Em audiência de mediação com o Sindipetro-NF, Petrobrás reafirma que não emitirá a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para petroleiros e petroleiras que adquirem a doença no ambiente profissional, mesmo com notificação da SRTE, vinculada ao Ministério da Economia, sobre surtos da doença em plataformas
Em audiência entre representantes do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF), filiado à Federação Única dos Petroleiros (FUP), e da Petrobrás, a empresa reafirmou que não vai emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) em casos de contaminação por Covid-19 em suas plataformas. A decisão da Petrobrás vai na contramão de recentes decisões que apontam nexo causal entre a infecção e a atividade profissional (ver abaixo), o que pode caracterizar a contaminação pelo coronavírus como doença laboral.
A decisão da Petrobrás foi comunicada na véspera do Dia Mundial da Segurança e da Saúde no Trabalho, celebrado nesta quarta (28/4). A data foi estabelecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em memória às vítimas de acidentes e doenças relacionadas à atividade laboral. E em 2005, o governo brasileiro, por meio da Lei no 11.121/2005, instituiu a mesma data como o Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho. Neste ano, a data chama atenção justamente para a necessidade de enfrentamento da Covid-19 no ambiente profissional.
A audiência, realizada de forma virtual nessa terça (27/4), foi mediada pelas procuradoras Júnia Bonfante Raymundo e Cirlene Luiza Zimmermann, do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Rio de Janeiro, e Gilson Cesar Braga di Luccas, auditor fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e do Emprego (SRTE), vinculada ao Ministério da Economia.
Júnia Raymundo e Cirlene Zimmermann são, respectivamente, gerente e vice-gerente da Operação Ouro Negro, trabalho coordenado de fiscalização das atividades petrolíferas e que vem se dedicando desde o ano passado à contaminação por Covid-19 no setor de óleo e gás. Além do MPT, integram a operação a Marinha do Brasil, o Ministério da Economia — por meio da Coordenação Regional da Inspeção do Trabalho Portuário e Aquaviário (SEGUR- SRT RJ), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O encontro tratou de diversas questões relacionadas à Covid-19, entre elas a emissão da CAT no caso de o trabalhador ou trabalhadora ser contaminado pelo coronavírus por causa do trabalho. Há meses, a FUP e seus sindicatos vêm alertando à Petrobrás sobre vários surtos de Covid-19 em plataformas e refinarias.
SRTE: Surtos em plataformas evidenciam doença ocupacional
Na reunião, os representantes da Petrobrás confirmaram a criação de novas escalas de trabalho em suas plataformas em desacordo com o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), fechado com a FUP em setembro de 2020 e sem qualquer negociação prévia com o Sindipetro-NF. Além disso, insistiram na posição de não emitir a CAT, mesmo quando é evidente que os empregados foram contaminados dentro do seu ambiente laboral.
A alegação da empresa é que a lei previdenciária (8.213/1991) não reconhece doenças epidemiológicas como doença ocupacional. Entretanto, o representante da SRTE na audiência, di Luccas, fez questão de frisar que a Petrobrás vem sendo notificada quando não emite CAT para trabalhadores e trabalhadoras de plataformas que vêm sofrendo surtos da Covid-19.
“Todas as semanas recebemos apelos desesperados de trabalhadores e trabalhadoras denunciando casos de Covid-19 em plataformas da Bacia de Campos. São pessoas que ficam 14 dias ou mais nesses ambientes, tempo suficiente para que uma pessoa que chegue contaminada a uma plataforma infecte várias outras. Estamos registrando surtos em diversas unidades nos últimos meses, com desembarque urgente de dez, 20 ou mais trabalhadores. Como a Petrobrás pode negar que a contaminação se deu na plataforma e não considerar como acidente de trabalho? É negar o óbvio”, diz o coordenador geral do Sindipetro-NF, Tezeu Bezerra.
