Em entrevista à Central Única dos Trabalhadores (CUT), o secretário geral do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Energia e Petróleo da Venezuela, Tony León, defende a luta pela soberania energética em todo o continente latino americano. O sindicalista venezuelano é também coordenador do Comitê Internacional do Foro Latino Americano dos Trabalhadores de Energia, do qual a FUP faz parte. Além de destacar a experiência da nacionalização dos recursos minerais em seu país, Tony León também fala sobre a unidade da classe trabalhadora contra o imperialismo, o fortalecimento dos governos populares, a integração do Continente, a solidariedade internacional e o investimento na formação político-ideológica-sindical.
Como o Foro Latino Americano dos Trabalhadores de Energia vê o atual momento político brasileiro de mobilização por uma nova lei do petróleo?
Com profunda identidade e muita esperança. O Brasil é um país imenso e uma mudança no marco regulatório do petróleo, uma mudança que fortaleça cada vez mais a nacionalização e a estatização desta riqueza, particularmente agora com a descoberta do pré-sal, significa muito para os povos do nosso Continente. Nos identificamos plenamente com a luta da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e da Central Única dos Trabalhadores, em conjunto com as demais centrais e movimentos sociais, para garantir o pleno exercício da soberania energética, reconhecida como um direito fundamental. Temos a convicção de que a mobilização do povo brasileiro será vitoriosa, pressionando os parlamentares para garantir avanços significativos. A energia é o motor da integração e deve ser preservada como patrimônio dos povos, não de empresas multinacionais.
Nos conte um pouco sobre a experiência venezuelana.
Desde 1998, na Venezuela, foi lançada uma campanha para que se modificasse os termos da Constituição de 61. Com intensa participação popular, a Assembleia Constituinte adequou a nossa lei orgânica de hidrocarbonetos aos novos tempos, virando a página do entreguismo, que era a marca dos governos anteriores. Diferente daqui, onde parcela dos deputados e senadores conspiram contra o interesse nacional, lá tivemos o Congresso unânime para garantir uma empresa 100% estatal, convertendo definitivamente a renda petroleira em benefícios diretos para a população, melhorando a saúde, a educação, a agricultura e a infraestrutura do país. Como vocês aqui, tomamos a decisão de não seguir permitindo a continuidade do sistema de concessões, pelos quais o cartel estrangeiro passa a administrar uma riqueza estratégica. Foi esta mudança que permitiu ao povo venezuelano tomar as rédeas do processo.
Efetivamente um marco na história do país.
É evidente. A história da Venezuela se divide antes e depois da chegada do presidente Hugo Chávez ao poder. Ele se elege pela primeira vez em dezembro de 98 e toma posse em fevereiro de 99. Até então, nossas reservas petrolíferas eram entregues em diferentes "convênios" associativos. Tínhamos a presença de todas as multinacionais do mundo, que se aproveitavam da situação, pois quase não pagavam impostos. Era uma política desenhada pelo imperialismo avalizada pela oligarquia em frontal violação à nossa soberania. Para se ter uma idéia, quando havia alguma pendência jurídica o julgamento era feito nos tribunais internacionais, não sob as leis venezuelanas. Então decidimos que o petróleo era nosso e que nós mesmos iríamos administrá-lo, respeitando os investimentos feitos pelas empresas. Três multinacionais não aceitaram isso e a Esso, por exemplo, foi aos tribunais internacionais, com uma campanha bárbara e criminosa contra a Venezuela. Saímos vitoriosos e a PDVSA, nossa empresa estatal petrolífera, absorveu todos os trabalhadores terceirizados da Esso.
O que havia até então era um verdadeiro assalto aos recursos petrolíferos.
Podemos dizer que os ingressos procedentes da renda petroleira eram efetivamente muito poucos, ínfimos. Isso não mudou até 2002, pois havia uma gerência que era como um quisto na PDVSA, respondendo aos interesses das multinacionais. Em abril de 2002, com o locaute-sabotagem petroleiro, que foi o primeiro golpe contra o governo bolivariano, isso começou a mudar. A paralisação da PDVSA teve um alto custo econômico, com o país perdendo mais de 20 bilhões de dólares, a produção caindo de 3.150 barris de petróleo para apenas 25 mil em dezembro daquele ano, quando 20 mil funcionários saíram da estatal. Naquele momento a solidariedade e o apoio técnico brasileiro jogou um papel decisivo, quando nosso país deixou de ser exportador para importador de gasolina. As filas eram intermináveis, pessoas morreram pois não tinham como se deslocar até os hospitais. Muita gente ficou sem gás para cozinhar. A armação golpista teve um alto custo econômico, mas nos recuperamos. A tecnocracia investiu naquele golpe de estado, articulada com a central da oligarquia, a CTV, a entidade empresarial Fedecámaras e o imperialismo norte-americano atuando naquele 11 de abril de 2002 para depor o presidente Chávez. Dois dias depois, uma aliança cívico-militar devolveu ao povo a presidência. A partir daí nacionalizamos o petróleo. Antes quem tirava era o administrador do bem, havia muita corrupção. Hoje é o governo venezuelano quem tem o controle, o capital acionário, quem conduz, comercializa. Hoje, o Estado fica com 50% do imposto da renda petrolífera e 33% dos dividendos. Há um Fundo Especial que administra estes recursos para dar melhores condições de saúde, educação, alimentação e infraestrutura ao nosso povo.
Como isso se dá, concretamente?
