Romanceada pelos filmes de bang-bang, a conquista do Oeste americano e sua intensa troca de tiros e matança de índios ficou marcada como uma luta ferrenha de mocinhos contra bandidos, onde a estrela conferia autoridade ao xerife para pôr ordem naquela terra sem lei. Íntimo dos banqueiros e dos donos da ferrovia – o principal meio de comunicação da época – o xerife quase sempre legislava em causa própria, a favor de seus senhores.
Passados quase duzentos anos, a decisão do Supremo Tribunal Federal de acabar com a lei de imprensa impõe ao país a mesma lógica do faroeste, conferindo carta branca aos monopólios de comunicação, que dominam quase completamente o espectro audiovisual e a formatação de idéias e informações no país. Aquela era uma lei dos tempos da ditadura militar, que tanto combatemos, e precisava ser completamente reformulada. Mas, infelizmente, o que se fez foi conferir aos meios de comunicação os mesmos poderes discricionários da época.
Revogada por sete dos 11 ministros do STF, a lei da imprensa determinava penas maiores para os crimes de calúnia e difamação do que o código penal, sendo um anteparo contra os abusos dos donos de meios de comunicação que, agora, se veem sem freios.
Como alertou o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo, a ação desta mídia "pode ser destrutiva de pessoas públicas e privadas, como temos assistido neste país".
Na prática, ficaram ainda mais vulneráveis os que são bombardeados cotidianamente pelos mísseis dos anti-valores políticos, ideológicos e culturais, via rádio, televisão, revista e jornal. Uniformizando o discurso, nos impõem padrões de comportamento que exacerbam a violência, o consumismo e o preconceito.
Desta forma, ao contrário de se investir no fortalecimento de uma imprensa livre, diversa e plural, a decisão do STF fomenta ainda mais os vínculos político-financeiros entre os donos dos meios e seus financiadores, ao negar o direito de resposta a quem é atacado. Uma luta "livre" entre um peso pesado e um mini-mosca, a quem é conferido o direito de apanhar e ser hospitalizado.
Agora, os pedidos de resposta – mais do que necessários diante dos reiterados abusos praticados cotidianamente por meios de comunicação que reduziram a informação a um negócio qualquer – ficarão à mercê da interpretação de juízes, à luz do parágrafo 5º da Constituição, que assegura muito genericamente o "direito de resposta, proporcional ao agravo" e indenização por eventuais danos.
Como declarou o secretário de Comunicação da Presidência, Franklin Martins, existem aspectos que lidam com direitos individuais e a pessoa tem que poder buscar reparação. "Do jeito que está, cada juiz vai decidir de uma forma e isso não é bom", afirmou.
Na mesma linha, alguns ministros defenderam a manutenção dos artigos 20, 21 e 22 da lei de imprensa, que tratam dos crimes de injúria, calúnia e difamação. "O tratamento em separado dessas figuras penais quando praticadas através da imprensa se justifica em razão da maior intensidade do dano causado à imagem da pessoa ofendida", declararam, frisando que a fixação de normas para regular estes temas é necessária para que o Estado possa garantir tratamento igualitário entre os cidadãos. O mesmo vale para a questão do enfrentamento aos preconceitos, advertiram: "suprimir pura e simplesmente as expressões a eles correspondentes equivalerá, na prática, a admitir que, doravante a proteção constitucional, a liberdade de imprensa compreende também a possibilidade de livre veiculação desses preconceitos sem qualquer possibilidade de contraponto por parte dos grupos sociais eventualmente prejudicados".
Cabe agora ao Congresso Nacional correr atrás do prejuízo, antes que seus parlamentares e a própria instituição virem presa desta armadilha.
Assim, ao lado da FNDC, do Intervozes, da Fenaj e de tantos parceiros dos movimentos sindical e social, estaremos mobilizados pela aprovação de uma nova lei que regulamente o setor, pondo freio a eventuais abusos. Da mesma forma, defenderemos que a I Conferência Nacional de Comunicação seja um espaço onde a sociedade debata e faça ecoar o compromisso com a construção de meios públicos e comunitários que possibilitem a disputa de hegemonia com o retrocesso, democratizando a comunicação e o país.