Sem a Petrobras não haveria campos do pré-sal, refinarias, infraestrutura e logística de gás dentre tantas outras frentes do setor energético, sem a petrolífera brasileira o que há é desindustrialização, apagões em regiões do país, preços proibitivos de combustíveis e gás, por isso se trata de uma empresa estratégica, afirmam os pesquisadores do INEEP, em artigo publicado no Le Monde Diplomatique.
Por William Nozaki e Rodrigo Leão, oordenadores-técnicos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP)
É preciso perguntar para os críticos das estatais porque consideram a Petrobras uma empresa passível de ser desnacionalizada e descapitalizada. Duvide, leitor, da palavra privatização toda vez que seu interlocutor a usar como panaceia para os problemas da estrutura produtiva e social no Brasil. No início deste século, os Estados Unidos ascenderam à posição de poder global assentando sua hegemonia sobre o tripé: armas, dólar e petróleo. O ouro negro é um produto estratégico para qualquer economia, imagine, para a maior de todas. Prova disso é que o arranjo econômico-institucional norte-americano para a gestão petrolífera nunca foi matéria exclusiva das autoridades energéticas e regulatórias, sempre foi tema do aparato de defesa e política externa, conformando uma conturbação entre estratégias nacionais e interesses empresariais.
A ascensão do shale gas americano, por exemplo, teve uma profunda conexão com o governo americano que adotou uma série de medidas não só apoiando as empresas privadas, mas formulando programas específicos para o desenvolvimento de novas formas de energia desde os anos 1970. Com a criação do Departamento de Energia dos Estados Unidos (Departament of Energy – DOE) no final daquela década, que surgiu com o objetivo de centralizar o planejamento e promover a autossuficiência energética americana. Desde então houve um significativo crescimento das inovações e investimentos no setor de energia. Junto à criação do DOE, o Ato de Segurança Energética (em 1980) lançou medidas e programas de incentivos à eficiência e conservação energética, além de combustíveis alternativos. Nesse período, foram desenvolvidas 139 novas fontes de energia alternativas ou não convencionais, dentre elas o shale gas.
No Brasil, a construção da Petrobras foi resultado da convergência de interesses de forças sociais, políticas, econômicas, civis e militares que desaguaram na campanha “O petróleo é nosso” (em 1953). Quem conhece a história da indústria no Brasil sabe que, em um primeiro momento, a assessoria econômica de Getúlio Vargas propôs a criação de uma empresa petrolífera formada por capital privado. No entanto, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, nos EUA, nessas plagas não tivemos nenhum J. D. Rockefeller verde-amarelo disposto a desbravar uma frente com riscos elevados e retornos incertos.
Sendo assim, se impôs a necessidade de formação de uma empresa estatal. Mais ainda, ao contrário do que ocorreu em outros países do Oriente Médio, onde a presença de petróleo se sabia certa, e, portanto, a consolidação da atividade de exploração e produção (E&P) era mais segura, no Brasil o desafio primeiro passou pela busca de autossuficiência em derivados e refinados, para só depois o país se lançar diante de atividades de E&P absolutamente incertas. Esse risco foi assumido pelo Estado e por uma empresa estatal, com o apoio de trabalhadores e de uma sociedade vibrante, prova disso é que nessa mesma época pulsavam movimentos pela educação popular e pela saúde pública, hoje infelizmente esquecidos pela memória curto-prazista de liberais provincianos.
A Petrobras não foi criada apenas por ousadia do poder público, mas também por timidez da iniciativa privada. Aqueles que hoje reivindicam a privatização da Petrobras demandam os retornos da concorrência depois que o mercado já foi constituído, difícil mesmo é assumir os riscos empresariais quando o mercado ainda está em constituição. Se o empresariado brasileiro se constrangeu diante das atividades de prospecção de petróleo em terra, é impensável que tivesse o ímpeto de se lançar no desbravamento da descoberta de petróleo no mar, área em que a petrolífera brasileira encontrou sua vocação, desde o início da produção na Bacia de Campos (em 1977) até as descobertas em águas ultra-profundas do pré-sal (em 2007).
E isso não é uma especificidade do caso brasileiro: (i) porque quase 90% das reservas mundiais estão nas mãos de governos ou de estatais, que são também, responsáveis por grande parte da produção mundial e por suas descobertas; (ii) porque as áreas promissoras de exploração estão sob controle das estatais; (iii) porque as grandes reservas se localizam em países onde as estatais desempenham papel fundamental.
Infelizmente a visão subalterna sobre o Brasil produziu uma elite econômica e intelectual sempre disposta a culpar o povo pelas mazelas do país e sempre disponível para absolver os grupos dominantes de sua responsabilidade, tudo bem regado a uma idealização da história norte-americana e um profundo desconhecimento da história brasileira. O desenvolvimento econômico, industrial, científico e tecnológico, tanto lá quanto cá, contou com o apoio e o investimento estatal, seja por meio, por exemplo, das compras públicas no caso do complexo militar-econômico dos EUA, seja por meio de políticas de conteúdo local na estrutura empresarial-industrial do Brasil.
No entanto, há ainda em pleno século XXI quem queira enquadrar a economia brasileira dentro de uma ideia frágil de patrimonialismo, como se a mistura entre as esferas pública e privada fosse uma singularidade brasileira e não uma característica da economia de mercado em geral. Apenas para ficarmos no período mais recente, nos EUA o Departamento de Estado dos governos Bush e Trump foi ocupado por figuras ligadas à indústria petrolífera, Condoleezaa Rice oriunda da Chevron e Rex Tillerson ligado à ExxonMobbil utilizaram os seus cargos públicos para arbitrar em favor de interesses petrolíferos privados inúmeras vezes, o mesmo se deu com o próprio vice-presidente Dick Cheney que utilizou sua influência para beneficiar empresas como a Halliburton, para não mencionar as diversas revelações de lobby, corrupção e tráfico de influência que vieram à lume com as divulgações feitas por Julian Assange ou Edward Snowden.
A despeito de todas as evidências há no Brasil quem insista em tratar a relação entre indústria petrolífera e corrupção como uma especificidade local. A questão não é o patrimonialismo, o problema “é o liberalismo, estúpido!” que se deixa seduzir pela falsa livre-concorrência dos países centrais e se curva de cócoras para a criminalização da política industrial e para o desmonte da indústria nacional em países periféricos.
Sem a Petrobras não haveria campos do pré-sal, refinarias, infraestrutura e logística de gás dentre tantas outras frentes do setor energético, sem a petrolífera brasileira o que há é desindustrialização, apagões em regiões do país, preços proibitivos de combustíveis e gás, por isso se trata de uma empresa estratégica. Nem a quebra do monopólio da petrolífera brasileira em 1997 serviu para que empresas privadas fizessem investimentos novos nos montantes exigidos por um país com as dimensões do Brasil. O que os apologetas da privatização desejam não é a livre-competição, mas sim o desmonte da petrolífera brasileira para que possam construir seus oligopólios privados.
Se aos olhos dos neoliberais a Petrobras parece sofrer de gigantismo talvez isso digo menos sobre o tamanho da empresa brasileira e mais sobre o nanismo de setores que insistem em tratar o país não como Nação, mas como negócio.
William Nozaki é coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP), professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
Rodrigo Leão é coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP), pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia (UFBA).