Petrobrás entre o curto e o longo prazo

Fotos: Divulgação/Petrobrás

Por Mahatma dos Santos e Ticiana Alvares, do Ineep

Em artigo publicado originalmente pelo Le Monde Diplomatique Brasil, pesquisadores do Ineep avaliam o Plano de Negócios 2025-2029 e o Plano Estratégico 2050, divulgados pela empresa no final de novembro. Leia a íntegra:

A Petrobras divulgou, em 21/11, seu Plano de Negócios 2025-2029 (PN) e seu Plano Estratégico 2050 (PE), informes ao mercado que permitem à sociedade compreender o papel projetado para a estatal, para o petróleo e seus derivados na matriz energética brasileira nos próximos anos.

A retomada de uma visão de longo prazo, associada à preocupação com a segurança energética nacional e a transversalidade do tema da transição energética, representa importantes avanços, embora ainda constrangidos e limitados pelos compromissos financeiros de curto prazo.

O novo plano de negócios da companhia, assim como o anterior, expressa as atuais contradições e disputas internas e também na sociedade quanto ao papel da Petrobras no desenvolvimento industrial brasileiro, na promoção da agenda da transição energética justa e na destinação da renda petroleira.

A Petrobras divulgou, em 21/11, seu Plano de Negócios 2025-2029 (PN) e seu Plano Estratégico 2050 (PE), informes ao mercado que permitem à sociedade compreender o papel projetado para a estatal, para o petróleo e seus derivados na matriz energética brasileira nos próximos anos.

No centro dessas disputas está, de um lado, a manutenção de um projeto de desnacionalização e privatização da estatal, vigente entre 2015-2022, que resultou na venda de mais de 268 ativos estratégicos da companhia, e, de outro lado, a retomada de um projeto de empresa de energia nacional, integrada verticalmente, eficiente, alinhada ao interesse público, capaz de valorizar sua força de trabalho e indutora da transição energética.

Ciente disso, o Ineep elaborou, em 2023, quatro perguntas fundamentais para pensar o futuro da companhia[1]:

  1. Avançar na exploração de novas fronteiras ou limitar-se a áreas já descobertas?;
  2. Expandir a capacidade instalada de seu parque de refino ou ampliar as importações?;
  3. Investir ou não na transição energética e segmento de renováveis?;
  4. Investir ou seguir com o pagamento de megadividendos?

É possível afirmar que a atual gestão da Petrobras respondeu, mesmo que parcialmente, tais indagações no seu atual PN 2025-2029 e PE 2050.

O PE 2050 anuncia a recuperação do exercício de pensar a trajetória de longo prazo da companhia, uma importante contribuição da atual gestão. Nesse documento, a estatal considera como premissas para refletir a questão da segurança energética tanto “os compromissos brasileiros com o clima” como as singularidades da transição energética em território nacional.

Ao pretender manter-se como provedora de 31% da oferta primária de energia no país nas próximas décadas, diversificar gradualmente seu parque industrial e ambicionar o alcance da neutralidade das emissões até 2050, a Petrobras projeta uma longa trajetória de descarbonização de suas atividades e, tal como dito pela presidenta Magda Chambriard, tornar-se “líder na transição energética justa”[2].

A Petrobras é um instrumento-chave para promoção do desenvolvimento industrial de baixo carbono e da agenda da transição energética justa no Brasil, em especial em um cenário global marcado por incertezas geopolíticas, conflitos em torno da segurança energética e pelos efeitos cada vez mais intensos e acelerados da crise climática. A cadeia produtiva do petróleo está no centro dessa agenda.

No PN 2025-2029, os conflitos em torno dos rumos da companhia aparecem com maior vigor. O documento reafirma o compromisso de curto prazo da empresa com geração de valor, rentabilidade e distribuição de dividendos, agora ainda mais robustos que no plano de negócios anterior, assim como a queda no volume de investimentos projetados.

