Privatização dos aeroportos: um tema de soberania

Concessão de aeroportos à iniciativa privada gera críticas por parte de trabalhadores do setor que temem precarização





Brasil de Fato

A presidenta Dilma Rousseff anunciou, diante de prefeitos e governadores de cidades-sede da Copa de 2014, no final de maio, a decisão de licitar para a iniciativa privada os aeroportos de Cumbica, Viracopos (ambos em SP) e Brasilia (DF), logo no início de 2012. Também devem ser incluídos na lista Galeão (RJ) e Confins (MG). São os terminais posicionados entre os doze mais rentáveis no país, quando o crescimento do setor alcançou o dobro do PIB brasileiro. A construtora Camargo Corrêa manifestou intenção de participar, ao mesmo tempo, da construção e da exploração dos terminais.

De acordo com a proposta presidencial, a Infraero, atual controladora dos aeroportos, empresa estatal ligada ao Ministério da Defesa, passa a ter direito a 49% de participação nas licitações desses terminais, dentro do modelo de Sociedades de Propósito Específico (SPEs). Hoje, a Infraero controla 67 aeroportos, dentre os quais uma pequena parte é superavitária, garantindo desse modo as operações em toda a rede e o transporte em diversas regiões. Especialistas comparam a questão ao que ocorre com o tema da internet Banda Larga: o controle pelo capital privado não garante a oferta do serviço nos ramais menos lucrativos, justamente aqueles que respondem à necessidade da população.

Setores e vozes da esquerda foram críticos à medida. Os trabalhadores dos sindicatos de igual forma se declararam contrários. O ramo da aviação é composto pelas seguintes categorias: aeronautas (comissários, pilotos e co-pilotos), aeroviários (trabalhadores que atuam em terra para as companhias aéreas e prestadoras de serviços) e aeroportuários (funcionários da Infraero). Celso Klafke, presidente da Federação Nacional dos Aeroviários (Fentac-CUT), afirma em entrevista ao Brasil de Fato que a Infraero detém capacidade para a gestão desse setor estratégico para o país. A necessidade concreta de planejamento de longo prazo não passa pela privatização.

Alta nas tarifas

“Limitar a Infraero a apenas 49% de participação nos aeroportos é entregar ao capital privado um serviço essencial e ao mesmo tempo financiar com dinheiro público metade desses aeroportos sem nenhum controle do Estado sobre a aplicação desses recursos. As experiências de privatização dos aeroportos em outros países resultaram em criação de monopólios e aumento das tarifas aeroportuárias”, critica.

Documentos das entidades dos trabalhadores apontam o movimento atual de procura do serviço por setores de menor renda. O que estaria em curso agora seria o aprofundamento da privatização dos serviços nos aeroportos e a retomada da exclusividade de uma camada com maior poder de renda. Outra consequência preocupante é a precarização das condições de trabalho, fator poucas vezes analisada em matérias e reportagens sobre as condições dos aeroportos.

“A Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 serão certamente grandes desafios. Mas os trabalhadores do setor já vêm há anos alertando tanto as empresas da necessidade de contratar mais funcionários quanto o governo sobre a necessidade de mais investimentos, assim como maior planejamento e fiscalização das empresas aéreas. O excesso de terceirizações, o assédio moral, a sobrecarga de trabalho, a falta de fiscalização da Agência Nacional de Aviação (Anac) e a busca do lucro acima de qualquer custo por parte das empresas, coloca em risco a segurança de voo e da saúde do trabalhador”, aponta Klafke.

Qual é o modelo?

Passada a varredura das empresas estatais dos anos 1990, hoje os terminais aeroportuários se inserem ao lado de outros ramos da economia que dão continuidade ao Programa Nacional de Desestatização (PND), por meio de licitações destinadas à operação de grupos privados: estradas federais, hidrelétricas, blocos e poços de petróleo (cuja 11ª rodada de leilões está apontada para este ano). Na avaliação do cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Costa de Oliveira, a questão dos aeroportos, porém, tem um diferencial ao se inserir na licitação de um serviço. Não seria, segundo ele, a venda de indústrias de capacidade produtiva, a exemplo da Companhia Vale e CSN, por exemplo.

Já Cesar Sanson, cientista político do Cepat-PR, enxerga os fatos sobre os aeroportos justamente como um dos limites do atual modelo classificado como “neodesenvolvimentista”, aprofundado no Brasil sobretudo no segundo mandato de Lula, cuja expressão maior se deu com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a partir de 2007. Nele, a maior participação e indução estatal na economia não descarta a projeção de grandes grupos corporativos privados. “Hoje, o nacional-desenvolvimentismo mudou de coloração. Ele presta-se antes de tudo ao fortalecimento do capital privado. No período anterior, na Era Vargas, os investimentos realizados pelo Estado constituíram a formação de um capital produtivo sob controle do próprio Estado. Foi assim que surgiu a CSN, a Companhia Vale do Rio Doce, a Petrobras, a Eletrobrás, o sistema Telebrás. Agora o Estado investe, constrói e entrega a exploração para o capital privado”, define.

Wladimir Pomar, analista político, pondera que o investimento estatal para as construções previstas é insuficiente no atual quadro, daí a concessão para a iniciativa privada. “A ideia de que o BNDES tem recursos suficientes para financiar todas as obras de infra-estrutura e de re-industrialização é simplista e não leva em conta o grau de quebradeira que os governos neoliberais impuseram ao parque produtivo e à infra-estrutura do país”, argumenta.

Pomar enxerga na concessão dos aeroportos uma política que não retira a gestão estatal. Isso porque, de acordo com ele, o Estado detém a prerrogativa de não renovar as concessões. O analista político defende ainda o foco do Estado naqueles setores estratégicos e de longo prazo. “O Estado brasileiro deve se voltar para áreas estratégicas, que estão incorporando os avanços científicos e tecnológicos e são essenciais para puxar o desenvolvimento econômico e social como um todo, mas exigem grandes investimentos de retorno mais lento. Por exemplo, educação, energia, transporte ferroviário e marítimo, novos materiais, aeronáutica, eletrônica e tele-comunicações de nova geração. Em outras palavras, podemos e devemos empurrar a iniciativa privada a investir onde for urgente e necessário, e concentrar a ação do Estado, inclusive revivendo ou criando novas estatais, em tais áreas”, explica.