O Secretário de Administração e Finanças da CUT fala sobre as negociações que deram fim a greve dos trabalhadores das Usinas de Rondônia







Em entrevista ao Blog do Zé Dirceu, o Secretário de Administração e Finanças da CUT, Vagner Freitas, representante da Central nas negociações que puseram fim a 3 semanas de paralisação das obras hidrelétricas da Jirau  Santo Antonio, no Rio Madeira, em Rondônia.

Na entrevista, o sindicalista afirma que a infraestrutura de trabalho exige novas relações, explica o conflito e analisa as condições de trabalho do setor de infraestrutura no país, marcado pelas maiores greves na história recente, que levaram 80 mil trabalhadores a cruzarem os braços.

Segundo Freitas, as paralisações evidenciam um conflito latente e histórico no setor da construção pesada que até hoje conta com a figura do "capataz" – uma espécie de chefe e algoz nos canteiros de obras. O sindicalista também analisa o pacto tripartite governo Dilma-trabalhadores-empresas patrocinado pelo Planalto em prol de um acordo entre as partes que garanta melhores condições de trabalho.

O dirigente sindical faz, também,  uma análise dos oito anos de governo Lula, ressaltando a importância da política para o Salário Mínimo (SM) e o surgimento de uma nova classe trabalhadora, com mais renda. Além disso, indica os novos desafios que despontam no mundo do trabalho e como a CUT se prepara para eles. Já sobre o início do governo Dilma Rousseff, o sindicalista ressalta a abertura ao diálogo com centrais e segmentos sociais manifestada pela atual governante.

 

Em relação ao mundo do trabalho, qual a sua avaliação dos oito anos de governo Lula e o início de gestão da presidenta Dilma Rousseff?
 

Na nossa avaliação, nos 8 anos de governo Lula e neste dias iniciais do governo Dilma, estabeleceu-se uma possibilidade de negociação que antes não havia. No governo Fernando Henrique não houve nenhum tipo de diálogo social entre o governo e as Centrais Sindicais – com a CUT especificamente. O governo tucano foi autoritário, determinava a agenda social sem discussão com os agentes sociais.

Nós entendemos que o papel do governo é estabelecer a intermediação nas relações que existem, por exemplo, entre o mundo do trabalho e o capital. No governo Lula, as reivindicações dos trabalhadores continuaram as mesmas, o que mudou foi a possibilidade de sermos ouvidos e de haver uma interlocução com o governo, a partir de uma agenda acertada, acordada, discutida.

Para nós, da CUT, do ponto de vista da nossa plataforma e da nossa conduta, não importa se o governo é do PSDB ou do PT, porque vamos continuar com nossas reivindicações da mesma maneira. Agora é muito clara a diferença do governo tucano para o governo Lula/Dilma. O ex-presidente Fernando Henrique não fazia a interlocução com os trabalhadores, não privilegiava o diálogo social, nem fazia o seu papel (de governo) de ouvir as partes e iniciar o diálogo entre elas. Era um governo totalmente desconectado da sociedade. Ele já tinha e manteve um lado caratecterístico – o lado do empresariado. Entao, o governo Lula foi um avanço. Ele não determinou um lado. O que fez foi intermediar o conflito, porque o conflito é inerente, existe.

Salário Mínimo: o maior plano do governo.


Quais avanços você aponta dos últimos 8 anos?

Tivemos avanços significativos na gestão Lula. A questão do SM, por exemplo. O maior plano do governo não foi o Bolsa Família, mas foi a política do SM. O Bolsa Família é importante, mas é pontual. O SM impacta e afeta toda a sociedade. Ele significou uma grande conquista para os trabalhadores.

A questão da tabela do Imposto de Renda (IR) também foi extremamente importante. A CUT dialoga em torno do SM e da tabela do IR, por quê? Porque nós representamos trabalhadores de baixa renda, mas também os de classe média e média alta. Grande parte destes está representada nos sindicados da CUT.

Há muita gente da classe média representada pela CUT hoje. Inclusive, nós achamos que há uma nova classe trabalhadora surgindo depois desses 8 anos de governo Lula. Não só uma outra classe média, mas uma nova classe trabalhadora, com rendimentos maiores do que tinham antes da gestão Lula. E que nós da CUT estamos prontos para representar. Boa parte dos sindicatos organizados no Brasil em torno da CUT são de classe média.

Portanto, discutir políticas para classe média significa discutir política para uma nova classe trabalhadora. E fazendo uma representação mais ampla do que aquela que tínhamos há 30 anos – agora, com os assalariados e também os de maior renda. Então, é inegável que esses últimos 8 anos de governo Lula foram salutares para a classe trabalhadora, o movimento sindical e o mundo do trabalho.



Em relação ao governo Lula e ao início do governo Dilma, há essa diferença de relacionamento entre governo e movimento sindical noticiada pela imprensa?

Não vemos diferença entre o início de governo Dilma e o início de governo Lula. A imprensa tentou passar a impressão de que o governo Dilma era fechado à interlocução sindical. Não é verdade. Na realidade, trata-se de uma comparação indigna. Eles comparam o fim do governo Lula com o início deste governo Dilma.

