Petrobrás penaliza trabalhadores e vai na contramão das grandes petroleiras, afirma ex-presidente da estatal

 

Entre 2003 e 2012, a Petrobrás viveu um dos períodos de maior valorização de sua história: seu valor de mercado saltou de R$ 54 bilhões para R$ 254 bilhões e os investimentos anuais passaram de R$ 18,9 bilhões para R$ 84,1 bilhões, respectivamente. Com isso, a Petrobrás se tornou a maior empresa da América Latina e a quarta maior do mundo.

Esse período de ascensão coincidiu, justamente, com a atuação de José Sérgio Gabrielli de Azevedo na Petrobrás. Mais especificamente entre 2005 e 2012, o professor aposentado de economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) ocupou o cargo de presidência da companhia – a gestão mais longeva da história.

Entretanto, as posições assumidas pela petroleira, discutidas nessa entrevista exclusiva, parecem estar mais distanciadas por escolhas políticas do que propriamente o lapso temporal que as separam da gestão de Gabrielli, em que vigorava a máxima: “do poço ao posto, passando pelo poste”.

Para o economista, a retirada do caráter de empresa integrada é um contrassenso do que está sendo realizado internacionalmente. “A Petrobrás atual, desintegrada sem sua distribuição, vendendo sua presença no gás natural, desfazendo-se da rede logística, saindo da petroquímica, biocombustíveis, fertilizantes e refino de derivados, vai na contramão das outras grandes petroleiras”, opina.

Em consonância com o governo federal, que se difere completamente dos executivos estaduais, a direção da Petrobrás anunciou medidas para enfrentar a pandemia da covid-19 que penalizam “demasiadamente os trabalhadores”, com pouca efetividade na redução de gastos.

De acordo com Gabrielli, o cenário atual mostra “o Estado se apropriando das rendas de muitos e distribuindo para poucos”. Com a Petrobrás, detentora da maior descoberta deste século, o pré-sal, não é diferente.

Confira abaixo a entrevista completa, concedida ao jornalista Guilherme Weimann, para o Sindipetro Unificado de São Paulo:

> Atualmente, o principal debate presente na sociedade brasileira coloca a economia e a vida em dois lados opostos. É possível construir uma política econômica na qual a vida esteja em primeiro lugar?

A disputa pelos recursos públicos se tornou um dos principais componentes da luta de classes no capitalismo moderno, com o Estado se apropriando das rendas de muitos e distribuindo para poucos. No momento atual de pandemia, as contradições sobre os usos dos fundos públicos se tornam ainda mais evidentes espraiando-se também para a exploração direta do trabalho. Há aqueles que desprezam a vida e só querem que a economia funcione. Há aqueles que, mesmo com custos econômicos, escolhem que a vida seja preservada. Este conflito, permanente no regime capitalista, está agora mais evidenciado nas formas de combate ao coronavírus. Uma economia que se preocupe primeiramente com a vida é possível, mas não na sociedade atual.

> Qual a sua avaliação sobre as medidas que o governo tomou para o enfrentamento da crise causada pelo coronavírus?

Primeiro se pergunta: qual governo? O do Bolsonaro, um irresponsável que arrisca distribuir o vírus passeando pelas feiras, propondo o fim da quarentena e minimizando os riscos? Ou o do ministro da Saúde, que afirma a importância do isolamento social, os riscos da pandemia, especialmente sobre o sistema de saúde? Ou dos governadores, especialmente os do Nordeste, que vêm tomando medidas para garantir a redução da velocidade de proliferação, aumentando a capacidade de atendimento para os momentos críticos de aumento da demanda dos serviços de saúde?

> Qual a sua avaliação sobre as medidas anunciadas pela Petrobrás relacionadas ao covid-19, que incluem desde o cancelamento de direitos trabalhistas, até desinvestimentos e diminuição da produção?

Há uma combinação de objetivos, que poderiam ser diferenciados. De um lado algumas medidas para fortalecer o caixa da empresa frente aos preços baixos do petróleo e a queda da demanda. De outro, as medidas de proteção à vida para reduzir os riscos de contaminação dos trabalhadores. Neste último objetivo acho que a Petrobrás foi tímida na redução das aglomerações e na diminuição dos riscos de contato nos locais de trabalho e de transporte. No que se refere ao reforço do caixa, acho que penalizou demasiadamente os trabalhadores, sendo pouco efetiva na contração de alguns gastos de custeio. Não ficaram claras as medidas e prioridades para os adiamentos de projetos estratégicos dentro da redução do CAPEX [despesa de capitais].

>Na sua opinião, qual o papel que a Petrobrás deveria desempenhar nesse período, de duração ainda incerta, de profunda crise econômica?

A crise econômica internacional que se aprofundará, e que terá rebatimentos no Brasil, será mais um desafio para as empresas de petróleo. Aquelas mais integradas “do poço ao posto, passando pelo poste” estarão em melhores condições de passar pela tempestade minimizando os prejuízos entre os vários setores e aproveitando-se da oportunidade de ganhos em outros. A Petrobrás atual, desintegrada sem sua distribuição, vendendo sua presença no gás natural, desfazendo-se da rede logística, saindo da petroquímica, biocombustíveis, fertilizantes e refino de derivado  vai na contramão das outras grandes petroleiras. Ficará muito mais vulnerável às flutuações dos preços do petróleo cru. Em suma, a atual Petrobras abriu mão de seu papel estratégico para enfrentar a crise.

> No acumulado do ano, a Petrobrás diminuiu os valores dos combustíveis cobrados nas refinarias, mas isso não se refletiu aos consumidores. Qual o motivo desses descontos nas tarifas não chegarem à população?

Os preços nas bombas dependem dos preços nas refinarias, mais às margens da logística, da distribuição e do varejo, além da tributação indireta, federal e estadual, fatores que separam os preços da Petrobrás dos preços nos postos de combustível.

> Nesta segunda-feira (30), a Petrobrás justificou a importação de GLP pelo aumento do consumo provocado pelos estoques que a população está fazendo da mercadoria. Esse argumento explica todo esse cenário?

Não acredito que a importação do GLP tenha sido em resposta a uma eventual maior estocagem domiciliar do gás de cozinha. Temos uma limitação na capacidade de produção e a importação é necessária para atender ao mercado, principalmente com a política de reduzir as cargas das refinarias e das unidades de processamento do gás natural.

> Desde 2016, a Petrobrás implementou a Política de Paridade Internacional (PPI) dos preços dos derivados como uma das medidas para desintegrar a Petrobrás? Com a queda no barril internacional do petróleo, essa política será seguida à risca?

Difícil dizer se será seguida à risca. Para manter a coerência com a estratégia de venda das refinarias e dos terminais, precisará ser seguida, implicando em provável queda, ainda que em proporções menores do que os preços do petróleo cru, nos derivados de petróleo para o mercado doméstico.

[Via Sindipetro Unificado SP]