“País precisa ser produtor de bens industriais “, afirma presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC

Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, relata a cobrança da categoria por um novo modelo industrial para a região e o país.

 

Em entrevista originalmente publicada no Blog do Zé Dirceu, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, relata a cobrança da categoria por um novo modelo industrial para a região e o país. “O que está em jogo é uma divisão entre os países que serão produtores de bens industriais e os que serão importadores”, justifica. Líder sindical de uma base de cerca de 100 mil metalúrgicos, Nobre adverte que o Brasil deve se preparar para sediar uma indústria diferente daquela a que estamos acostumados. Para um parque fabril que privilegie as atividades de engenharia, projeto e gestão, em detrimento daquele que se dedica meramente à montagem de produtos. “Na China, quando alguém quer produzir por lá, tem de firmar um compromisso de parceria com o país, sob o controle do governo. No Brasil, não. A empresa pode vir para cá só para a montagem de produtos”, adverte.

Aos 14 anos, filho de metalúrgico, Nobre já frequentava comícios do então dirigente sindical Lula, em meio à efervescência do movimento sindical do ABC. Nos anos 80, começou a trabalhar na Scania como aprendiz do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Em 1986, ingressou na Mercedes-Benz. Duas décadas mais tarde, aos 43, foi eleito para seu primeiro mandato como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Hoje, aos 47, mantém-se no cargo, reeleito.

A entidade que lidera, uma das mais combativas do cenário sindical brasileiro, hoje ostenta uma base bem menor do que os quase 160 mil trabalhadores do início dos anos noventa, quando os impactos da política neoliberal do governo Collor levaram a demissões em massa na região. O ABC, ainda que densamente industrializado, teme, mais uma vez, pelos pilares de sua economia, baseada no setor automobilístico. Principalmente, neste momento em que a produção industrial nacional padece por seis meses seguidos de taxas negativas.

Defensor da presença dos sindicatos nos locais de trabalho, da negociação permanente entre trabalhadores e patrões, Nobre também inclui em sua pauta de luta e reivindicações propostas como o fim do imposto sindical e a criação do Acordo Coletivo Especial (ACE). Confira a seguir o que pensa o dirigente sobre os desafios da relação capital e trabalho, num momento de grandes transformações do nosso país.

 

Confira a entrevista:

Quais são as principais bandeiras do movimento sindical na interlocução com o governo?

O Brasil precisa modernizar relações  relações de trabalho. Vamos ser a 5ª economia do mundo, mas as relações de trabalho ainda são muito perversas no País. Ainda existe trabalho análogo ao escravo por aqui em pleno século XXI. Esta é uma agenda muito importante. Em muitos lugares, o acesso dos sindicatos aos locais de trabalho ainda é proibido. Isso é absurdo. O Brasil é ainda um dos poucos no mundo onde isso acontece.

Também queremos ter uma indústria moderna – outra preocupação nossa. Todo país que conseguiu avançar no social e construiu sistema público bom de educação e dispõe de uma previdência pública tem a indústria inovadora como centro. Ou seja, conta com uma participação importante da indústria na economia. Um país só é forte economicamente se tiver uma indústria forte.

E uma indústria inovadora também deve ter relações de trabalho modernas. Esses dois temas são cruciais para o movimento sindical. O desenvolvimento econômico sustentável, com democracia, e a melhora das relações de trabalho no Brasil. Elas ainda são muito selvagens.

Quanto aos riscos da desindustrialização, como os sindicatos avaliam as medidas do governo?

Nós tivemos uma reunião com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O governo tem tomado medidas no sentido de proteger a indústria. Essas medidas ainda não mexem no ponto central. O que está em jogo é uma divisão entre os países que serão produtores de bens industriais e os que serão importadores. Mas a indústria tem duas fases, a da produção e a da engenharia. A da produção não é criativa. Repete o que Charles Chaplin retratou tão bem: o movimento repetitivo, que paga pouco. O que interessa na indústria – e é isso que está sendo disputado – é a fase da engenharia, da criação, do desenvolvimento dos produtos. As empresas que têm produção no Brasil estão transferindo a engenharia para as suas matrizes. Querem concentrar essa capacidade em seus países de origem. E o que está espalhado pelo mundo é só a montagem dos produtos.

Trabalho de alto valor agregado

Você viu isso de perto.

