Planejamento da Petrobras refuta desafios do presente e esquiva-se de compromissos com o futuro

O Plano Estratégico (PE) 2023-2027 da Petrobras, aprovado pelo Conselho Administrativo da empresa e divulgado em 30 de novembro 2022, estabeleceu as diretrizes para os principais investimentos previstos para o próximo quinquênio. Elaborado ainda na gestão de Caio Paes de Andrade, que renunciou ao comando da estatal em 4 de janeiro, o PE 2023-27 preserva as diretrizes estratégicas definidas pela “virada corporativa”[1] iniciada, ainda em 2016, por Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras durante o governo de Michel Temer (MDB), e impõe um grande desafio à nova gestão da companhia.

O excessivo enfoque e destinação de recursos ao desenvolvimento da produção, sobretudo, em águas profundas e ultra profundas, obliteram os necessários investimentos em exploração, ampliação do parque de refino e desenvolvimento da cadeia de valor do gás natural. A emergência climática e a necessidade de integrar a Petrobras ao processo global de transição energética justa também aparecem de forma lateral no atual plano estratégico. A última gestão da estatal e suas diretrizes estratégicas parecem refutar os desafios do presente e esquivar-se de compromissos com o desenvolvimento futuro da indústria do petróleo nacional e do país.

Ao privilegiar a manutenção de uma autointitulada “solidez financeira”, as principais diretrizes estratégicas do atual PE 2023-27 preservam uma estrutura de negócios que busca a maximização da “geração de valor” no curto prazo, “redução do endividamento bruto” da companhia e “distribuição do valor gerado” aos seus acionistas – grupo de controle (União e BNDES) e investidores privados brasileiros e não brasileiros.

A gestão de Paes de Andrade, hoje ex-presidente da estatal, em outras palavras, reitera o tripé diretivo que orientou a empresa no pós-2016: (i) desverticalização da companhia e concentração de suas atividades de exploração e produção em águas profundas e ultra profundas, em especial no pré-sal, área mais rentáveis; (ii) amplo processo de desinvestimentos, com venda de ativos lucrativos e estratégicos; e (iii) agressiva política de preços de paridade de importação (PPI), que penalizou os consumidores brasileiros com explosão dos preços dos derivados no mercado interno.

Essa estratégia de negócios da estatal, tal como observado nos últimos anos, embora tenha garantido um aumento do retorno financeiro de curto prazo, colocam em xeque a sustentabilidade operacional e financeira da estatal no longo prazo, além de reduzir o papel da Petrobras no desenvolvimento da cadeia de valor de óleo e gás no Brasil. Em síntese, o que se observou nos últimos seis anos foi a redução do endividamento da estatal e pagamentos recordes de dividendos, porém, ao custo do encolhimento patrimonial da companhia, queda nos seus patamares de produção de óleo e derivados, ampliação de sua vulnerabilidade a choques externos e restrição de sua capacidade de investimentos.

A manutenção de baixos patamares de investimentos ratifica essa percepção. O volume de investimentos projetado de US$ 78 bilhões para o próximo quinquênio (2023-2027), apesar de 15% maior em relação no PE 2022-2026 (US$ 68 bilhões), é 55% menor que a média dos investimentos programados dos planos estratégicos plurianuais divulgados entre 2006 e 2015 (US$ 174 bilhões).

O PE 2023 define como prioridade estratégica da empresa o segmento de exploração e produção (E&P), que concentrará 82% total de investimentos anunciados para os próximos cinco anos. O foco nesse segmento será na produção e desenvolvimento dos ativos localizados no pré-sal e busca de novas fronteiras exploratórias, em especial, na Margem Equatorial Brasileira (MEB). O segmento do refino deve concentrar 10% dos investimentos previstos (US$ 7,8 bilhões) e o segmento de gás e energia apenas 2% (US$ 1,6 bilhão), assim como o segmento de comercialização e logística.

Na área ambiental estão previstos US$ 4,4 bilhões, ou 6% do total de investimentos planejados, dos quais US$ 3,7 bilhões (ou 84%) concentram-se em inciativas de descarbonização e mitigação de emissões. No segmento de renováveis estão previstos investimentos de US$ 600 milhões em biorefino e outros US$ 100 milhões para P&D. A empresa anunciou que ainda realiza estudos sobre a “diversificação rentável” de suas operações, em especial, nos segmentos de eólica offshore, hidrogênio e captura de carbono.

Cabe destacar que nem sempre os investimentos planejados são efetivamente realizados, em virtude de incertezas e contingências de natureza técnica ou conjuntural. Desde 2011 a Petrobras não realiza todo o Capex (despesas de capital) anunciado em seus planos estratégicos. No quinquênio 2017-2021 já encerrado, por exemplo, a Petrobras investiu US$ 55,3 bilhões, equivalente a cerca de 74% do Capex planejado para o período. O mesmo deve ocorrer no quinquênio 2018-2022, para o qual o Capex total projetado foi de US$ 74,5 bilhões, e até o terceiro trimestre de 2022 a estatal investiu apenas US$ 47,2 bilhões, ou 63% do total planejado.

Quando comparada a outras sete International Oil Companies (IOCs) — Saudi Aramco, ExxonMobil, Chevron, Total Energies, Shell, British Petroleum e Equinor –, nota-se que a Petrobras foi a empresa que menos investiu no último biênio. Os US$ 12,4 bilhões investidos pela petroleira brasileira representam apenas 40% da média de investimentos realizados pelas outras IOCs no mesmo período (US$ 31,1 bilhões).

A Petrobras está no centro do embate político brasileiro, sobretudo, em relação à soberania energética e forma de inserção do Brasil na transição energética, por isso, a vitória da frente democrática liderada pelo Partido dos Trabalhadores nas últimas eleições transformou-se em uma oportunidade política extraordinária para revisão e reorientação da estratégia de negócios da maior empresa do país.

Por fim, destaco que os próximos artigos desta série abordarão de maneira detalhada as diretrizes estratégias estabelecidas no PE 2023-27 da Petrobras para os segmentos de exploração e produção (E&P), refino e renováveis.

O texto sobre o segmento de E&P analisa como as atuais diretrizes estratégicas restringem a capacidade operacional da companhia, através da redução dos investimentos exploratórios na descoberta de novas reservas e concentração dos investimentos no polígono do pré-sal. O artigo sobre o segmento do refino avalia como ao preservar uma política de venda de ativos do refino, o atual PE ignora os impactos da atuação da companhia na dinâmica econômica nacional, em especial, sobre os preços dos derivados e coloca em risco o acesso ampliado aos combustíveis no Brasil. E, no artigo sobre o segmento de renováveis, a série explora o caráter conservador da atuação da estatal frente ao desafio da transição energética e sua lentidão em alavancar seus investimentos nessa agenda, quando comparada a outras petroleiras estrangeiras.


Notas:
[1] Definição usada por Rodrigo Araújo, diretor executivo financeiro e de relacionamento com investidores da Petrobras, para qualificar o processo de desmonte da Petrobras posterior a 2016.

Legenda da fotografia: Sonda de petróleo P-59 da Petrobras. Foto: Divulgação / Petrobras (junho 2011)

 

Por Mahatma dos Santos,  mestre em Sociologia no Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA-UFRJ), diretor técnico do Ineep e pesquisador do núcleo de pesquisa Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DTA-UFRJ) e do Ineep.

Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique.