Pesquisadora explica importância da cota no avanço da participação das mulheres na FUP

“As mulheres da FUP não querem ser “eles do outro lado”, elas querem uma nova forma de exercer o poder”, revela a pesquisadora Mariana Velloso, autora da dissertação de mestrado “Essa fala foi dela companheiro: o pé na porta e a participação das mulheres na Federação Única dos Petroleiros”

[Entrevista concedida à Alessandra Murteira, da imprensa da FUP]

Entre março e outubro de 2020, a advogada Mariana Marujo Velloso entrevistou 12 diretores da FUP, sendo 8 homens e 4 mulheres, para a pesquisa de mestrado do Programa de Pós Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense (PPGSP/UENF). Seu estudo investigou a participação das mulheres na direção da FUP durante o mandato de 2017-2020, o primeiro a ter a aplicação de cota mínima para as trabalhadoras, garantindo oito vagas para as mulheres petroleiras na composição da entidade, o que equivale a 22% dos quadros.

Pode parecer irrelevante, mas esse percentual de participação feminina teve um impacto grande dentro da estrutura da FUP, que, desde a sua fundação, em 1994, nunca havia tido mais de uma mulher em sua diretoria e, quando teve, na grande maioria das vezes, foi em cargo de suplência. Só no 17º CONFUP, em 2017, após 23 anos de organização nacional da categoria petroleira e nove mandatos da FUP, as mulheres conseguiram conquistar oito das 36 cadeiras da Diretoria e do Conselho Fiscal da Federação.

Na dissertação “Essa fala foi dela companheiro: o pé na porta e a participação das mulheres na Federação Única dos Petroleiros”, Mariana Velloso reconstitui a história dessa luta e analisa as relações estruturais e subjetivas que marcam a participação das mulheres na principal organização sindical da categoria petroleira. “As mulheres já construíam o movimento sindical há anos e, apesar disso, não tinham espaço para atuação junto à entidade antes da implementação das cotas”, afirma a pesquisadora, nesta entrevista exclusiva ao portal da FUP.

Mariana destaca a importância do Coletivo Nacional de Mulheres Petroleiras na organização e fortalecimento das trabalhadoras nos espaços sindicais. “Além do fortalecimento dos pleitos pelas cotas e o aumento efetivo da presença de mulheres na militância sindical petroleira, o Coletivo promove a integração nacional, o que fortalece as dirigentes também a nível local, dentro de seus próprios sindicatos”, revela.

A advogada foi uma das convidada do 9º Encontro Nacional de Mulheres Petroleiras, realizado no dia 23 de fevereiro, quando apresentou os principais pontos de seus estudos, chamando atenção para os impactos e desafios de se construir um espaço de representação feminina em uma organização que representa uma categoria que é majoritariamente masculina. Como afirma nesta entrevista, a pesquisa evidencia que “as mulheres da FUP não querem ser “eles do outro lado”, elas querem uma nova forma de exercer o poder”.

Leia a entrevista: 

A pesquisa mostrou a importância do estabelecimento de cota para a representação das mulheres na direção da FUP. O que possibilitou essa conquista? 

A CUT, que tem paridade, teve a primeira aprovação de cotas para a participação de mulheres na sua direção ainda em 1993. Existe uma história de luta ali muito importante e essa história inspirou e guiou parte do trabalho que as mulheres petroleiras desenvolveram na construção das cotas na federação. Como afirmou uma das diretoras, a trajetória das mulheres da CUT funcionou como uma escola para o Coletivo de Mulheres da FUP e é a partir desse coletivo que as cotas ganham corpo. Com a criação do coletivo, as mulheres passaram a participar dos eventos da federação com pauta própria, com demandas pensadas e articuladas entre elas, o que acabou por permitir a incorporação, na pauta geral, da necessidade das cotas. A maioria das direções anteriores a 2017, quando enfim foram implementadas as cotas, não teve mulheres em sua composição, ou as teve apenas como suplentes. Uma das diretoras narrou que, em 2014, apesar da constante participação das mulheres na agenda fupista, a chapa apresentada para dirigir a federação não teve sequer uma mulher. A partir dali, o Coletivo somou esforços para ir além da participação em plenárias e eventos, mas para garantir a ocupação de espaços de deliberação e direção.

As mulheres entrevistadas enfatizam isso na pesquisa, ao afirmarem que não basta conquistar os espaços de representação, é preciso lutar para ocupa-los…

A média de tempo na militância sindical entre as diretoras que eu entrevistei era de quatorze anos e, apesar disso, todas elas estavam em seu primeiro mandato na FUP. A média de tempo de militância, entre os diretores, era quase idêntica, de 13,86 anos. Mas o triênio 2017-2020 era pelo menos o segundo mandato de 42,86% deles. Esses dados mostram muito cruamente as implicações que as cotas tiveram na composição da direção que, de maneira inédita, garantiu a participação das mulheres. Uma abordagem meritocrática, como alguns diretores defenderam, não encontra respaldo na realidade da federação. As mulheres já construíam o movimento sindical há anos e, apesar disso, não tinham espaço para atuação junto à entidade mais importante para a representação da categoria petroleira cutista antes da implementação das cotas. Uma das diretoras, inclusive, afirmou que, tempos atrás, teria sido contra as cotas, mas que a formação compartilhada entre as mulheres lhe permitiu um processo de “reconhecer-se como vítima sem vitimização” e lhe proporcionou o “conforto de não estar sozinha”. 