O 54º Boletim de Monitoramento da Covid-19, divulgado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) na última segunda (26/4), mostra que a Petrobrás já registrou 6.418 casos de contaminação pela doença – 13,8% dos 46.416 trabalhadores próprios do Sistema Petrobrás. No momento, segundo o boletim, há 192 casos confirmados e em quarentena, 47 hospitalizados, 6.153 recuperados e 26 mortes.
Esses números, porém, não refletem a realidade. Primeiro, porque não abrangem terceirizados. Maio de 2020 foi o último mês em que o MME mencionou os terceirizados em seus boletins semanais de monitoramento da Covid-19.
À época, o ministério contabilizou 151,5 mil pessoas trabalhando para a Petrobrás, entre próprios e terceirizados. Donde se conclui que para cada trabalhador próprio há dois terceirizados, e que, portanto, para cada contaminado Petrobrás podemos considerar dois terceirizados infectados. De acordo com cálculos da FUP, baseados em denúncias, somando próprios e terceirizados, já são mais de 80 mortos.
Segundo, porque mesmo entre trabalhadores e trabalhadoras próprios, há subnotificação. Há uma pressão cada vez maior sobre trabalhadores e trabalhadoras, com condições de trabalho cada vez mais inseguras e insalubres, bem como ameaças de transferências e suspensões. Há trabalhadores que esconderam a doença para não sofrer punições, segundo denúncias recebidas pelos sindicatos filiados à FUP.
Entenda o caso
A lei previdenciária em vigor (8.213/1991) exige a comprovação de nexo causal em doenças endêmicas para que sejam consideradas laborais. O artigo 20, § 1º, considera doença profissional “aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar à determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social”. A mesma lei considera também“doença do trabalho aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente”.
A comprovação desse nexo causal ficava a cargo do trabalhador e dependia da avaliação de cada tribunal. Isso se deu também quanto à Covid-19.
No entanto, recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e Baixada Santista) considerou a Covid-19 doença ocupacional, obrigando os Correios a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para os empregados que contraírem o vírus, por entender que a empresa não tomou todas as medidas para prevenir a contaminação no ambiente de trabalho.
No caso dos petroleiros, a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), emitiu parecer científico em outubro de 2020 sobre as “contaminações por Covid-19 a bordo de plataformas e contribuições para investigação da caracterização do nexo causal entre a doença e o trabalho no setor de petróleo e gás”. O documento aponta que “o diagnóstico da Covid-19 em petroleiros é presumidamente relacionado ao trabalho”.
A Petrobrás se recusa a emitir a comunicação, mas o parecer elucida o motivo. O reconhecimento da Covid-19 como doença do trabalho e a emissão da CAT implicam elevar a Taxa de Acidentes Registráveis (TAR), um dos indicadores de desempenho das empresas do setor, vinculado à dinâmica da concorrência internacional. Isso se reflete, portanto, nas ações da Petrobrás na Bolsa de Valores, sobretudo em Nova York.
A Fiocruz reforça a recomendação de emissão da CAT:
“Para todos os trabalhadores petroleiros com diagnóstico de Covid-19, os empregadores devem emitir CAT e registrar o evento na Ficha do Sistema de Informações dos Agravos de Notificação (Sinan) para fins de Vigilância Epidemiológica e Vigilância em Saúde do Trabalhador.”
A Petrobrás enfrenta graves surtos de Covid-19, tanto em plataformas como em refinarias. A empresa mantém paradas de manutenção, dobrando ou até triplicando o número de profissionais trabalhando presencialmente em refinarias, e continua falhando no controle da contaminação antes do embarque para as plataformas.
A postura da empresa coloca em risco a vida de trabalhadores próprios e terceirizados, de seus familiares, da população das cidades onde as refinarias e heliportos estão localizados. A todo tempo, esses profissionais estão potencialmente em contato com o coronavírus, no local de trabalho ou no percurso. O nexo causal é evidente.