Por Victor Pena, presidente do Sintef (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas na Area de Transporte e Manutenção em Equipamentos Ferroviários) de Conselheiro Lafaite (MG)
É muito preocupante a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida no dia 16 de maio, ao assumir a atribuição de definir a licitude do uso da terceirização em atividades-fim das empresas. Essa possibilidade surgiu com acolhimento da repercussão geral pelo Plenário Virtual do STF em processo de Recurso Extraordinário que tem como relator o ministro Luiz Fux (ARE 713.211). A questão central é se, diante do contexto do delicado debate político sobre a regulamentação da terceirização, o tema é de atribuição do STF.
No Brasil, apesar da terceirização ser a modalidade contratual que mais cresce nos últimos anos, permanecemos sem uma regulação de seu conteúdo e alcance. A precária e insuficiente regulação sob qual nos guiamos é da jurisprudência do TST que, a partir dos imprecisos conceitos entre atividade-fim e atividade-meio, construiu a Súmula 331, que desde 1993 é o precedente jurisprudencial mais relevante que autoriza a subcontratação em atividades-meio do empregador, além de serviços de limpeza e vigilância.
O debate sobre a conveniência e o conteúdo de uma lei brasileira sobre o tema vem se dando, a passos lentos no Congresso, há mais de 15 anos. Após sucessivas iniciativas legislativas, o polêmico Projeto de Lei iniciado no ano de 2004 (PL 4.330, de 26.10.2004) está prestes a ser votado e aprovado.
É nesse contexto que chama atenção a possibilidade de deliberação pelo STF, antes de definição pelo parlamento, com o risco concreto de ser permitida a terceirização em atividade-fim pelo judiciário, tema que é um dos pontos centrais do impasse no debate legislativo e seguramente a questão mais densa do debate político sobre a regulação pública do trabalho frente à terceirização.
Em outros termos, embora alguns possam sustentar que será mais uma manifestação interpretativa do judiciário, o fato é que a Corte poderá criar regras sobre terceirização em atividade-fim.
Deixando de lado o profundo debate teórico sobre os limites das atribuições institucionais do STF — que se dá entre judicialização e ativismo — é de se questionar se no tema da terceirização haverá como justificar a legitimidade democrática do STF para, ao decidir em forma de repercussão, na prática normatizar a matéria.
Estou convencido que a permissão da terceirização em atividades-meio passa por escolha de política social, tema sensível e afeto ao papel regulador do Estado na estruturação das relações de trabalho.
O cenário atual da terceirização no Brasil, de crescente ampliação da precarização do trabalho em todos os setores, criou a percepção social sobre os riscos promovidos pela função degradadora da terceirização. Sem garantias iguais de direitos, a prática abusiva da terceirização tem fortalecido a dualidade de condições de trabalho. Esses riscos esvaziam a função protetora e homogeneizadora do direito ao trabalho, importante referencial do estado democrático do direito.
Notoriamente esse debate político tem como pano de fundo a tensão por maior flexibilidade na contratação do trabalho. Não é por outra razão que não se conseguiu no Brasil, ao menos até este momento, construir uma lei reguladora fruto do consenso dos diversos atores sociais. A rejeição pelos representantes dos trabalhadores à proposta do PL 4.330/2004, que pretende ampliar a terceirização, se deve basicamente ao fato de os trabalhadores rechaçarem o maior aprofundamento da experiência precarizante, vivenciada pelas práticas abusivas das terceirização a partir dos anos 90, que tendem a se intensificar caso a haja legalização em atividades-meio.
Em suma, o debate recente sobre o PL 4.330, que se deu no Congresso Nacional, e que contou com manifestações de amplos setores da sociedade, revelou não ser possível construir uma plataforma democrática básica sobre a regularização da terceirização. Por isso, muito mais do que preencher uma lacuna legislativa, a matéria diz respeito a uma escolha de política institucional de regulação público do trabalho.
Então, em que sentido o STF pode justificar alguma escolha sobre as distintas percepções sobre terceirização? A meu ver é incontornável que a interpretação sobre a matéria invada o espaço do debate democrático que, bem ou mal, com algum desequilíbrio de forças na sociedade, vem se dando sobre o projeto que tramita no Congresso Nacional.
É claro que, de outro lado, surgirão diversos argumentos na linha da tese de que se trata de apenas fazer cumprir a Constituição, que é atribuição do STF. Que não se trata de invadir as atribuições do legislativo, mas ante a inércia do legislativo se deve promover a segurança jurídica de milhares de contratos de terceirizados postos em dúvida sobre sua licitude por diversas esferas do judiciário. Nessa mesma perspectiva de justificativas já tivemos, é verdade, o pronunciamento favorável do STF sobre o exercício do direito de greve dos servidores públicos mesmo sem lei reguladora e a regulação da previsão constitucional do aviso prévio proporcional.
A repercussão geral pelo STF poderá produzir também um conflito com a interpretação do judiciário trabalhista, sobretudo com a jurisprudência da Súmula 331 do TST. Ao transformarmos o STF no centro do debate político sobre a terceirização, com o papel de criar as regras da terceirização, para além da mera interpretação da Constituição, corremos o risco daquilo que Oscar Vilhena Vieira chama de “supremocracia”, em seu duplo sentido: a supremacia do STF sobre as demais instâncias do judiciário e; a supremacia institucional de interpretar e de criar regras. Em síntese, a produção de regras da terceirização não parece ser um problema da justiça.