Vi. Ano passado, eu fui visitar a sede de uma grande montadora na Europa. A empresa concentrou naquele país toda a engenharia e gestão. E espalhou pelo mundo aquilo que agride o meio-ambiente, os processos que comprometem a saúde dos trabalhadores e que pagam menos. Na matriz, a fábrica tem 50 mil trabalhadores: desses 15 mil estão na produção e 35 mil na engenharia e na gestão. Por que os alemães têm custo elevado de mão de obra e não enfrentam o problema de perda de competitividade? Porque se dedicam a um outro tipo de trabalho, que tem alto valor agregado. Eles são engenheiros, técnicos especializados, criam e desenvolvem os produtos. Esse é o caminho que o Brasil tem de percorrer. Na China, quando alguém quer produzir por lá, tem de firmar esse compromisso com o governo chinês, de parceria com o país, de transferência de tecnologia, sob o controle do governo. E exige-se que a engenharia e o desenvolvimento sejam locais. No Brasil, não. Todo novo investimento que chega vem sem esse compromisso. A engenharia local é destinada só à montagem dos produtos.  

Há uma fábrica (interior paulista) de celular, que não produz celular. Seus cinco mil trabalhadores são, na realidade, cinco mil montadores de celular. O produto vem em caixa. Eles o retiram da caixa e o montam. Que tipo de futuro essa indústria tem? Precisamos de um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da inovação, para preparar a nossa indústria para este novo quadro.

Nossa indústria precisa de atenção.

Porque ela não é competitiva. Hoje, parte do problema deve-se ao câmbio. Também precisamos de inovação para valer. E achar uma saída para a questão dos juros – e não estamos falando só na Selic, mas dos juros ao consumidor. É um absurdo você ter inflação de 4,5% e o trabalhador pagar 300% de juros no cartão de crédito. Ou financiar um relógio em dez vezes e, em vez de pagar um, pagar dois, três relógios ao final do financiamento. Temos de encarar essa discussão com os bancos. Esse debate  mais estratégico não está sendo feito. Aumentar a alíquota do IPI dos importados é uma medida só para segurar um pouco a invasão de produtos, emergencial, de fôlego temporário. Na hora em que passar o seu efeito, nós nos veremos com o mesmo problema de falta de competitividade, de novo.

Sérgio, você é filho de metalúrgico e desde os 14 anos trabalha neste setor. Hoje, presidente reeleito de um dos mais importantes sindicatos do País, como avalia a luta sindical nos últimos dez anos? O que mudou?

A mudança principal foi o direito – conquistado com muita luta na Região do ABC – de organização do movimento sindical no local do trabalho. O ex-presidente Lula dizia que para você mobilizar a categoria, precisava de, pelo menos, quatro meses para iniciar o processo, com muita discussão com os trabalhadores. Hoje, como o sindicato está dentro das fábricas, é possível uma mobilização em dois dias.

Outra mudança importante foi a negociação permanente. Muita gente não entende por que durante a negociação dos dissídios havia muitos conflitos. Isso acontecia porque não havia nenhum outro canal de comunicação entre empresa e trabalhadores. Então, toda demanda destes – e não eram poucas – ia represando, represando, até que um dia isso explodia no portão da fábrica. Com a criação das representações sindicais no local de trabalho, composta por trabalhadores eleitos pelos demais criamos condições para uma negociação permanente. Há um canal para solucionar toda a demanda que surge. Quanto mais diálogo, menos conflitos localizados acontecem.

Houve mudanças, também, na agenda trabalhista. Há 30 anos, a agenda resumia-se praticamente à data-base, quando é negociado o aumento salarial e as cláusulas econômicas. Não era possível discutir com o patronato nada mais. Hoje, a discussão é muito mais complexa. Além do salário e das questões do trabalho, tratamos de novos investimentos, o futuro da indústria e seus desafios. Hoje os trabalhadores têm lugar nos conselhos diretivos mundiais das empresas. Aliás, esta é a pauta do momento.

Espaços de negociação resultam em menos conflitos

Como você avalia críticas dos que dizem que a CUT e o próprio sindicato que você dirige hoje são governistas?