Desde 2010, a Petrobras não realiza todo o CAPEX (investimentos em bens de capital) projetado. No quinquênio 2019-2023, cerca de 79,0% dos investimentos projetados foram realizados e, em 2024, a companhia já anunciou redução superior a 20,0% nos investimentos planejados.

Do ponto de vista operacional, o PN 2025-2029 reitera o foco da companhia na exploração e produção de óleo e gás (E&P), com objetivo de reposição das reservas, manutenção da curva de produção projetada, aumento do fator de recuperação dos campos maduros, em especial da Bacia de Campos, e ampliação da disponibilidade de gás natural.

Ademais, anuncia a retomada de investimentos no segmento de refino, a fim de ampliar a oferta de derivados e combustíveis de baixo carbono, e projeta a expansão das atividades da estatal para os segmentos de fertilizantes, petroquímico e de bioprodutos.

A descarbonização de suas operações é o centro de sua agenda de mitigação das emissões no médio prazo, enquanto o avanço para novas rotas tecnológicas seguirá gradual e via parcerias. A novidade foi o anúncio da virada da Petrobras para o etanol e o adiamento dos projetos no segmento eólico offshore.

Os avanços e projeções prometidas, contudo, esbarram, mais uma vez, nos compromissos financeiros de curto prazo da companhia, que por múltiplas vezes afastam a estatal do interesse público.

No presente plano de negócios, mesmo com a elevação projetada da geração de caixa operacional na comparação com o PN anterior, saindo do piso de US$ 180 bilhões no PE 2024-2028+ para US$ 190 bilhões no PE 2025-2029, a companhia aponta para uma redução de seu fluxo de investimentos totais (CAPEX) e ampliação do pagamentos de dividendos ordinários no próximo quinquênio, um evidente retrocesso em relação ao último PN. Novamente, na disputa pela apropriação da renda petroleira, vence o rentismo em detrimento de investimentos de longo prazo na transição energética.

A companhia projeta um total de investimentos para o quinquênio 2025-2029 de US$ 111 bilhões, valor 8,8% superior aos US$ 102 bilhões previstos no plano anterior. Do total de investimentos, US$ 98 bilhões estão na carteira de projetos em implantação e outros US$13 bilhões ainda em avaliação, parte majoritária (72,0% ou US$ 8 bilhões) referente a energia de baixo carbono.

O segmento de exploração e produção (E&P) representa 69,0% do total dos investimentos previstos (US$ 77 bilhões), mantendo-se como foco operacional da companhia em busca de novas fronteiras exploratórias no Brasil e no exterior e preservação de sua curva de produção, que deve alcançar 3,2 milhões de barris equivalentes de óleo e gás por dia (boed) até 2029.

Contudo, as incertezas quanto às atividades exploratórias na Margem Equatorial e atrasos no projeto Sergipe Águas Profundas (SEAP) podem comprometer tais objetivos.

No segmento de Refino, Transporte e Comercialização (RTC), ao qual foram incorporados os segmentos de fertilizantes e petroquímico, são projetados US$ 20 bilhões em investimentos, 18,0% do CAPEX total.

Tais investimentos visam, por um lado, aumentar a oferta de derivados, com ampliação da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, e, por outro, avançar na produção de bioprodutos, desde o Diesel R5 (com 5% de conteúdo renovável) até bioquerosene (SAF) e diesel 100% renovável (HVO). Além de investimentos na retomada da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN-III), em Três Lagoas (MS), e a reativação da Araucária Nitrogenados S.A (ANSA), em Araucária (PR).

Para o segmento de Gás e Energia de Baixo Carbono (G&E) os investimentos previstos totalizam US$ 11,5 bilhões, dos quais US$ 8,9 bilhões estão na carteira de avaliação. O foco aqui é a expansão da oferta de gás natural, com finalização dos projetos Rota 3, ainda em 2024, e Raia, em 2028, em parceria com a Repsol Sinopec e com a Equinor, os quais ampliarão em 34,5 milhões de m³/dia a capacidade de escoamento e transporte do gás do pré-sal.

