Em discurso improvisado durante apresentação do balanço do PAC, nesta quinta-feira (9)…
Em discurso improvisado durante apresentação do balanço do PAC, nesta quinta-feira (9), em Brasília, o presidente Luiz Inácio da Silva não poupou ironia ao estranhar o silêncio da mídia hegemônica diante do atentado à liberdade de imprensa e expressão que os EUA e algumas potências aliadas estão perpetrando contra o sitio WikiLeaks e seu fundador, Julian Assange , encarcerado em Londres.
Veja também:
O vídeo com o protesto de Lula
Ao se referir às correspondências de embaixadores estadunidenses, com revelações sobre o modo, arrogante e míope, que o império avalia “o resto do mundo”, o presidente enalteceu o trabalho jornalístico realizado pelo WikiLeaks, que deixou o rei nu e despertou uma reação irada contra a liberdade de imprensa e expressão.
“E aí aparece o tal do Wikileaks, desnuda a diplomacia que parecia inatingível, parecia a mais certa do mundo”, observou. ”Então começa uma busca, eu não sei se chegaram a colar cartazes por aí com o rosto do rapaz, que nem no tempo do faroeste, com inscrição de um procura-se vivo ou morto, mas prenderam o rapaz e eu não vejo um voto de protesto em defesa da liberdade de expressão. É engraçado isto.”
Primeiro protesto
Voltando-se para o fotógrafo oficial da presidência, Ricardo Stuckert, Lula falou: “Ô, Stuckinha, pode colocar no Blog do Planalto o primeiro protesto, então, contra [o cerceamento à] liberdade de expressão na internet, para a gente poder protestar, porque o rapaz estava apenas colocando aquilo que ele leu. E se ele leu foi porque alguém escreveu, o culpado não é quem divulgou, o culpado é quem escreveu. Portanto, em vez de culpar quem divulgou, culpe quem escreveu a bobagem porque se não tivesse escrito não teria o escândalo que tem. Então, ao WikiLeaks minha solidariedade pela divulgação das coisas e meu protesto contra [o cerceamento à] liberdade de expressão.”
A ironia do presidente é uma crítica velada e bem humorada ao comportamento da mídia hegemônica, que não o perdoa por promover a Conferência Nacional da Comunicação (Confecom) nem se cansa de acusá-lo em editorial de querer acabar com a liberdade de imprensa e instituir a censura no país.
Esses veículos de comunicação, liderados por não mais que quatro ilustres famílias burguesas (Marinho, Civita, Frias e Mesquita), gostam de se apresentar à opinião pública como paladinos da democracia e, em especial, da liberdade de imprensa e expressão, embora isto não esteja em sintonia com a folha corrida dos veículos que dirigem (Globo, Veja, Folha e Estadão).
Conspiração do silêncio
Com ou sem ironia, é de se estranhar, conforme notou o presidente, a conspiração do silêncio da mídia hegemônica com a caçada implacável movida contra o sitio rebelde e seu fundador, alvo de acusações provavelmente forjadas. Outro escândalo foi o envolvimento de grandes empresas (Amazon, Visa, Mastercard), na operação de estrangulamento financeiro do WikiLeaks, o que evidencia a dimensão dos tentáculos do império.
Esses acontecimentos, em conjunto, configuram um atentado à democracia e à liberdade de imprensa e expressão. Mas aqui, como em muitos países, a mídia é cúmplice dos imperialistas americanos. Várias empresas jornalísticas envolveram-se na campanha de crítica e difamação do WikiLeaks liderada pelos EUA.
A hipocrisia das potências imperialistas e da mídia servil transparece sem disfarces nesses dias. Não há a menor tolerância com a liberdade de imprensa que exponha à opinião pública os crimes e as misérias da diplomacia imperial, que se movimenta num teatro de sombras e tem por fundamento a mentira, o engodo, o cinismo e a hipocrisia. Só pode sobreviver em segredo, à margem da luz dos noticiários.
Nem um editorial
A mídia monopolizada não dedicou sequer um editorial aos fatos, noticiados com naturalidade, sem maiores comentários. Nem uma mísera palavra de indignação. O silêncio notado e criticado por Lula é mais um gesto de servilismo diante do império, que contrasta fortemente com a reação virulenta contra as reformas que governos progressistas como o de Chávez, na Venezuela, Evo Morales, na Bolívia, Cristina Kirchner na Argentina, Correa no Equador e Lula no Brasil, defendem ou realizam com o objetivo de romper monopólios e democratizar os meios de comunicação.
Tal mídia, que bem merece o apelido de PIG (Partido da Imprensa Golpista) nunca esteve seriamente comprometida com a defesa da democracia e da liberdade de imprensa. Pelo contrário, apoiou com entusiasmo o golpe militar contra a “república de sindicalistas” presidida por João Goulart, sendo que a Folha cedeu até peruas para a “ditabranda” carregar presos políticos para salas de tortura do DOI-Codi.
