Em artigo publicado no site EPBR, pesquisadores do Ineep explicam como a diversificação de operadoras pode impactar o meio ambiente e a segurança das atividade de exploração e produção de petróleo no Brasil
[Por Henrique Jager* e João Montenegro**, pesquisadores do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis | Foto: Geraldo Falcão/Agência Petrobras]
Os desinvestimentos da Petrobras – combinados, nos médio e longo prazos, com os resultados das atividades de exploração e desenvolvimento das áreas leiloadas pela ANP nos últimos anos – provocarão mudanças na gestão da produção dos hidrocarbonetos no Brasil, com potenciais impactos ambientais e em termos de segurança nacional.
Hoje, a companhia brasileira responde, como operadora, por 94% e 90%, respectivamente, da extração de petróleo e gás no país, mas essas participações tendem a cair significativamente nos próximos anos, na medida em que petroleiras privadas incrementam seu portfólio local comprando ativos da estatal e/ou adquirindo áreas nas rodadas de licitação promovidas pelo governo.
Nos últimos três anos, a Petrobras vendeu a totalidade de sua participação em cerca de 150 campos de óleo e gás nos últimos três anos, conforme a estratégia adotada no período de focar suas operações em campos com alta produtividade.
A maior parte dos campos vendidos está na bacia Potiguar, onde a Petrobras alienou 44 ativos onshore e três offshore. Na sequência estão as bacias do Recôncavo, com 43 campos terrestres, do Espírito Santo (30 onshore e dois offshore), Campos (15 offshore), Tucano (BA) (quatro onshore), Sergipe (dois onshore), Santos (dois offshore) e Solimões e Ceará, com um onshore cada uma.
A PetroRecôncavo foi a companhia que adquiriu o maior número de campos: 54 terrestres, sendo 34 na bacia Potiguar e 20 no Recôncavo. A ela seguem, de perto, a 3R Petroleum (25 campos onshore no Recôncavo, oito na Potiguar e um no Ceará, além de dois offshore no Espírito Santo) e a Karavan Oil (27 onshore no Espírito Santo). Além delas, cabe destacar que a Trident Energy, a Perenco e a Ouro Preto Óleo e Gás adquiriram, em conjunto, 16 ativos na porção fluminense da Bacia de Campos.
Em termos de produção, a francesa Total aparece em primeiro lugar no mês de dezembro de 2020, com o campo de Lapa, no pré-sal de Santos, tendo produzido 55.327 boed (barris de óleo equivalente por dia), seguida, entre os destaques, pela PetroRio, com 18,092 mil boed, 3R Petroleum (16,042 mil boed), Karoon (15,459 mil boed) e PetroRecôncavo (15,340 mil boed).
Importante salientar que a conta considera as produções do polo Peroá-Cangoá/ES como da 3R, e dos polos Miranga e Remanso, como da PetroRecôncavo, embora a cessão dos ativos da Petrobras para tais companhias ainda não tenha sido aprovada pela ANP.
A Petrobras ainda está vendendo a totalidade de sua participação em outros 118 campos (82 onshore e 36 offshore), que juntos produziram 155,6 mil bopd e 19,5 milhões de m³/d em dezembro de 2020.
Somados, os volumes produzidos pelos campos já desinvestidos e à venda pela Petrobras correspondem a cerca de 10% da extração de óleo e 20% da produção de gás natural no país, em dezembro de 2020 (2,726 milhões de bopd e 127 milhões de m³/d de gás).
Além da menor ingerência do Estado na produção dos hidrocarbonetos, aspectos ambientais e geopolíticos devem ser considerados nesse processo de reorganização da produção offshore brasileira.
Em primeiro lugar, a Marinha do Brasil, o Ibama e a ANP terão de se preparar para lidar com múltiplos atores em casos de vazamento de óleo offshore. Até hoje, o governo brasileiro contou basicamente com a estrutura da Petrobras para responder a emergências, como ocorreu diante do vazamento que atingiu diversas praias do Nordeste e Sudeste brasileiros em 2019.
Outra questão sensível envolve o descomissionamento dos campos maduros que vêm sendo adquiridos por petroleiras privadas. São ativos com instalações antigas, tanto na superfície como no fundo do mar, o que exigirá altos investimentos e cuidados especiais na hora de sua remoção. O Ibama, por exemplo, já manifestou preocupação quanto à complexidade do descomissionamento do polo de Pampo e Enchova, localizado em uma região conhecida como “cemitério de risers”, com grande quantidade de dutos enterrados.
Além disso, a diversificação de operadoras estrangeiras aponta para um cenário de interesses dispersos, que, em termos geopolíticos, pode representar ameaça à soberania nacional e até mesmo afetar o pleito do Estado brasileiro junto à ONU para estender os limites de sua plataforma continental além das 200 milhas náuticas da Zona Econômica Exclusiva (ZEE).
Por exemplo, será ampliado o risco de multinacionais privadas eventualmente reportarem informações sobre recursos estratégicos da chamada Amazônia Azul a partir de mapeamentos geológicos a governos estrangeiros. Estes, então, poderiam atuar no sentido de prejudicar as negociações do Brasil com o órgão multilateral.
Ao passo que, conforme publicado pelo Ineep, a Marinha não tem planos de aumentar o contingente de pessoal e embarcações encarregados da segurança do offshore brasileiro.
No que se refere ao onshore especificamente, o país perde, com a saída da Petrobras do segmento, um instrumento estratégico de desenvolvimento em algumas das regiões mais pobres do país, as quais ficarão exclusivamente sujeitas aos humores do mercado.
As autoridades brasileiras devem, portanto, se adaptar e investir recursos para garantir que os interesses nacionais não sejam negativamente afetados pela diversificação de operadoras petrolíferas no país.
*Henrique Jager é pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e ex-presidente da Petros
**João Montenegro é mestre em Economia Política Internacional pela UFRJ, pesquisador do Ineep e repórter especializado em petróleo e energia