Para enfrentar emergencialmente muitos dos graves problemas sociais herdados, temos em nosso país programas sociais que chamamos de Missões. É uma ação conjuntural, de reestruturação do aparelho de Estado. Temos a Missão Robinson, com o apoio do heróico povo cubano, de atenção à educação básica primária, onde alfabetizamos um milhão e meio de venezuelanos que não sabiam ler nem escrever, inclusive adultos de mais de 70 anos. A Missão Ribas, que investe na educação média, com a qual já formamos mais de 600 mil bacharéis. A Missão Sucre, voltada à educação superior, com investimentos na criação de novas universidades, como a Universidade Bolivariana da Venezuela e das Forças Armadas, que agora estão abertas ao povo. Temos um milhão de novos jovens venezuelanos na universidade, disseminando o conhecimento por todo o país. Além disso, todos os estudantes das missões Robinson e Ribas recebem ajuda financeira, assim como parte considerável dos estudantes da Sucre.
Resultados palpáveis, principalmente para a população mais pobre.
Este é o compromisso primeiro. Também em convênio com os companheiros cubanos temos os programas Bairro Adentro I, II e III, com atenção médica primária à população mais pobre, com a participação de cerca de 30 mil médicos e enfermeiros. Temos um consultório em todos os bairros de Caracas e na zona rural, se entrega gratuitamente medicamentos, se construíram Centros Integrais de Diagnóstico, com os melhores equipamentos, se criou a Universidade Latino-Americana de Medicina, nos mesmos moldes da existente em Cuba, que é referência de medicina social, se estruturou o Hospital Cardiológico Infantil, se investe muito em fisioterapia.
E a questão alimentar?
Nosso país tem sido historicamente um importador de alimentos. Hoje, tentamos mudar esta realidade, utilizando os recursos provenientes do petróleo para garantir nossa soberania alimentar. Além do programa de alimentação Missão Mercal, que está disseminado pelo país, com produtos subsidiados à população, temos o PDVAL, que conta com a estrutura da PDVSA, para derrotarmos a campanha de desabastecimento promovida por setores da elite e dos latifundiários e multinacionais, que já assassinaram 130 camponeses nesta luta por alimento barato, por reforma agrária, por apoio à agricultura familiar. Estamos investindo na agroindústria, no processamento de alimentos como leite e milho, contando com o apoio técnico do Irã; na indústria de máquinas agrícolas, com o auxílio da Argentina, do Brasil e da Bielorrússia, e ampliamos o investimento em centros genéticos para a produção de sementes. Estamos também investindo em empresas nacionais de cimento e siderurgia, que são áreas estratégicas para o nosso desenvolvimento, para prover materiais para as pontes sobre o Rio Orinoco, para o plano de expansão ferroviária e metroviária. Podemos dizer que se antes a riqueza do petróleo semeava pobreza e miséria, hoje ela constrói um novo país mais justo, humano e igualitário. Para nós, esta concepção significa a negação do capitalismo, e aponta para a construção do socialismo.
Como vês a entrada da Venezuela no Mercosul?
Acredito que o ingresso da Venezuela jogará um papel importantíssimo no Mercosul, pois fortalecerá a aproximação dos governos progressistas, imprimindo maior dinamismo e complementaridade à economia regional. Além de favorecer o comércio, a participação venezuelana impregnará o Mercosul de conteúdo social, aprofundando a solidariedade entre nossos países e povos.
Os meios de comunicação no Brasil ignoram solenemente a realidade venezuelana, tentando impor sua visão distorcida sobre o processo de mudanças em curso. Na sua opinião, a que se deve este comportamento?
Há uma satanização do processo revolucionário bolivariano. O temo correto é este: satanização. Por quê? Porque abre esperança para a América Latina e para o mundo, porque coloca o socialismo na agenda. Porque atua ao lado de Cuba, da Bolívia e do Equador para a construção de novos valores de justiça, que soma com a Argentina, Brasil e Uruguai na consolidação de um campo. Contra os interesses dos povos, os grandes meios de comunicação são uma arma para as multinacionais, para os interesses do grande capital. Daí sua campanha de descrédito para destruir os passos não só da integração latino-americana, mas da integração africana, asiática. Infelizmente este não é um privilégio da imprensa brasileira, ocorre também em nosso país. Por isso estamos comprometidos com a soberania comunicacional, investindo em canais públicos, estatais e comunitários, com normas legais e regras que democratizam as concessões de rádio e televisão. A Telesul está jogando um papel decisivo neste novo momento, como ficou claro na questão da luta contra o golpe em Honduras. O debate sobre a comunicação é algo que vem tendo cada vez mais peso na atualidade e acreditamos que devemos levá-lo em conta no debate de formação política-ideológica-sindical. Este é um ponto que queremos estreitar mais na nossa relação com a CUT, particularmente na área de formação.
Como o Foro está avaliando a crise hondurenha?
Repudiamos veementemente o golpe de Estado contra o presidente Manuel Zelaya, movido por setores oligárquicos alentados pelo imperialismo norte-americano, com o objetivo de não permitir a nossa integração e unidade. É um ataque contra a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), contra a soberania nacional e a auto-determinação dos povos. Estamos em contato permanente com a Frente de Resistência Nacional e exigimos que se respeitem os direitos humanos do povo hondurenho e da democracia. Mais do que declarações, nossa militância e nossos dirigentes estão empenhados em derrotar os golpistas e restabelecer o governo constitucional.