A crítica aos monopólios de comunicação, cujas orientações editoriais são ditadas pelos patrões, não se estende à categoria dos jornalistas, em que pese o fato de muitos profissionais vestirem a camisa da empresa, talvez por carência de senso crítico e imaginação própria. A indignação é grande entre os trabalhadores da comunicação e a solidariedade com o WikiLeaks e seu fundador vem crescendo.
Destaca-se, neste sentido, o manifesto que jornalistas de várias partes do mundo (40 países) redigiram sobre o tema:
“Julian Assange, fundador da organização WikiLeaks, está sendo alvo de massiva campanha de crítica e difamação, ameaçado por trabalhar para divulgar documentos militares sobre as guerras do Afeganistão e do Iraque (“War Diaries”). Assange está sendo acusado de ter divulgado informação militar confidencial, que poria em risco a vida das pessoas cujos nomes aparecem nos documentos vazados e, também, de espionagem. Várias empresas jornalísticas envolveram-se também na mesma campanha de crítica e difamação.
“Nós, jornalistas e organizações de jornalistas de vários países, manifestamos aqui nosso apoio ao Sr. Julian Assange e a organização WikiLeaks.
“Acreditamos firmemente que o Sr. Assange trouxe contribuição extraordinária com vistas a maior transparência e a indispensável relação de prestação e cobrança de contas, no campo da informação democrática, no que tenha a ver, até agora, com as guerras do Afeganistão e do Iraque – assuntos em relação ao quais a transparência e a livre divulgação de informação têm sofrido pesadas restrições, seja por ação dos governos, seja pelo controle e censura que as empresas jornalísticas se autoimpõem. Assange tem sido atacado por divulgar informações que de modo algum poderiam ter sido censuradas e impedidas de chegar à opinião pública.
“Cremos firmemente que WikiLeaks tem e deve ter pleno direito de divulgar material militar confidencial, porque é do alto interesse da opinião pública saber o que realmente se passou e continua a passar-se naquelas duas guerras. Os documentos divulgados por WikiLeaks são prova viva de que o governo dos EUA mentiu à opinião pública sobre suas atividades no Iraque e no Afeganistão; e que pode ter cometido crimes de guerra.
“Os documentos vazados por WikiLeaks criaram risco de vida para várias pessoas. Essa talvez seja a única crítica legítima que se poderia fazer a WikiLeaks, por não ter revisado suficientemente os documentos, de modo a ter impedido a divulgação de nomes de pessoas – agentes duplos e espiões – cujas vidas pudessem ficar ameaçadas pela divulgação. Felizmente, ainda não há qualquer sinal de que alguém tenha sido ferido ou morto por ter tido seu nome exposto nos documentos vazados. Observamos também que WikiLeaks aprendeu com aquele primeiro erro. A divulgação dos documentos sobre a guerra do Iraque foi mais cuidadosa nesse quesito.
“O que realmente importa, contudo, são as provas que WikiLeaks afinal divulgou, de que, sim, tem havido inúmeros abusos e crimes, cometidos por exércitos dos EUA e aliados. Essa divulgação é imensamente mais importante, e os crimes afinal comprovados são imensamente mais graves do que algum eventual erro de redação jornalística.
“O Sr. Assange tem sido atacado e pressionado pessoalmente, por ser divulgador de seu próprio trabalho. Já pesam sobre ele, inclusive, acusações de espionagem. O Sr. Assange é tão ‘espião’ quanto qualquer jornalista e ou qualquer fonte das quais depende o trabalho dos jornalistas investigativos. Acusar Julian Assange de espionagem é precedente terrível, que ataca o coração de qualquer governo democrático.
“Se houver crime de espionagem em publicar documentos recebidos de fontes confiáveis, praticamente todos os jornalistas do mundo serão culpados do mesmo crime. Os jornalistas temos o dever de apoiar e defender Julian Assange, face aos ataques que tem sofrido.
“Desde a criação, em 2006, a organização Wikileaks tem sido fonte extraordinária de recursos e informação para jornalistas de todo o mundo, fazendo aumentar a transparência e democratizando a informação, em tempos em que os governos trabalham exatamente na direção oposta.
“Embora não seja incluído no conjunto que se designa como ‘a mídia’ – e não aspire a ser aí incluído – a missão de WikiLeaks é oferecer informação confiável à opinião pública, sem se render a restrições injustificáveis na divulgação de segredos injustificáveis. O trabalho de WikiLeaks é ajuda formidável ao nosso trabalho jornalístico.
“Na posição de beneficiários agradecidos do trabalho de Wikileaks e de Julian Assange, aqui manifestamos nosso apoio àquele trabalho.”