É um absurdo. Fazíamos mais movimentos no passado, porque não tínhamos um canal para dialogar. É igual criança: ela tem uma necessidade, não consegue falar, chora para chamar a atenção. Os trabalhadores tinham necessidades – que não eram poucas. E como não contavam com um canal para apresentar suas reivindicações negociar, o único meio de expressar as suas demandas era ocupando as ruas. Quando os espaços para a negociação são criados é natural que haja menos conflito. Existe uma diferença fundamental entre os governos anteriores e os do presidente Lula e Dilma: os dois últimos dialogam com o movimento social. Neles o trabalhador, as centrais, os sindicatos ganharam protagonismo, participam dos fóruns de debates e decisões. Antigamente, quando íamos para a Brasília, no governo Fernando Henrique Cardoso, quem nos recebia era a polícia. Hoje, somos recebidos pelos ministros. Se os nossos diálogos terminam em acordo e entendimento é outra história. Nós reclamamos e nem sempre conseguimos construir acordos razoáveis, mas o diálogo existe. Eu prefiro essa relação. E é bom dizer que o governo nunca nos pediu para deixar de reivindicar. E nós, tampouco, jamais deixamos de fazê-lo por estarmos diante de governos que  ajudamos a eleger. Cada um tem o seu papel, Estado é Estado, movimento sindical é movimento sindical, e não abrimos mão de reivindicar, seja qual for o governo.

Muito se fala sobre Acordo Coletivo Especial (ACE). O que é isso e quais as mudanças que pode trazer, concretamente, à vida dos trabalhadores brasileiros?

Todos reconhecem que a maneira mais moderna de se resolver os problemas que surgem na relação capital-trabalho é negociação direta. Temos, hoje, dois instrumentos para negociação: a convenção coletiva, negociada uma vez por ano, envolvendo toda a categoria em discussão salarial; e o acordo coletivo, feito entre o sindicato e uma determinada empresa ou um conjunto de empresas, para resolver questões específicas daquele local de trabalho. Mas, esse acordo precisa ter base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Como existe um descompasso enorme entre o que está na CLT e o que acontece, de fato, no mundo do trabalho.

Por mais que tentemos adequar e modernizar a CLT, esta é uma legislação de uma época em que nem tinha indústria direito no Brasil, que era um país agrícola. E todo acordo feito entre as partes que, de alguma forma, esbarra na CLT gera insegurança jurídica. É comum fábricas serem autuadas pelos fiscais do trabalho por questões acordadas. Eles dizem que o acordo não pode se sobrepor à legislação. Assim, há propostas inaplicáveis.

Você pode dar um exemplo?

Há um direito na CLT relativo às mães em fase de amamentação. Ele prevê que, nos primeiros seis meses de vida do bebê, a mãe tem dois períodos de meia hora para amamentá-lo durante a jornada de trabalho. Mas, isso se referia a uma época em que a mãe trabalhava ao lado da empresa.  Ela atravessava a rua, amamentava seu filho e voltava para a fábrica. Hoje, a mãe trabalha em São Bernardo e mora em São Paulo. Nós resolvemos dar efetividade a esse direito no ABC somando esses períodos de amamentação ao longo de seis meses, o que equivale a 15 dias de trabalho. Eles foram acrescentados à licença maternidade. Em tese, isso, apesar de ser razoável, não é possível, porque seria uma alteração da lei.

Não é que a lei esteja errada, mas existem especificidades que você precisa resolver e adaptar. O nosso projeto, portanto, é criar um terceiro instrumento de negociação, o Acordo Coletivo Especial (ACE).

O diálogo com o empresariado melhorou bastante

Ou seja…

Ele permite fazer uma adaptação da legislação quando estamos diante de uma realidade muito específica de uma empresa, para dar efetividade àquele direito já previsto na lei. Mas o acordo não pode ser feito por qualquer sindicato, nem por qualquer empresa. O sindicato tem de comprovar que é representativo, que tem uma representação sindical naquela empresa, que dispõe de 50% mais um dos trabalhadores filiados a ele. E a empresa deve ter um histórico de respeito à organização sindical. Precisa provar que o sindicato está presente no ambiente de trabalho e que não interfere em sua organização. Apenas nesses casos, a empresa e o sindicato estariam habilitados a construir o ACE. Isso seria fiscalizado pelo Ministério do Trabalho.

Quais foram os avanços dessa negociação?

