Por Paulo Moreira Leite, no Brasil 247
Coube ao deputado Henrique Fontana (PT-RS) subir a tribuna do plenário da Câmara de Deputados, ontem, quando se fazia um debate público sobre o projeto de José Serra que muda as regras do pré-sal, para cobrar uma providência indispensável — convocar o povo para resolver a questão.
“Minha sugestão é fazer um plebiscito para a população decidir se quer aproveitar uma oportunidade histórica”, diz Fontana, porta-voz de uma ideia de que tem apoio da lideranças favoráveis a manutenção do sistema que assegura a Petrobras a condição de operadora única do pré-sal.
Anunciada num encontro que reuniu especialistas que representam os dois lados do debate, a proposta de plebiscito tem um mérito acima de qualquer suspeita. Convoca o principal interessado no debate sobre a melhor forma do país aproveitar uma riqueza imensa — a maior reserva de petróleo ocorrida nos últimos 30 anos no planeta — a dar a última palavra sobre uma descoberta que já colocou o Brasil na condição de titular de uma das maiores reservas mundiais de petróleo.
A simples criação da Petrobras, em 1953, foi obra de uma mobilização popular ampla e duradoura, que arrastou inclusive políticos conservadores que, na reta final, perceberam que era melhor participar da festa em fez de ficarem estigmatizados como vergonhosos entreguistas. De lá para cá, os momentos de crescimento das lutas populares, como a vitória vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002 e a reeleição em 2006, permitiram a construção de políticas de fortalecimento da Petrobras e ampliação no esforço descobertas capazes de garantir o acesso a uma fonte de energia indispensável para o desenvolvimento.
Como o geólogo Guilherme Estrella, líder da equipe que descobriu o pré-sal em 2007, revelou em entrevista ao 247, esse avanço seria impensável sem um ambiente político favorável, fosse para estimular pesquisas que eram vistas com ceticismo pelos sábios de sempre, fosse para criar uma legislação adequada ao país depois que a existência de uma fabulosa riqueza abaixo da camada do sal foi confirmada.
Os momentos de dificuldade e relativo esvaziamento na construção da empresa refletem uma situação política oposta, de refluxo do movimento popular. No governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, a presença da Petrobras em pesquisas chegou a ser reduzida em 40%. Os investimentos desta área pesquisa ficaram limitados a R$ 100 milhões por ano, contra um total de R$ 1,1 bi no período Lula. Foi o governo FHC que, reformando a Constituição de 1988, quebrou o monopólio do petróleo. Também foi em seu mandato que, através de um decreto, a Petrobras ficou de fora do decreto 8666, que exige licitação pública para despesas acima de 150 000 reais, tendo acesso a um decreto, 9478/97, que passou a permitir a definição de investimentos pelo sistema carta-convite, menos protegido contra as influências indevidas apontadas pela Lava Jato, e que eram denunciadas — sem ser investigadas — na época.
“O patrimônio da Petrobras começou a ser desmontado pela destruição de seu departamento de engenharia, que, antes da chegada de Lula, ficou onze anos sem fazer um novo concurso, decisão que destrói a cultura de uma empresa,” denunciou, na tribuna, Pedro Celestino Pereira, presidente do Clube de Engenharia.
“Tenho 31 anos de empresa,” argumentou José Maria Rangel, coordenador da Frente Única dos Petroleiros. “Digo o seguinte: se não fossem os governos do PT, a Petrobras não existiria mais.”
O período seguinte ao golpe de 64 foi de perseguição a dirigentes e quadros profissionais acusados de subversão, que integraram grandes listas de cassados. Apenas no final daquela década, quando a recessão dos primeiros anos e os imensos protestos populares forçaram o regime militar a uma mudança na política econômica, que está na origem real do “milagre” dos anos 1970, a Petrobras voltou a ser valorizada. Quando o choque mundial do petróleo voltou a ameaçar o desenvolvimento, os gabinetes da ditadura decidiram abrir o país aos contratos de risco, que autorizavam a exploração de petróleo por empresas estrangeiras. Alvo de uma contestação incomum, pois envolviam uma questão ligada de forma indissolúvel a noção de soberania nacional, a novidade teve poucos efeitos práticos. Enquanto as empresas estrangeiras tinham pouco apetite, justamente, para os investimentos de risco previstos no contrato, em função de gastos sem garantia envolvidos, coube aos geólogos e engenheiros da Petrobras liderar as principais descobertas do período, localizadas na bacia de Campos, a começar pelo campo de Garoupa.
Apresentada ao Senado num momento em que a crise do governo Dilma tornara-se uma ferida aberta, a mudança na regra do pré-sal será resolvida num ambiente de ofensiva geral contra direitos e conquistas que abriram uma nova perspectiva para o país. Tradicional presença no Congresso quando os parlamentares debatem assunto de seu interesse, lideranças de petroleiros estavam presentes a discussão mas foram tratados pela forma absurda que ameaça se tornar a marca de novos tempos. Dois deles chegaram a ser presos e algemados pela Polícia Legislativa, sendo libertados depois de quase quatro horas.
Pela influência em relação ao futuro dos brasileiros, a começar pelo bem-estar e pelas opções para o desenvolvimento, o destino do pré-sal tem um caráter de prioridade. Pela origem da Petrobras, pela relevância dramática em toda mudança ocorrida em seu sistema de exploração, o plebiscito é a solução civilizada para quem deseja um debate democrático, à luz do dia. A alternativa é silenciar a voz do povo — o que demonstra que nem aqueles que desejam a mudança confiam em seus argumentos.
Fonte: Brasil 247, por Paulo Moreira Leite