No ano passado, o número de resgates de trabalhadores escravizados no Brasil foi o menor desde 2000. Isso não significa que o país esteja próximo de erradicar a escravidão. Pelo contrário, a queda nas estatísticas reflete uma série de cortes no setor de fiscalização: a quantidade de estabelecimentos inspecionados foi a mais baixa desde 2002. E pode piorar. O primeiro semestre de Michel Temer (PMDB) na presidência – e as reformas que estão por vir – sinalizam que o golpe foi uma vitória dos escravistas.
Déficit
Chefe da Secretaria de Fiscalização do Trabalho (Sefit) no Paraná, Sérgio Rech aponta que o Brasil possui um déficit no quadro de auditores fiscais do trabalho. “Aqui, são menos de 100 auditores em atividade externa para atender 399 municípios”, denuncia. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda um auditor fiscal para cada 20 mil habitantes; no estado, a média é de um a cada 95 mil. Segundo Rech, outro agravante é a falta de motoristas para levar os auditores ao interior: em todo o Paraná, são apenas dois.
Sérgio Rech também alerta que os cortes de investimentos promovidos pelo governo Temer inviabilizam a realização de concursos públicos nos próximos anos, o que ameaça ainda mais a eficiência do setor. Devido à redução das equipes, em um ano houve queda de 34% nas estatísticas. Desde 2007, auge do combate, os números despencaram quase 90%.
Blindagem
Michel Temer apresentou um recurso, aceito pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) no último dia 7, que suspende a divulgação da chamada Lista Suja. Um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil, ela contém os dados atualizados de todos os empregadores flagrados em situações análogas à escravidão no país.
Apesar dos esforços do presidente para blindar os escravistas, o Instituto Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO) e a ONG Repórter Brasil se uniram para obter uma lista extraoficial através da Lei de Acesso à Informação. O material está disponível neste link.
Atualização: Esta semana, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) derrubou a liminar que suspendia a divulgação da Lista Suja.
Conceito
A base aliada de Michel Temer pretende ainda mudar o conceito de trabalho escravo na legislação brasileira. Assim, muitas das empresas autuadas hoje seriam, em breve, consideradas inocentes. Ao menos dois projetos de lei – que não foram votados ou não entraram em vigor durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) – propõem riscar os termos “jornada exaustiva” e “condições degradantes” da lista de elementos que configuram o trabalho análogo à escravidão: o PL 3842 e o PL 5016. O primeiro é de autoria de Moreira Mendes (PSD-RO) e o segundo, de Tasso Jereissati (PSDB-CE).
“Existe trabalho escravo no Sul, sim”
Luize Surkamp entrou no Ministério do Trabalho em 1995 como auditora fiscal em Rondônia. Quase quatro anos depois mudou-se para Santa Catarina, onde coordenou o projeto de fiscalização rural entre 1999 e 2011.
Ao comparar as realidades do Norte e do Sul do país, ela faz um alerta: “A situação que nos deparamos no Sul era pior do que a que encontrávamos no Pará e na Bahia, por exemplo. Muita gente acha que não, mas existe trabalho escravo no Sul, sim. O trabalho escravo está bem perto da nossa casa”, ressalta.
A região Sul responde por quase 10% dos empregadores autuados na lista divulgada esta semana pela Repórter Brasil. Os setores mais associados ao trabalho escravo no Paraná são erva-mate, cana-de-açúcar e madeira de reflorestamento (pinus).
“E aqui nós ainda temos o problema da temperatura, que aumenta o risco dos trabalhadores que dormem em alojamentos precários”, conclui Surkamp. No inverno, os termômetros chegam a marcar – 3ºC no Sudoeste e no Centro-Sul do Paraná.
Os riscos da PEC do Teto
Carro-chefe do governo Temer, a PEC 241 (PEC 55) congela os gastos públicos e diminui as perspectivas de reposição do quadro de auditores nos próximos 20 anos. Segundo o representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) no estado, Fábio Lantmann, a PEC deixa a pista livre para o trabalho escravo: “O empresário monta a empresa para ter lucratividade, não para matar trabalhador. Mas a negligência mata”, afirma. “Em 1995, nós tínhamos mais auditores do que temos hoje”.
Lantmann também aponta outra ótica sob a qual o congelamento dos gastos em educação também é prejudicial ao trabalho de fiscalização: empregados com menor escolaridade, além de servirem como mão-de-obra barata, são menos conscientes sobre o uso de equipamentos de proteção individual e ficam mais expostos a acidentes de trabalho.
VIA Brasil de Fato
Edição: Ednubia Ghisi