[Reportagem do Jornal Brasil de Fato | Texto: Guilherme Weimann | Edição: Mariana Pitasse]
A Câmara dos Deputados deve votar nos próximos dias o Projeto de Lei (PL) 6407/2013, que propõe modificações no marco regulatório do gás natural. A votação, que estava prevista para esta quarta-feira, 26, deverá acontecer nos próximos dias, segundo informações da Agência Reuters. Os parlamentares aprovaram requerimento de urgência para acelerar a tramitação do PL.
Batizado de “Nova Lei do Gás”, o PL incorpora uma série de medidas que vinham sendo implementadas pelo governo federal, desde 2016, com o objetivo de retirar a centralidade estatal e incentivar a entrada de capitais privados.
Um dos principais entusiastas do projeto é o ministro da Economia, Paulo Guedes, que estima R$ 43 bilhões destravados imediatamente após a aprovação do projeto. O governo federal afirma ainda que o segmento pode receber R$ 630 bilhões e gerar 1 milhão de empregos na próxima década.
O Executivo também idealiza um “choque de energia barata” com a aprovação do PL. A Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade (Sepec) tem uma expectativa de queda de 50% no valor do insumo, com a redução no preço do botijão de gás de cozinha, dos atuais R$ 80 para R$ 60, e a diminuição das tarifas de energia elétrica.
Esses dados, todavia, são totalmente desacreditados pelo economista e coordenador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Rodrigo Leão.
“O botijão de gás não tem nada a ver com esse projeto. Cerca de 80% dos botijões de gás saem das refinarias da Petrobras, não tem nada a ver uma coisa com a outra. A distribuição dos botijões também não tem nada a ver com a tarifa do gás natural. Acho pouco provável que o preço do gás natural diminua 50% porque o grosso do custo está na extração. Então, eu acredito que o preço final vai variar de acordo com o preço internacional do gás natural. Me parece uma loucura essa estimativa”, afirma.
Promessas
As promessas do governo federal são contestadas, inclusive, por parcelas do próprio empresariado. O Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), por exemplo, é uma das entidades que classificam o projeto como “tímido”. Em debate realizado pelo Estadão, o diretor da CBIE, Adriano Pires, defende a criação de térmicas na base, ou seja, funcionando por tempo ininterrupto para garantir a demanda por gás natural e incentivar a criação de novos gasodutos. Atualmente, as termelétricas são acionadas apenas quando os níveis de água dos reservatórios hidrelétricos estão baixos.
Posicionamento semelhante emitiu a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), que reúne as concessionárias estaduais dos serviços de distribuição de gás canalizado e outras empresas do setor. A organização avalia que a Nova Lei do Gás não dá garantias à expansão dos gasodutos no país.
O PL determina que a atividade de transporte de gás natural será exercida sob regime de autorização no lugar do regime de concessão. No modelo de concessão, uma empresa interessada em investir na construção de um gasoduto precisa vencer um leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Com a mudança, basta o aval do órgão.
Essa mudança, porém, não aumenta a expectativa de alguns atores do setor, como a Abegás, que defendem o incentivo estatal para expandir os gasodutos a novos mercados consumidores. Nesse sentido, um lobby no Congresso Nacional conseguiu aprovar uma lei que fatia 20% do Fundo Social do Pré-Sal – que seria utilizado para educação e saúde – para a criação de uma estatal responsável pela expansão dos gasodutos, chamada Brasduto. Esse ponto da lei, que ainda aguarda sanção presidencial, provavelmente será vetado, segundo avaliações de parlamentares.
O ministro Paulo Guedes, entretanto, é contra a lei, sob a argumentação de que o mercado privado será o responsável pela expansão da malha dutoviária no país. Além disso, também já emitiu a opinião de que a construção de gasodutos é “coisa do passado”.
“O que as pessoas não têm percebido é que temos ferrovias levando a produção agrícola para os portos. Esses trens vão cheios para o porto e voltam vazios. A forma mais barata de interiorizar o gás natural liquefeito é nesses trens quando voltam para o local de origem”, afirmou Guedes.
