OBAMA, CRISE E CONFERÊNCIA DO CLIMA


A vitória de Barack Obama lembra o que significou, no Brasil, a primeira vitória de Lula para a Presidência, como se pode ver na esperança e na emoção popular. Guardadas as devidas proporções, o Partido Democrata não é de esquerda como era o PT, Obama não tem origem operária como Lula, nem o Brasil é desenvolvido como é os Estados Unidos.

 

A crise financeira desencadeada nos EUA se alastrou pelo mundo e já reduziu os PIBs de alguns países, até mesmo o norte-americano e o inglês. No Brasil, alguns analistas econômicos na mídia e os cúmplices do mercado desregulado continuam a mesma cantilena: pedem aumento do superávit primário destinado ao pagamento de juros ao sistema financeiro com o dinheiro dos impostos cobrados da população. Para isso, pedem corte de gastos públicos. Parece um rock de uma nota só, pois não cantam samba por ser nacional. Entre eles, há quase uma unanimidade. Declamam o mesmo texto, afinados como um jogral e regidos pela mão invisível de um maestro visível: o mercado financeiro que levou a economia mundial à crise. Tenho dúvidas se esses analistas escrevem na mídia porque pensam assim ou se pensam isso porque escrevem na mídia.

 

Em reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) com o presidente da República, ainda em outubro, como membro do Conselho da Sociedade, pedi a Lula que não se intimidasse com o que dizem os economistas neoliberais e olhasse para frente. É o que recomenda o Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman, a Obama. Ouvi do comandante de um navio em meio a uma tempestade, atravessando o Golfo dos Leões, que a coisa certa a fazer é colocar a proa contra as ondas e seguir em frente até sair da tormenta.

 

Não se deve, em meio a uma tempestade, arriscar adernar o navio, permitindo que as ondas incidam de lado sobre ele. Entretanto, pedem nessa crise que o comandante desligue as máquinas, deixando o barco à deriva no mar revolto, sob o impacto das ondas do mercado financeiro.

 

Pedem corte de gastos públicos e do crédito à população, redução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa Bolsa Família, bem como corte de investimentos da Petrobras no petróleo do pré-sal. O preço do barril do petróleo caiu de mais de US$ 140 para menos de US$ 70 em outubro, mas, há poucos anos, estava a US$ 40, valor que viabiliza os investimentos da Petrobras no pré-sal. Logo, pode cair mais, sem, por isso, interromper o investimento em Tupi, que foi iniciado há algum tempo, tornando-o irreversível economicamente. E, mais do que nunca, é necessário mudar o atual regime de concessão e dar ao Estado maior controle do petróleo, cujo preço voltará a subir no futuro.

 

Em meio às lamentações  pelas perdas nas bolsas de valores, existe uma euforia expressa em certos artigos na imprensa quanto aos efeitos da queda do preço do petróleo nos países produtores, pois pode inviabilizar políticas de transferência de renda para a população pobre nesses países. Chamam de populistas essas políticas, mas pedem dinheiro do Estado para os bancos.

 

Na edição de 26 de outubro do jornal francês Libération, há uma interessante entrevista de Francis Fukuyama, norte-americano descendente de japoneses que se tornou famoso por causa de um artigo escrito em 1989, no qual propugnava que, com a queda do Muro de Berlim, a história acabou, com a vitória do capitalismo sobre o socialismo. Embora rotulado de neoconservador e ex-integrante do governo Reagan, cuja política neoliberal defendeu, com todas essas anticredenciais ele declara que `é hora de dar a vez aos democratas (Obama) e a uma política que caminhe na direção de menos mercado e mais Estado`.

 

Uma outra reportagem, publicada em outubro pelo Le Monde, mostra que os fabricantes de automóveis foram fortemente atingidos pela crise, pois as vendas de carros caíram, e que esses veículos deverão ser sujeitos a uma forte regulamentação nacional e internacional, entre outras razões, por conta de sua enorme contribuição para a intensificação do aquecimento do planeta pelo efeito estufa.

 

No Brasil, o governo está elaborando um Plano de Ação de Mudança do Clima. Entre outros pontos em discussão, não menos importantes, enfatizo dois deles pela dimensão e pelo impacto que têm nas emissões brasileiras: definição de meta para a redução do desmatamento e incremento do uso de fontes renováveis e de conservação de energia, incluindo o setor elétrico.

 

Houve uma manifestação do ministro Carlos Minc, para levar o Plano de Ação à próxima conferência da Organização das Nações Unidas sobre mudança do clima na Polônia. Dessa forma, pretende-se que o Brasil possa influir na reunião e cobrar dos países desenvolvidos o cumprimento de seus compromissos de redução de emissões. Isso pode ser particularmente relevante, logo após a eleição de Obama, com a perspectiva de que os EUA reformulem sua política de mudança climática, marcada pela não-ratificação do Protocolo de Kyoto no governo Bush.

 

Ademais, a possibilidade de levar o Plano de Ação do Brasil à Conferência do Clima já está gerando expectativa internacional entre os negociadores da convenção, conforme foi discutido na última reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, realizada no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no fim de outubro.

 

Deve-se fortalecer a posição diplomática do Brasil na Presidência da Comissão do Road Map, formada na Conferência de Bali, que, entre seus objetivos, incluiu que países em desenvolvimento possam vir a ter ações voluntárias quantificáveis e verificáveis de redução de suas emissões.

 
 

Publicado originalmente: Jornal do Brasil (09/11/2008).