O Secretário Geral da CUT faz uma avaliação do mandato e das perspectivas da luta do movimento sindical e popular para o próximo período.


Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, o secretário geral da Central Única dos Trabalhadores, Quintino Severo, faz uma avaliação do mandato e das perspectivas da luta do movimento sindical e popular para o próximo período. Quintino será o coordenador do 10º Congresso Nacional da CUT, que inicia na próxima segunda-feira, 3 de agosto, com o lema "Desenvolvimento com Trabalho, Renda e Direitos".

Um breve balanço do mandato.

Ao longo desse mandato conseguimos garantir uma maior visibilidade para a CUT, especialmente no que diz respeito ao cumprimento do seu papel enquanto central sindical que mobiliza, faz luta, negocia e, ao mesmo tempo, disputa um projeto de hegemonia na sociedade. Acredito que tivemos êxito ao combinar elementos que são fundantes da nossa central, unindo pressão e diálogo para fortalecer o processo democrático. Tenho clareza que conseguimos avançar nesta perspectiva. Também conseguimos recuperar o papel principal de representação das categorias, especialmente no setor público, onde enfrentamos uma série de ataques por parte de segmentos do movimento sindical. Creio que isso fez com que pudéssemos exercitar os princípios da autonomia e da independência em relação aos governos e empresários. Outro ponto que considero fundamental é a política de valorização do salário mínimo. Nós iniciamos este processo em 2004, mas ele se consolidou neste mandato por meio de um grande acordo nacional com o governo, estabelecendo uma política de recuperação do poder de compra. Esta é uma marca que vai ficar da gestão. Agora o desafio é transformar este acordo em lei. Para isso tem de ser votada no Congresso e ser sancionada pelo presidente. Nós queremos que este tema, assim como outros de suma importância, se transformem em políticas de Estado, para além de uma política de governo.

E o envio da Convenção 151 ao Congresso Nacional?

Não tenho dúvida de que várias das iniciativas que o governo e o Congresso Nacional tiveram em relação a temas que interessam aos trabalhadores foram resultado da iniciativa da nossa central, da articulação à mobilização. O envio das Convenções 151 e 158 da OIT ao Congresso foi causado pela ação da CUT, embora não tenhamos concluído este processo. Essas iniciativas foram frutos positivos do nosso protagonismo, da pressão da base. A Convenção 151 garante a democratização das relações entre o setor público, servidores e Estado, daí sua relevância. É um avanço, porque hoje, em que pese a Constituição de 88 ter garantido o direito de sindicalização dos servidores públicos e a construção dos Sindicatos, ela não garantiu o direito à negociação, que faz parte do instrumento da democratização das relações do trabalho.

A que se deve o fortalecimento da CUT?

É importante destacar que a CUT neste mandato, em que pese ter fortalecido a relação com o setor público, também marcou presença junto às demais categorias. Nossa ação foi mais global, o que resultou na ampliação da nossa base de representação, nos debates, nas campanhas salariais. Isso foi fundamental para mantermos a heterogeneidade, este simbolismo campo e cidade, público e privado. São elementos que se somam e contribuem na disputa que faremos para que a CUT caminhe cada vez mais no sentido de construir a sua autonomia financeira a partir da contribuição dos sindicatos de base. Trabalhamos o futuro da Central não apenas do ponto de vista estrutural, mas do ponto de vista político, com ações para filiar mais sindicatos. É uma estratégia que aponta para um futuro de cada vez maior independência.

Como se insere a comunicação dentro desta estratégia?

A comunicação tem papel fundamental em função dos avanços tecnológicos que ampliam a disputa no mundo do trabalho, em constante transformação. Isso requer maior aperfeiçoamento e atualização das nossas ferramentas para fazer a disputa com o capital, com os donos dos meios de produção, o que nos leva também a uma comunicação mais direta com a nossa base. Isso faz parte da disputa de hegemonia, da demarcação de um campo político e ideológico.

Houve um determinado momento em que a direita tentou acabar com o governo e sepultar o projeto democrático-popular. Como a  CUT se saiu?

É importante destacar que toda a ação que a CUT fez e faz no enfrentamento às iniciativas da direita se inserem dentro da disputa maior, de projeto. É fundamental que a sociedade tenha consciência disso. Nós não temos dúvida de que lado estamos. Nossa central, pela responsabilidade que tem, pela sua história, grandeza e pelo que representa, é um pólo de aglutinação do conjunto dos movimentos sociais. Conseguimos corresponder às expectativas da sociedade brasileira e derrotamos o projeto neoliberal naquele momento em que a direita e a mídia apostaram no retrocesso. Agora, o embate sobre o papel do Estado continua. Historicamente, desde a sua fundação, a CUT defendeu um Estado indutor do desenvolvimento para todos, com capacidade de gerar emprego e, acima de tudo, de intervir para distribuir renda.