A companhia também avalia parcerias e oportunidades nas cadeias de etanol, biodiesel e biometano, além da descarbonização via produção de hidrogênio de baixa emissão, geração renovável onshore (eólica e solar) e captura, transporte e armazenamento de carbono (CCUS).

A expansão projetada de 42,0% nos investimentos em descarbonização, novas rotas tecnológicas e pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), que podem alcançar US$ 16,3 bilhões no quinquênio, validam a preocupação da estatal na diversificação de suas atividades, mas ainda em intensidade inferior ao seu potencial.

Para 2025, a companhia prevê a manutenção dos mesmos US$ 18,5 bilhões de investimentos previstos no plano anterior, mas ampliando a destinação de recursos para o segmento de RTC, em especial para ampliação da capacidade produtiva da RNEST, revamp de refinarias e retomada dos investimentos no segmento de fertilizantes, com objetivo de reduzir a dependência brasileira tanto de derivados como de nitrogenados.

A sinalização de avanço mais acelerado em direção à produção de bioprodutos (etanol, biorrefino, biodiesel e biometano), expressos nas falas da presidenta Magda Chambriard e do diretor Maurício Tolmasquim, precisa estar alinhado ao fortalecimento da Petrobras Biocombustíveis (PBio), mas também colocará novos desafios à companhia.

O plano estratégico da Petrobras responde aos desafios nacionais apontados pelo Ineep em 2023, ao reforçar seu compromisso com novos investimentos tanto na exploração como no parque de refino e ao explicitar seu compromisso com a transição energética justa.

Não obstante, a ambição do plano e a velocidade de implementação dos projetos, associada às incertezas conjunturais e à ampliação da promessa de remuneração de acionistas em detrimento da ampliação de investimentos, amplificam as dúvidas quanto à execução efetiva do atual plano de negócios.

A Petrobras deve ser um importante instrumento para um projeto nacional de reindustrialização e para políticas públicas de incentivo efetivo à inovação e a setores de baixo carbono. A agenda da transição energética é uma oportunidade para o Brasil, para a indústria e para a Petrobras avançarem no desenvolvimento de potencialidades nacionais e regionais, considerando suas singularidades.

Avançar no desenvolvimento de novas rotas tecnológicas é estratégico para o país. Para além da rota orgânica, agora em foco, a Petrobras deve avançar em investimentos na rota eletrolítica e na diversificação de suas atividades mirando oportunidades de mercado de longo prazo. Para isso, a rentabilidade de curto prazo não pode ser a única métrica, tampouco um fim em si mesmo.

O interesse público, a soberania nacional e a segurança energética devem orientar a estratégia de fortalecimento e integração vertical da Petrobras em direção à transição energética justa e seu compromisso com a neutralidade das emissões em 2050.

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Sob essa perspectiva, o presente texto abre uma série de seis artigos elaborados pelo Ineep sobre o Plano Estratégico 2025-2029 da Petrobras. Os próximos três artigos  analisarão com mais profundidade os aspectos centrais da estratégia de negócios da Petrobras nos segmentos de exploração e produção (E&P); de Refino, Transporte e Comercialização (RTC); e Gás e Energias de Baixo Carbono.

Na sequência, os dois últimos artigos analisaram a estratégia da estatal para os segmentos de gás natural e fertilizantes e, por fim, as recentes mudanças na governança corporativa da Petrobras.

Boa Leitura a Todos e Todas!

Notas

[1] Artigo de autoria de José Sergio Gabrielli de Azevedo e publicado em março de 2023 no Le Monde Diplomatique. Disponível em: https://ineep.org.br/um-cenario-de-incertezas/

[2] Posição expressa pela presidente da Petrobras em artigo de opinião do jornal O Globo, publicado em 23/11/2024 e disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2024/11/caminhos-para-a-transicao-energetica-justa-na-petrobras.ghtml?utm_source=aplicativoOGlobo&utm_medium=aplicativo&utm_campaign=compartilhar