos para serem finalizados) e o início da produção que proporcionará receitas (fluxo de caixa) ao longo do tempo de vida da reserva.
Nesse sentido, a questão da estrutura de capital (maior ou menor endividamento) deve ser analisada levando em conta as capacidades de geração de caixa futura, fruto dos investimentos de hoje e dos riscos associados a esse processo. Quando os custos de capital de terceiros são menores que a taxa de rentabilidade esperada dos novos investimentos, a expansão do endividamento torna-se uma estratégia desejada para a ampliação da acumulação de capital da empresa.
No que tange à melhora na alocação de capital, a estratégia da Petrobras foi e é concentra-se no E&P no pré-sal, que possui maiores taxas de retorno, e sair de outras atividades que possuem taxa de retorno positiva, mas menores do que a do E&P. Essa estratégia provoca a desintegração vertical da empresa, aumentando a exposição a variáveis que ela não controla, como câmbio, preço do petróleo e mudanças tecnológicas referentes à redução dos custos das energias renováveis.
Daniel Yergin, em seu livro clássico “O Petróleo: uma história de ganância, dinheiro e poder”, nos mostrou que a história do petróleo é a trajetória da configuração da formação dos grandes conglomerados empresariais (Standard Oil, fundada pela família Rockefeller que tem a ExxonMobil como principal herdeira; Shell; etc.) que, para atuar nesse segmento, precisaram realizar o processo de integração vertical.
Atualmente, as grandes petroleiras integradas continuam adotando essa estratégia de integração vertical, inclusive aumentando essa integração (“do poço ao poste”) com os investimentos em petroquímica e energia renovável, mesmo que, no curto prazo, esses investimentos tenham menores taxas de retorno. A Petrobras é a única que está fazendo um profundo processo de desintegração vertical, mesmo com o atual nível de endividamento baixo, inclusive vendendo ativos de energia renovável (campos de energia eólica).
Entre 2016 e 1T2022, a Petrobras vendeu cerca de 46 ativos, dentre os quais campos de produção de petróleo, BR distribuidora, NTS, TAG, RLAM entre outros, que proporcionaram uma entrada de caixa de cerca de R$ 145 bilhões (ao valor de 31/03/2022 deflacionado pelo IPCA). No governo Bolsonaro (2019-1T2022), o montante de recursos financeiros que entrou no caixa da Petrobras, com a venda de ativos, foi da ordem de R$ 97 bilhões.
Além da venda de ativos, a atual gestão de portfólio provocou a redução dos investimentos, que nos últimos anos não estão cobrindo nem mesmo desgastes das máquinas, equipamentos e reservas (valor da depreciação, depleção e amortização). Entre 2019 e 1T2022, a Petrobras desembolsou (caixa) nas aquisições de ativos imobilizados e intangíveis cerca de R$ 110,5 bilhões ao passo que a depreciação, depleção e amortização foi de cerca de R$ 196,5 bilhões. Ou seja, a Petrobras somente repôs 56% dos desgastes das máquinas, equipamentos e reservas, porcentagem bem abaixo da média das dez maiores petroleiras integradas (BP, Chevron, China Petroleum & Chemical, Eni, Equinor, Exxon Mobil, PetroChina, Shell, Suncor Energy, TotalEnergies), excluindo a Saudi Aranco, que foi de 76%.
Essa gestão de portfólio, com a atual suposta estrutura ótima de capital, implica necessariamente num encolhimento da empresa pela via da venda de ativos e na redução dos investimentos.
Se no filme “Querida, Encolhi as Crianças”, o protagonista, o cientista Wayne, encolheu acidentalmente, numa experiência, os seus filhos, no caso da atual gestão da Petrobras, há uma decisão deliberada em encolher a empresa. O PE/2022-2026 da Petrobras poderia ser denominado: “querida, encolhi a empresa”. Mas quem ganha com isso? No curto prazo, os acionistas com a enorme ampliação dos lucros, da geração de caixa operacional e, sobretudo, da distribuição de dividendos.
A ampliação dos lucros e da geração de caixa operacional (R$ 505 bilhões entre 2019 e 1T2022) da Petrobras, nos últimos anos, é fruto da atual política de preços dos derivados – que utiliza a Paridade de Preço de Importação (PPI) –; e do aumento da produção de petróleo no pré-sal, que possuem custo total de produção de petróleo (CTPP) baixos, entre $US 41-45 por barril na média do 1T2022. Esse aumento da produção, com custos baixos, é, em boa medida, decorrente dos investimentos realizados entre 2013 e 2016.
Mas, se a Petrobras está gerando esse enorme caixa, num contexto atual de redução da dívida, qual o motivo para a empresa não aumentar o investimento? A resposta é a gestão de portfólio, que tem como eixo os investimentos em E&P do pré-sal. Como os investimentos em outras áreas são menos rentáveis (como refino, logística, distribuição e energia renovável), a gestão atual da empresa não diversifica os projetos de investimentos implicando no aumento do volume de recursos sobrantes, após os investimentos e os pagamentos financeiros. Esses recursos sobrantes vão para o pagamento de dividendos que totalizaram cerca de R$ 167 bilhões entre 2019 e 1T2022. Desse total, 37,5% foi para a União e o restante para o setor privado, sobretudo, estrangeiro (40% do total).
Esse volume de distribuição de dividendos que implicou em menores investimentos, dada a atual gestão de portfólio, faz com que a empresa não tenha uma estratégia em relação às alternativas futuras ao petróleo no médio e longo prazo. A Petrobras poderia estar investindo em energias renováveis olhando a transição energética como melhoria do bem-estar e também como uma possibilidade de geração de lucros no futuro. Se hoje o pré-sal é uma grande “vaca leiteira” da geração de caixa, as energias renováveis poderiam se tornar no futuro essa nova oportunidade para a empresa, caso essa começasse a investir a partir de hoje. No entanto, a Petrobras está presa num circuito fechado curto prazista que beneficia os acionistas hoje em detrimento dos consumidores e da empresa no futuro, a qual seguirá encolhendo caso não seja mudada a sua atual estratégia de portfólio.
*Artigo publicado originalmente na Revista Fórum
[1] A Petrobras tem hoje em execução 11 grandes projetos de exploração no pré-sal, com capex estimado da ordem de US$ 22,9 bilhões.