A maior sacada do acordo (ACE) foi dar poder para o sindicato fiscalizar. Não tem fiscal do trabalho melhor do que o próprio trabalhador quando ele está investido desse poder. Ao constituir as representações, tenho certeza de que o sindicato vai fiscalizar e não deixar aquelas situações se repetirem. E isso é bom para o País e para o empresariado também. Imagine quem tem uma empresa e recolhe direitinho seus encargos, impostos e compete com outra empresa que não faz nada disso? Que não registra em carteira? É uma competição desleal. As empresas têm de competir na tecnologia e nos preços. E não naquilo que avilta o trabalhador. Isso não pode ser um fator de competitividade.

E qual o papel do governo nessas negociações?

Estimular o diálogo entre capital e trabalho e equilibrar essa relação. Porque um lado pode tudo e o outro não pode nada? É preciso equilibrar o lado mais fraco para que este diálogo aconteça. E isso é possível quando o governo cria as representações dos sindicatos, quando estimula a presença do sindicato nos locais de trabalho.

Melhorou a relação com o empresariado nos últimos 20 anos? Como o ABC convive com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP)?

O diálogo melhorou bastante. Avançou a ideia de que em uma sociedade moderna a gente tem que dialogar. Mas, o movimento sindical carece, ainda, de representatividade. E isso vale tanto para os trabalhadores quanto para os empresários.

O fim do imposto sindical resolveria isso? Porque o sindicato para ter representatividade e cobrar uma contribuição teria de estar ao lado do trabalhador prestando serviços…

O imposto sindical é um grande mal. Houve a tentativa de modernizar as relações de trabalho no Brasil com a constituição do Fórum de Trabalho no governo do presidente Lula. Saiu um belo projeto dali, mas foi derrotado a partir de uma aliança feita entre os empresários. Muita gente acusa os trabalhadores de terem derrotado a proposta do fim do imposto, mas não foi o que ocorreu. Há muita gente do setor patronal pendurada no imposto sindical. É muito comum chegar num sindicato patronal e encontrar presidente, cuja empresa já faliu há muito tempo, representando o setor. Ou o dirigente é um aposentado que não tinha como viver da aposentadoria e foi colocado ali, sem ter qualquer relação com a sua base. Isso também acontece nos sindicatos dos trabalhadores. Muitas vezes o presidente do sindicato está fora da empresa há mais de 20 anos, não conhece mais o processo de produção, não tem mais relação com ninguém.

Grau médio de sindicalização no Brasil ainda é de 18%

Você diria que há um quadro de baixa representatividade?

Em alguns casos, sim. Daí a descrença na negociação coletiva.  Na hora de estimular as negociações coletivas encontramos, de um lado, o sindicato patronal que não representa a indústria e, de outro, o de trabalhadores que não os representam. Isso é muito ruim.

O índice de sindicalização no Brasil hoje…

É de 18%, mas está crescendo. É um dos poucos casos do mundo em que está crescendo. Mas ainda é um índice muito baixo. Na nossa categoria (metalúrgica) ela é de 80%. Nas grandes categorias, nas mais dinâmicas, a exemplo das dos bancários e dos químicos, este índice está acima de 50% de sindicalização.

 

Mesas de negociação têm sido organizadas em muitos setores, como o sucroalcooleiro. E, agora, também no setor das grandes obras. Elas são compostas entre governo, trabalhador e empresário. Qual sua avaliação dessas tentativas de acordo?


São muito boas. Eu fiquei muito feliz com o acordo da construção civil, porque o conflito que aconteceu nas obras da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira (RO), é o retrato do que ocorre com as relações de trabalho no Brasil. Em uma obra importantíssima como é aquela para o país, havia trabalhadores sem uniforme, sem banheiro… E quando iam receber o salário, o desconto era maior do que o que deveriam ganhar, o trabalhador fica devendo.

Isso é absurdo.

E quando o sindicato ia cobrar da empreiteira, ela dizia que a responsabilidade não era dela, mas das empresas terceirizadas. Isso não pode acontecer no País.

2,5 milhões de ações trabalhistas por ano

E como você avalia a Justiça do Trabalho?

Suas decisões têm sido mais pró-trabalhador. Mas, ao contrário do que muita gente pensa, no Brasil a Justiça do Trabalho não é boa para o trabalhador. Imagine um cidadão que ficou 20 anos numa empresa e sofreu um dano. Ele só poderá entrar com uma ação quando sair da empresa. Se o fizer antes, perde o emprego. Se ganhar o processo, ele só terá direito sobre o que retroagir por cinco anos. Mas se trabalhou no local por 20 anos, perdeu os direitos sobre os primeiros 15 anos.

