Membro da executiva nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e seu representante na CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais), Antonio Carlos Spis destaca a importância da mobilização da última sexta-feira, 5 de outubro, em defesa da democratização dos meios de comunicação. Neste dia, as entidades que compõem a CMS (CUT, UNE, MST, Conam, Abraço, CGTB e Marcha Mundial de Mulheres, entre outras) se somaram ao Coletivo Intervozes e ao Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e foram às ruas das principais capitais para exigir "democracia e transparência" nos meios de comunicação.
Leia a íntegra da entrevista publicada originalmente no portal da CUT:
Qual o significado deste 5 de outubro?
Nesta sexta-feira, 5 de outubro, vencem inúmeras concessões de rádio e televisão em todo o Brasil, entre elas as emissoras próprias e afiliadas da Rede Globo (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Minas e Pernambuco), que é um monopólio símbolo da manipulação e da agressão política, ideológica e cultural, um instrumento utilizado historicamente pela elite reacionária contra os interesses nacionais, em geral, e da classe trabalhadora,
A meia dúzia de famílias que controla os meios de comunicação, rádio, tv, jornais, revistas e sites tenta identificar critérios com censura. Para isso, é claro, utilizam sua mídia para reverberar a sua voz, monocórdica. E a sociedade como é que fica?
Queremos democratizar o conjunto dos meios, pois não é figura de linguagem, é efetivamente uma meia dúzia de famílias quem controla de fato o grosso do que é divulgado, quem dita o que deve ou não ser notícia, aparecer nas manchetes, no horário nobre. Seguindo assim, fatos relevantes como o plebiscito contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que mobilizou milhões de pessoas, continuarão sendo encobertos, ganhando no máximo alguma notinha de rodapé. Enquanto isso a população é bombardeada por propaganda paga em defesa da entrega da Vale, dos supostos êxitos obtidos com a privatização desse patrimônio público estratégico para o nosso desenvolvimento soberano. Neste momento, por exemplo, os movimentos sociais defendem o controle social sobre as concessões públicas e a instalação da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da TVA/Abril, pois são fundamentais para o avanço da democratização da comunicação em nosso país. Entendemos que a sociedade brasileira não pode mais ficar refém de empresários que reinam sozinhos, ditam regras e não cumprem o que dita a nossa Constituição.
Como envolver a sociedade neste debate?
Acredito que estamos avançando bastante, principalmente porque há uma tomada de consciência de que o inimigo existe, de que a imprensa tem lado e não é o nosso. Particularmente após o segundo turno das eleições, em que a mídia teve um comportamento extremamente partidarizado, caiu a ficha em muitas lideranças que passaram a refletir sobre a necessidade de nos vermos através dos nossos próprios espelhos e não de caricaturas que fazem da gente. O povo brasileiro também sentiu isso, pois foi taxado de burro e ignorante por não entrar na canoa furada do tucanato, de não abraçar a causa do neoliberalismo, e fez uma leitura diferente da que os meios de comunicação queriam que fizesse, foi crítico, soube ver nas entrelinhas. Este amadurecimento das consciências não é pouca coisa, nos permite ir mais fundo na denúncia, demonstrando os mecanismos perversos de controle que se estabelecem quando alguns ditam padrões de comportamento para o todo, quando a informação vira mercadoria e o fato passa a ter preço. O fato é que esse questionamento popular serviu para negar uma opção desastrosa, mas precisa de novos elementos para construir uma alternativa própria, de libertação. É evidente que para isso precisamos de informação crítica, veraz, que exponha o contraditório, que não limite o conhecimento a interesses privados.
São monopólios e oligopólios erguidos contra a sociedade…
Exatamente, pois não há participação da sociedade no debate sobre outorga e renovação das concessões, que hoje acontecem sem nenhum respeito a critérios públicos. Os processos são morosos, pouco ou nada transparentes. Inexisindo qualquer fiscalização por parte do poder público. A soma destes fatores sustenta os monopólios e oligopólios que se formaram, tornando possível o funcionamento de emissoras com outorgas vencidas há quase 20 anos. Se no debate sobre outorga e renovação alguns barões da mídia se arrogam no direito de desrespeitar a legislação vigente sobre rádio e televisão, no caso da transação entre a Abril e a Telefónica de Espanha os indícios de ilegalidades são mais do que evidentes, o que reforça a necessidade da instalação da CPI.
Há denúncias de que a editora Abril colocou lobistas para tentar abafar a CPI e que quem não se dobra às chantagens vêm sendo ameaçado.
Pois é, denúncias contra as práticas da Abril não faltam. Mas a prova maior está impressa, é a própria revista Veja, sempre defendendo os interesses mais reacionários. Nesta semana são alvos da Veja a companheira Ideli Salvati, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o presidente Hugo Chávez e até a figura simbólica do Che. Ou seja, é uma publicação que tenta abertamente fraudar a verdade e moldar no inconsciente coletivo anti-valores. Defendemos a CPI para apurar a transação pela qual a Telefónica de Espanha tornou-se sócia – e, na verdade, controladora – da TVA, pertencente ao grupo Abril. Foi um acordo contra as leis do país em que os indícios de ilegalidade são gritantes e abundantes. A principal evidência é o próprio "Acordo de Acionistas" firmado entre a Abril e a Telefónica, que, para burlar os limites legais à participação estrangeira, determina uma "reunião prévia" anterior às assembléias de acionistas. Em tal reunião a Telefónica usa suas ações sem direito a voto na assembléia como se fossem ações com direito a voto. E, diz o Acordo de Acionistas, a Abril e a Telefónica "concordam em sempre comparecer às assembléias gerais da Companhia e a exercer os direitos de voto inerente às suas ações de modo uniforme", ou seja, fazendo com que a assembléia de acionistas prevista na lei seja uma farsa, servindo tão somente para bater o martelo, homologar o que foi decidido na "reunião prévia".
Houve inclusive um conselheiro da Anatel que provou que a tal "Reunião Prévia" dá controle da TVA à multinacional.
O requerimento da CPI, embasado no voto de Plínio de Aguiar Júnior, conselheiro diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), demonstra que a transação infringe a legislação, que determina que as operadoras de TV por assinatura sejam controladas por brasileiros e devem possuir o mínimo de 51% das ações com direito a voto. Na fachada, a composição acionária estabelecida na venda está dentro da lei, pois mantém a maioria das ações com direito a voto nas mãos do grupo Abril. No entanto, como observou o conselheiro da Anatel, a tal "Reunião Prévia" onde participam e votam todos os acionistas (da Telefônica e do grupo Abril), o que dá o controle real para a Telefónica, transformando o grupo Abril em laranja da multinacional. Ou seja, no Conselho de Administração da TVA o grupo Abril detém formalmente a maioria das ações com direito a voto, mas não manda nada. A pressão das ruas é fundamental para estimular os parlamentares a avançarem na instalação desta CPI, a não se intimidarem com as tentativas de cala-boca.
Quais os eixos da campanha por Democracia e Transparência nas concessões públicas de rádio e televisão?
Propomos a convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação ampla e democrática para a construção de políticas públicas e de um novo marco regulatório e o fim da renovação automática, com estabelecimento de critérios democráticos e transparentes com base na Constituição. Além disso, defendemos ações imediatas contra as irregularidades no uso das concessões, tais como o excesso de publicidade, outorgas vencidas e outorgas nas mãos de deputados e senadores. Finalmente, queremos a instalação de uma comissão de acompanhamento das renovações, com participação efetiva da sociedade civil organizada.