Que papel teve e tem o Coletivo Nacional de Mulheres Petroleiras para o avanço da participação feminina nas lutas sindicais? 

Quando foram feitas as entrevistas, o Coletivo tinha cerca de 8 anos de existência. Todos/as os/as diretores/as reconheciam a importância do Coletivo para a FUP. Um deles afirmou que existe uma ligação direta entre as necessidades da luta em defesa da categoria e as necessidades da luta pelos direitos das mulheres, considerando que a FUP faz parte de uma esquerda que “quer passar os problemas a limpo”. Além da importância inquestionável para a construção e implementação das cotas, como já mencionei, os/as diretores/as destacaram a trajetória bem sucedida do Coletivo no sentido de trazer mais mulheres petroleiras para o movimento sindical. O Coletivo é o espaço em que as mulheres petroleiras discutem formação, identificam lideranças, traçam estratégias para a disputa de espaços, tanto dentro da federação quanto nos sindicatos. Além do fortalecimento dos pleitos pelas cotas e o aumento efetivo da presença de mulheres na militância sindical petroleira, o Coletivo promove a integração nacional, o que fortalece as dirigentes também a nível local, dentro de seus próprios sindicatos. O Coletivo possibilita, ainda, a construção de um olhar detido aos problemas que inspiram as pautas das mulheres, o que leva a reivindicações que antes sequer existiam. Como eu ouvi durante as entrevistas, as mulheres da FUP não querem ser “eles do outro lado”: elas querem uma nova forma de exercer o poder. A atuação das mulheres na federação, organizadas em coletivo, permite a elas o desenvolvimento de uma pragmática própria, forjada a partir de sua inteligência coletiva.

A pesquisa evidencia que as mulheres petroleiras enfrentam sobrecarga de atividades e ainda precisam provar que são capazes de ocupar posições relevantes na sociedade. Isso impacta o avanço da representação feminina nos espaços de poder?

Com certeza. Uma das diretoras descreveu a presença das mulheres na FUP como um choque, uma novidade que choca aquele espaço. A bell hooks (educadora e ativista norte-americana, considerada uma das principais pensadoras feministas da atualidade, usava esse pseudônimo assim mesmo, em letras minúsculas) tinha uma fala de que eu gosto muito e que pode ser grosseiramente simplificada assim: tem muita mulher com vontade de mudar as coisas mas as suas energias são drenadas porque estão o tempo todo lutando contra a discriminação e a opressão sexista. Eu não pensava em escrever sobre isso mas, depois de ouvir as mulheres, foi inevitável abrir um tópico da pesquisa apenas para discutir o cansaço. Ele estava presente na fala de todas as diretoras, em maior ou menor medida. As viagens, os embates com a empresa, a rotina de mobilização com a categoria, até mesmo as dificuldades de relacionamento na federação… Todas essas são questões que estão presentes e trazem cansaço para a rotina de todo e toda dirigente sindical. Acontece que as mulheres lidam com um cansaço que vai além disso. Desde a roupa que veste até o modo como a voz soa, a mulher está sempre sob análise, encarada por olhos prontos para reprovar a sua presença em um espaço que foi concebido e é movimentado por forças majoritariamente masculinas. Além disso, existe também a dimensão do gasto de energia das mulheres no trabalho de reparar, chamar a atenção, opor-se ao que os homens dizem, como quando existem falas machistas ou piadas misóginas. Audre Lorde (escritora e poeta, foi uma das principais ativistas dos direitos civis e dos movimentos feminista, negro e LGBT nos EUA) afirma que essa tarefa imposta às mulheres no sentido de educar os homens é “uma das mais antigas e primárias ferramentas usadas pelos opressores para manter o oprimido ocupado com as responsabilidades do senhor”. Tudo isso carrega a experiência dessas mulheres de cansaço e, consequentemente, dificulta a sua permanência nos espaços de poder.

Um dos pontos levantados pela pesquisa é a dificuldade de atuação das mulheres em um ambiente “masculinizado e enrijecido”, o que coloca em xeque os afetos e as subjetividades das trabalhadoras e dos trabalhadores. Como isso afeta as relações dentro da estrutura sindical?