Pior. Em média, para ganhar um processo trabalhista, o cidadão aguardará oito anos. Se estiver desempregado, ele não aguenta esperar todo esse tempo. Assim, geralmente, o trabalhador faz um acordo no primeiro ano, para receber metade a que tem direito. Dessa metade, ele ainda paga de 20% a 30% para o advogado. Essa é a Justiça do Trabalho.

O que seria o ideal?

O bom seria o trabalhador não sofrer o dano. É por isso que o sindicato tem de estar no local de trabalho. Se o problema nasceu ali, é importante encontrar ali mesmo a solução para não virar ação. Hoje são 2,5 milhões de ações por ano.

A maior parte é sobre o quê?

Carteiras que não foram registradas, fundo de garantia (FGTS), o não pagamento de férias. São direitos que já estão previstos na lei. A Justiça do Trabalho deveria ser acionada para quando o direito fosse duvidoso, não nesses casos.

E a ideia das arbitragens evoluiu?

Não evoluiu. Uma iniciativa muito positiva foi desmoralizada. Funciona na nossa região com as comissões de negociação prévia. Começaram a criar as comissões de arbitragem com ex-juízes classistas. Eles viram nestas comissões uma possibilidade de emprego. E começaram a fazer conciliações com 1/3 dos direitos dos trabalhadores. Aquilo foi formando uma imagem negativa, virou uma máfia, um espaço onde os direitos dos trabalhadores eram leiloados e não evoluiu. Uma ideia boa, mas executada por gente ruim. Na nossa categoria as representações sindicais no local de trabalho funcionam bem. Elas têm esse papel de negociar os casos antes de os trabalhadores irem à Justiça. Na maior parte dos casos dá acordo.

A formação profissional é muito cara

Como você avalia a formação de mão de obra, a qualificação e a educação dos trabalhadores, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)…

 

Nós tivemos uma briga com o SENAI recentemente. O serviço começou a cobrar cursos e a elitizar. Isso se deu, em especial, no SENAI de São Paulo. Se estivéssemos falando de cursos de formação superior… Mas no SENAI  há cursos de formação básica. Imagina se o Lula tivesse de pagar para fazer um curso de torneiro mecânico no SENAI na época em que ele fez (1963)? Jamais seria metalúrgico e, depois, presidente da República, porque não teria condições de pagar.

E estão cobrando por esses cursos em um momento em que, justamente, o País precisa investir pesado em formação técnica e profissional…

Por sinal, essa formação profissional é muito cara. Não é como formar economista, quando bastam uma lousa e cadeiras. Para formar técnicos para a indústria são necessários laboratórios, máquinas, equipamentos de última geração. Há escolas técnicas na Região do ABC que cobram R$ 1.200,00 por mês para formar profissionais. Quem pode pagar isso? É proibitivo.

O ABC tem escolas federais?

Nós estamos reivindicando uma escola técnica federal para lá. Temos, por enquanto, cursos de baixa duração que são de três a seis meses, que fazemos em parceria com o SENAI. Entre eles, o de Matemática Básica. Você não imagina a procura que tem para esse tipo de curso, porque as pessoas saem dos ensinos fundamental e médio sem saber as operações básicas.

Como se fosse uma espécie de reforço escolar…

Exatamente. É muito disputado. São 300 vagas para 1,5 mil alunos inscritos. É que, para fazer o curso técnico, o trabalhador tem de dominar as operações de matemática. Hoje, no ABC, temos esses cursos de baixa duração e, na outra ponta, a Universidade Federal do ABC. O que nós vamos fazer? Criar uma escola de Ensino Médio Técnico que fará a ponte entre as duas. A pessoa entra nos cursos de baixa duração, faz o ensino profissional e técnico de 2º grau e tem o acesso à Universidade Federal do ABC.

Os sindicatos foram chamados para discutir o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC)?

