A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e a Câmara Criminal do Ministério Público Federal (MPF) divulgaram terça-feira (20) uma nota conjunta criticando severamente a intervenção federal no Rio de Janeiro, decretada pelo presidente Michel Temer (MDB). Para os órgãos do MPF, o decreto possui várias irregularidades. Além disso, repudiaram as falas dos ministros da Justiça, Torquato Jardim, da Defesa, Raul Jungmann (PPS), e do comandante do Exército, general Villas Boas. Este último defendendo a garantia de que os militares possam agir sem risco de terem de responder a processos por abusos e violações de direitos humanos.
Jardim disse ontem, em entrevista ao jornal Correio Braziliense, que é muito difícil prevenir a letalidade em uma região com 700 favelas e 1,1 milhão de habitantes. “Você vê uma criança bonitinha, de 12 anos de idade, entrando em uma escola pública, não sabe o que ela vai fazer depois da escola”, afirmou. Já Jungmann declarou que o Rio está em guerra e que “os militares não estarão exercendo papel de polícia”. Ou seja, vão atuar como em um conflito armado e não como força de segurança.
“Essas declarações são de extrema gravidade, pois podem produzir o efeito de estimular subordinados a praticarem abusos e violações aos direitos humanos, atingindo de modo severo a população do Rio de Janeiro, que historicamente suporta a violência em geral e a violência estatal em particular. A intervenção não pode ser realizada à margem dos direitos fundamentais”, defenderam os procuradores. “Guerra se declara ao inimigo externo. No âmbito interno, o Estado não tem amigos ou inimigos. Combate o crime dentro dos marcos constitucionais e legais que lhe são impostos”, completaram.
Um dos principais pontos de crítica da nota é a possibilidade de emissão de mandados de busca e apreensão coletivos, sem definição de quem ou que está sendo buscado. Na prática, as Forças Armadas poderiam invadir qualquer moradia ou estabelecimento dentro uma determinada área. “Tal procedimento é ilegal, uma vez que o Código de Processo Penal determina a quem deve se dirigir a ordem judicial. Mandados em branco, conferindo salvo conduto para prender, apreender e ingressar em domicílios, atentam contra inúmeras garantias individuais”, argumentaram os procuradores.
Os órgão do MPF defendem ainda que o interventor federal, general Walter Souza Braga Netto, deve respeitar as leis estaduais do Rio de Janeiro e submeter-se às regulações e regimentos civis, e não militares, durante a vigência do decreto. “A intervenção federal no Poder Executivo estadual é, por definição constitucional, de natureza civil e não pode um decreto instituir uma intervenção militar, sob pena de responsabilidade do próprio Presidente da República que o emitiu”, definiram os procuradores, destacando ainda que este é também o entendimento do Conselho de Direitos Humanos da ONU, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
A PFDC e a Câmara Criminal do MPF ainda apontam que o decreto não esclarece quais as medidas serão adotadas, qual a autonomia de sua ação, quais serão os poderes estaduais limitados, formas de controle. “O decreto ressente-se de vícios que, se não sanados, podem representar graves violações à ordem constitucional e, sobretudo, aos direitos humanos”, pontuam os procuradores. O documento é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat; pela subprocuradora-geral da República e coordenadora da Câmara Criminal, Luiza Frischeisen; e pelos procuradores adjuntos dos Direitos do Cidadão, Domingos Sávio Dresch da Silveira e Marlon Weichert.
No fim da noite de ontem, o Comando Militar do Leste, responsável pelo Rio de Janeiro, emitiu nota informando que a equipe do interventor será divulgada em dez dias e pedindo apoio e sacrifício da população. “Salienta-se que a intervenção é federal; não é militar. A natureza militar do cargo, à qual se refere o Decreto, deve-se unicamente ao fato de o interventor ser um oficial-general da ativa do Exército Brasileiro”, informa um trecho da nota. “O interventor destaca a necessidade da participação da sociedade fluminense nesse esforço conjunto. O processo demandará, de todos e de cada um, alguma parcela de sacrifício e de colaboração, em nome da paz social e da sensação de segurança almejadas.”
Via Rede Brasil Atual