Leão, por outro lado, compartilha do pessimismo de que a aprovação da lei não ocasionará a expansão da malha dutoviário no país. “A rede de gasodutos está muito concentrada no litoral, em uma rede que vai desde Porto Alegre até o extremo nordestino. Também existe o Gasbol, que liga a Bolívia ao litoral paulista e uma outra pequena rede no Amazonas. A construção de novos gasodutos demanda investimentos gigantescos, por isso acho pouco provável que ocorra sem o aporte estatal. Não sou categórico em dizer que não haverá, mas acho pouco provável”, opina.
Saída da Petrobras
A Nova Lei do Gás incorpora uma série de medidas que já vinham sendo tomadas desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). Durante a gestão de Michel Temer (MDB), o governo lançou o programa “Gás para Crescer”, que propunha discussões para retirar o papel da Petrobras no setor.
Já no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o Executivo colocou em prática um programa apelidado de “Novo Mercado do Gás”. Dentro dessa iniciativa, a Petrobras assinou um Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC) com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no qual se comprometeu em vender sua participação acionária nas distribuidoras de gás natural e diminuição no setor de transporte.
“Antes a Petrobras atuava como operadora e reguladora do setor de gás natural. Com essa lei, ela simplesmente não participa mais, restringindo seu papel à produção. Ela está saindo de todo o restante da cadeia, da logística, distribuição e termelétricas. A novidade dessa lei é uma saída mais agressiva da Petrobras, que já estava em curso há alguns anos”, avalia Leão.
A estatal já se desfez da totalidade de suas ações na Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG), de 90% da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e de 49% da Gaspetro – o processo para alienação dos outros 51% já foi iniciado. Também está avançando na venda da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), que controla o Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol).
Em março, o Cade já havia imposto que a Petrobras renunciasse a um terço do volume importado pelo Gasbol, diminuindo de 30 para 20 milhões de metros cúbicos diários. Com isso, o excedente passou a ser comercializado pela iniciativa privada.
Além de ratificar todas essas medidas, a Nova Lei do Gás ainda impõe ainda mais restrições à Petrobras e incentivos a empresas privadas. A lei garante acesso de terceiros aos gasodutos de escoamento, às instalações de tratamento ou processamento de gás natural e aos terminais de GNL, além de reduzir a concentração na oferta.
A partir do acordo com o Cade, a Petrobras já havia sido proibida comprar gás natural de terceiros. A lei corrobora essa medida, que aumentará significativamente o número de fornecedores de gás natural no país – atualmente, 40 empresas produzem o insumo em território nacional.
Todavia, a estatal continua sendo a maior produtora do país. Em junho, de acordo com a ANP, 95% de todo o gás natural produzido no Brasil veio de campos operados pela Petrobras.
Infraestrutura deficitária
O gás natural é considerado uma energia de transição entre uma matriz energética essencialmente fóssil para uma na qual irá preponderar as fontes renováveis, como eólica, hidráulico e solar. Em 2018, o gás natural representava 13% da matriz energética brasileira, abaixo à média mundial de 22%.
Esse insumo é utilizado como combustível no transporte e nas usinas termelétricas, como fonte de energia residencial e na indústria, assim como matéria-prima em diversos setores produtivos, como na fabricação de fertilizantes, podendo ser convertido em ureia e amônia.
A intenção do governo em expandir a oferta de gás natural no país, inclusive, contradiz a estratégia de fechamento das Fábricas de Fertilizantes (Fafens) da Petrobras na Bahia, em Sergipe e no Paraná.
Fato é que existe uma subutilização do gás natural disponível. Um dos motivos, apontado por especialistas, é a infraestrutura deficitária: o Brasil possui apenas 9,4 mil quilômetros de gasodutos, enquanto a Argentina tem 16 mil quilômetros, os Estados Unidos 497 mil quilômetros e a Europa 200 mil quilômetros.
Por essa falta de estrutura para escoar o gás natural produzido, o Brasil reinsere nos poços um volume maior do que o importado da Bolívia. Cerca de 80% do gás produzido no Brasil é associado, ou seja, ele é retirado junto com o petróleo. Pela falta de gasodutos, principalmente no pré-sal, as empresas acabam injetando novamente o gás nos poços, o que aumenta a produtividade em relação à extração de petróleo.
De acordo com a Abegás, aproximadamente R$ 48,7 milhões são reinjetados diariamente nos poços em território brasileiro.