Fomos. Inclusive nós no ABC estamos tentando fazer a nossa escola com recursos do PRONATEC. É uma iniciativa extraordinária, muito importante para o Brasil. O futuro da Região do ABC enquanto área industrial passa por ter uma indústria que trabalhe com maior valor agregado. Ou seja, com aquilo que eu já mencionei: engenharia, ferramentaria, gestão. Para isso é preciso uma mão de obra preparada. Não basta só contar com montador. Estamos falando de um outro tipo de mão de obra. Como fazem os alemães, precisamos investir pesadamente na qualificação.

O Brasil já está pronto para a jornada de 40 horas

Como você vê a redução da jornada de trabalho, um tema tão polêmico na Europa e no Canadá? Há a experiência francesa e aqui esta é uma das principais bandeiras da CUT. O empresariado é contra?

O empresariado é contra, sim. E o seu argumento é que neste momento em que a indústria brasileira está em uma encruzilhada e não tem competitividade, perder quatro horas na semana é um pesadelo. Se você olhar para esse quadro, de fato, o que argumentam faz sentido. Mas, no ABC, nós temos jornada de 40 horas há mais de 15 anos. Como conquistamos isso? Com o compromisso de que quando você tem uma queda na demanda, as pessoas trabalham menos; mas quando a demanda cresce, as pessoas trabalham mais.

Se formos nos ater à CLT…

Isso não seria possível.

O banco de horas está fora.

Exatamente. Ele está bastante limitado pela CLT…
A história mostra que quem conquistou a jornada de 40 horas chegou lá de maneira gradativa. Não foi de uma vez. Se caísse meia hora por ano, nós já estaríamos com uma jornada de 40 horas há tempos. Essa é uma discussão que tem mais de 20 anos. Agora, baixar quatro horas de uma vez é muito pesado para a indústria. Não tem como fazer. É preciso haver um entendimento – acho que mais das centrais, do que do governo – que esse processo tem de ser gradativo. O governo precisa se preparar para isso. E boa parcela do empresariado também. Até porque, quando o presidente Lula assumiu, seus representantes achavam que a nova carga horária seria imposta pela caneta.

 

Não fosse a crise internacional, o Brasil já estaria maduro para as 40 horas.

Exatamente. O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT/RS, montou um grupo com empresários e sindicalistas para discutir a pauta trabalhista no Congresso. Nela, constam os temas das 40 horas e a terceirização, entre outros. Mas o debate das 40 horas deveria estar centralizado no Ministério do Trabalho. Lá é que é o lugar dessa agenda. Não acho que a discussão deva ser travada no Congresso, porque isso enfraquece o Ministério do Trabalho. Agora, a agenda foi pulverizada. E isso é muito ruim.

“É preciso diversificar a economia local”

Recentemente saiu uma matéria sobre a cidade de São Carlos (SP) que está em um momento excelente com perspectivas de se transformar em um polo tecnológico. Também há um momento parecido em São Bernardo, com o Luiz Marinho, nosso prefeito. Ele levantou essa questão, de São Bernardo também ser um polo de tecnologia. Essa é uma discussão que precisa ser feita. O ABC está próximo à Baixada Santista que, com o pré-sal e o novo porto, o aeroporto, o turismo ganha novas vocações.

Nós já fizemos vários seminários, inclusive, com a presença da Petrobras. Temos na Região uma cadeia de empresas menores para as quais as atividades do pré-sal seriam uma saída importante. O problema é que ninguém consegue se credenciar na Petrobras. São tantas as exigências que até empresa grande não consegue. Além disso, nós estamos vivendo um outro drama: o esvaziamento na Região dos setores de caminhões e de logística. Nós, dos sindicatos, e as prefeituras fizemos um trabalho muito forte para reverter os impactos desse fenômeno. Sabemos que é preciso diversificar a economia local. Não podemos ficar só dependendo de automóveis. É hora de buscarmos outros segmentos.

Estamos perto da Rio + 20. Como você vê a questão ambiental no ABC, o processo de favelização na Região, o problema dos lixões? Houve avanços nessas questões?

É difícil você conciliar desenvolvimento econômico com preservação do meio ambiente. O Rodoanel foi uma obra importante para nós em termos de logística. Nós o defendemos a vida toda. Mas sempre fomos alvo de crítica dos ambientalistas. Eles alegavam que o dano ambiental seria grave. E eu pensava: “mas será?”. E é. Quando se coloca uma estaca daquele tamanho no meio da Represa Billings, aquilo faz um estrago… E não só um pedacinho, mas há impactos em todo o entorno.