Aqui eu começo retomando um pouco do que comentava na resposta anterior. Algumas diretoras falaram expressamente sobre a constante necessidade de adequação de sua subjetividade nos espaços da militância sindical, seja na escolha das roupas, seja na maneira de falar, seja, ainda, na escolha do que falar. Então é evidente que existe um olhar julgador muito forte sobre a mulher e ele dificulta, quando não impossibilita, que ela ocupe aquele espaço de uma maneira honesta com a sua subjetividade. Um efeito prático disso foi abordado por uma diretora. Segundo ela, em reuniões, quando a sua ideia é acolhida pela maioria, é comum que os diretores falem que foi de outra pessoa, pois “nunca lembram que a ideia começou com uma mulher”. Quando, por outro lado, “uma mulher fala besteira”, todos lembram exatamente de onde saiu a ideia. Essas supostas más ideias, então, diferente das boas propostas, sofrem um peso de julgamento muito forte e acompanham as diretoras nas memórias do coletivo.

O machismo aparece em diversas falas dos diretores entrevistados, ainda que alguns reconheçam que lutam constantemente contra esse comportamento. O movimento sindical petroleiro passa por uma forte mudança geracional. O machismo é cultural ou geracional?

Eu acredito que, por sua dimensão cultural, o machismo é atravessado pelos processos históricos e, consequentemente, assume formas diferentes para diferentes gerações. Quando eu fiz as entrevistas, oito dirigentes tinham entre 33 e 40 anos, enquanto quatro tinham entre 52 e 56 anos. É evidente o lapso temporal que divide as gerações que estão na diretoria da FUP. Essa é uma marca da própria categoria petroleira, que impacta as experiências da direção e foi muito destacada nas falas. Foi unânime a percepção de que os homens mais velhos da direção têm maior resistência aos debates de gênero. Muitos diretores, inclusive, afirmaram existir um “machismo muito grande” por parte dessa geração. Para um dos diretores, “os mais velhos não querem nem saber [das pautas feministas]”. As diretoras, por sua vez, destacaram a importância do papel dos homens mais novos, para mostrar para os homens mais velhos que é uma preocupação legítima e que não deve ser um pleito apenas das mulheres. Alguns diretores mais jovens foram efetivamente reconhecidos por seu engajamento na atenção às práticas machistas dentro da federação, em especial nos últimos anos.

A pesquisa apontou que reivindicações específicas das mulheres petroleiras eram consideradas por muitos dirigentes da FUP como “pauta das mulheres”. Trata-se de uma concepção identitária, de respeito ao lugar de fala, ou isso reflete a falta de prioridade com que essas reivindicações foram historicamente tratadas pela categoria, que é majoritariamente masculina?

Infelizmente, é um argumento utilizado para enfraquecer as reivindicações das mulheres. Como acabamos de comentar, existe ainda resistência forte de alguns diretores, embora todos eles tenham afirmado se considerar aliados da luta das mulheres. Muitas vezes, existe um apoio apenas na ordem do discurso; em outras, nem isso, como nesse caso da pauta das mulheres. Um dos diretores afirmou acreditar que não tem “essa preocupação [sobre a opressão de gênero] na cabeça”. Vou resgatar a bell hooks de novo… Ela dizia que, como as mulheres, os homens foram educados para aceitar passivamente a ideologia sexista. E, se eles não precisam carregar culpa por isso, precisam, por outro lado, assumir a responsabilidade que têm para a eliminação do sexismo. A inércia serve à manutenção das estruturas machistas. Um homem que diz apoiar o feminismo mas não se engaja em pautas trazidas pelas mulheres, sempre prioriza outras questões, não pode ser considerado um aliado.

Nenhum dos petroleiros homens entrevistados disse ter sido discriminado no exercício de seu mandato na FUP. Alguns falaram em conflito de geração, mas nunca em discriminação. Já as mulheres, todas alegaram ter sofrido algum tipo de discriminação de gênero. Como o machismo e o sexismo impactam e silenciam as mulheres nos espaços coletivos de militância?

Nas entrevistas, eu busquei ouvir dos diretores e das diretoras se já tinham se sentido discriminados/as no exercício do mandato, seja internamente ou externamente. Das 5 entrevistadas, 4 afirmaram já ter sofrido discriminação, sempre de gênero. Já entre os diretores, a causa mais frequente de discriminação foi a questão geracional, que pesa em prejuízo dos mais novos. Além disso, alguns diretores relataram casos de discriminação por representarem sindicatos fora do eixo RJ x SP, ameaçados pelas políticas de privatização da Petrobras. Se, por um lado, nós não podemos desprezar o viés direcionado da minha pesquisa, considerando que as diretoras sabiam desde o início sobre o que eu pretendia falar, por outro, não podemos deixar de considerar que, mesmo em suas respostas mais longas e detalhadas que as dos homens, as discriminações de gênero que sofreram foram o centro das suas falas. E aqui eu destaco que, entre as diretoras, havia tanto mulheres jovens, quanto dirigentes de sindicatos ameaçados pelo desmonte, mas nada disso apareceu nas suas respostas sobre a discriminação. Pelo que foi compartilhado, é evidente que as discriminações de gênero pesam sobre elas com uma força superior que a das demais. Para uma das diretoras, apesar de haver a presença de mulheres em posições de destaque e embora ela não acreditasse na existência de uma postura mesquinha constante dos diretores, era evidente que a participação das mulheres encontrava resistências internas.