Isso ficou muito claro na defesa da Vale como patrimônio público.

Evidentemente. A CUT teve papel de destaque na campanha pela anulação do leilão da Vale e segurou firme a bandeira da retomada de várias empresas estatais. Defendemos a reestatização das empresas estratégicas porque o princípio da CUT foi sempre de que o Estado tem papel fundamental, determinante, indutor. Como é o caso da Petrobrás e de um novo marco regulatório para o petróleo. É natural, faz parte da nossa agenda política.

Nem bem a crise internacional começava e já havia central defendendo que os trabalhadores pagassem a conta.

Pois é, tivemos uma posição firme em defesa dos direitos, dos salários e empregos, sublinhando que a melhor arma para enfrentar a crise era precisamente o mercado interno. O fato é que se o Brasil entrou na crise depois e sairá antes, numa situação melhor do que os demais, é justamente porque se colocou nesta posição. Claro, houve toda uma luta anterior que fizemos contra o governo FHC pela manutenção da Petrobrás estatal, contra a privatização do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, do BNDES. As empresas públicas se revelaram estratégicas para defender o interesse nacional e o país sairá melhor por poder contar com elas. Nosso desafio é continuar fortalecendo o debate para ampliar a capacidade do Estado de induzir o desenvolvimento, de fazer políticas públicas, aumentar a capacidade de consumo do povo brasileiro.

Diante do embate eleitoral de 2010, qual o papel da CUT?

É o mesmo que já teve em situações anteriores: dialogar no interior das categorias e com a sociedade sobre qual o projeto que melhor interessa aos trabalhadores, que aponta na perspectiva da geração de emprego e renda, na manutenção e ampliação de direitos, no fortalecimento das políticas públicas. Este será o principal debate das eleições de 2010. Quem pode fazer isso é quem tem história. Claro, o outro projeto estará representado por pessoas que sempre trataram de tirar cada vez mais dos pobres, destruir o papel do Estado, com privatizações e desmonte, numa visão financista, que afirma a especulação sobre a produção.

E as perspectivas do movimento sindical para o próximo período?

Primeiro temos de destacar que estamos vivendo um novo cenário, que aponta para uma maior disputa interna no movimento sindical brasileiro. Ao mesmo tempo, é essencial fortalecer a articulação com os movimentos sociais. Creio que o desafio que temos pela frente é no sentido de ampliação da nossa base de representação. Será preciso um esforço ainda maior do que já fizemos, particularmente nos últimos dois anos, em relação aos ramos de atividade econômica. Precisamos saber se o atual modelo de Ramos atende à diversidade e aos desafios do ponto de vista organizativo, da disputa de políticas e da sua amplitude de ação. Esta será uma tarefa da nova direção da CUT, que deverá pensar esta nova forma de organização, seja para ampliar ou para diminuir o número de Ramos, seja para unificar seja para desdobrar de acordo com as especificidades e demandas. Com todas as transformações que vêm ocorrendo permanentemente na forma de organização, cabe a nós colocarmos a reflexão sobre o papel dos Ramos e sua conformação, para que estejam à altura dos desafios.

E em relação às estaduais da CUT?

Espero que no próximo mandato, com a presença permanente de todos os estados na direção nacional, consigamos melhorar o intercâmbio, possibilitando um enraizamento maior das ações. Minha expectativa é que este processo seja potencializado. Certamente isso não resolverá todos os problemas, mas serão dadas as condições para que as estaduais estejam mais próximas da nacional. Essa foi a minha primeira opinião, quando assumi a secretaria geral: de que era necessário aproximar a CUT das suas estaduais e ramos. Creio que vamos melhorar muito com a nova formatação da executiva nacional.

Como será este novo formato?

A direção nacional da CUT será composta de 115 integrantes, sendo 45 dirigentes eleitos nos estados, 45 nos Ramos e mais 25 da executiva nacional..

Cite algo que poderia ter sido melhor ou que a CUT pode carregar mais na tinta no próximo período.

Quero destacar esta lógica da necessidade da CUT estar mais próxima da sua base. Este é um desafio fundamental. Muitas vezes tomamos decisões sobre temas que acabam demorando para chegar na base, talvez não pela vontade política, mas por questões culturais, por dificuldade de comunicação inclusive. Então esta questão do maior envolvimento e participação das estaduais será decisiva para o próximo período.