Nós tivemos dificuldades de interlocução no início do governo Lula, sobretudo por uma agenda tocada, na época, pelo Ministério da Fazenda que era bastante difícil. A questão do SM nos levou a marchas em Brasília e a mobilizar os trabalhadores. Ouvimos muitas vezes de membros do governo Lula, no início, que não era possível aumentar o SM porque iria quebrar a Previdência. Estados e municípios não poderiam pagar. Depois disso é que tivemos uma mudança de interlocução, quando o próprio presidente Lula percebeu que isso era uma política importante para o desenvolvimento do país e do governo.

A mesma coisa acontece agora com o governo Dilma. Começa com uma necessidade  – virou praxe no Brasil hoje – de mostrar que não vai quebrar contratos, que é um governo com possibilidades de se manter sem quebrar os acordos estabelecidos. Começa, também, o discurso do ajuste fiscal que no Brasil significa demitir funcionário público. Não significa se mudar o patamar e taxar a renda. Mas, taxam o salário e o consumo. Nada de taxar o lucro que as grandes empresas ganham. É impressionante! Começou assim, mas na sequência nós conseguimos, obviamente, uma boa negociação. Já sobre o SM, aquilo que começou a ser discutido no governo Lula se efetivou no governo Dilma: o Congresso Nacional aprovou o projeto que estabelece uma política para o SM até 2015. Ou seja, para que não discutamos o SM, ano após ano, e apenas no Congresso Nacional. A discussão é com a sociedade agora, e isso é salutar.
 
Claro que a presidenta Dilma e o presidente Lula têm origens diferentes e matizes políticas de atuação diferentes. Quando você tem o Lula presidente da República, um dos fundadores da CUT e do movimento sindical, é muito mais simples de início a relação com ele. A presidenta Dilma tem outra origem. Agora, nós não sentimos o governo Dilma fechando possibilidades de receber o movimento sindical. Muito menos sem levar em consideração as bandeiras que nós trazemos. Pelo contrário. O fato é que não temos nenhuma ilusão: tanto com o ex-presidente Lula, quanto com a presidenta Dilma, se não fizermos o nosso papel de movimento sindical, não teremos agenda sindical colocada na rua. Se não mobilizar trabalhador, não organizá-lo e colocá-lo para reivindicar os seus direitos… Se não colocar a plataforma da classe trabalhadora que nós construímos e entregamos à presidenta, não anda.

A CUT quer ser agente de discussão

Quais as principais questões desta plataforma?

Uma das principais é crédito para a produção – que o crédito financeiro não fique voltado à especulação e sim à produção. Valorização dos salários e da geração de novos empregos, o que é importante para o Brasil de modo geral e não apenas para os trabalhadores. O Estado tem que ser indutor do desenvolvimento – e não aquele Estado colocado pelo governo Fernando Henrique (e pela plataforma da campanha José Serra em 2010), o Estado mínimo que não tem política para o desenvolvimento e deixa esta atribuição para o mercado. A agenda da classe trabalhadora entende que o Estado tem que ser o promotor e indutor do desenvolvimento. Entende que precisamos ter instrumentos para isso – o papel da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, do BNDES é de fomento. Não apenas de se preocupar com os interesses dos grandes empresários e sim conceder crédito para o financiamento da produção. Estas são plataformas que estamos discutindo e entregamos para a presidenta. Então, o importante é que na gestão do governo essa nossa plataforma seja levada em consideração.
 
Nas reformas também temos propostas importantes. O fim do fator previdenciário é uma discussão importante em relação à Previdência; a redução da jornada sem a redução de salário é outra. 40 horas semanais, na nossa avaliação, geram emprego e isso não tira a concorrência das empresas nacionais em relação às internacionais.

Também importante uma reforma sindical que não seja resultado de diálogo só com os sindicatos, mas com o Brasil. Hoje – com a manutenção dos sindicatos através do imposto sindical – boa parte dos sindicatos brasileiros não é de classes, não tem representação. Há mais de 18 mil sindicatos no Brasil. Então, ou se criam formas de ter um sindicato representativo, ou ele não irá cumprir seu papel que é representar o trabalhador, organizar a mão de obra e a partir dela ter um processo de negociação com o empresariado de maneira séria, decente, digna.

A reforma fiscal também tem que ser feita sob o ponto de vista dos trabalhadores. Estamos dizendo que no Brasil se tributa o consumo e não a renda. Desta forma, quem é tributado é o trabalhador porque ele é tributado logo no início, diretamente no IR e depois novamente quando ele adquire produtos. Você tem que fazer uma reforma fiscal diretamente vinculada com os interesses do Brasil. Não podemos tributar o consumo, e sim a renda. São esses alguns aspectos da plataforma.

A CUT quer ser agente de discussão, não quer ver as coisas passar e achar só que o Parlamento e a relação ali, institucional, com a sociedade tem que se manifestar. Nós estamos nos manifestando não só por salário e emprego, mas queremos discutir o Brasil. Temos um projeto e estamos inseridos neste programa de desenvolvimento que o país precisa ter.

 

Nós somos favoráveis às obras do PAC

A paralisação de mais de 80 mil trabalhadores no setor de infraestrutura na segunda quinzena de março, chamou a atenção de toda a sociedade para as questões trabalhistas nesta área. Por que só agora isso?

O incêndio (de ônibus e alojamentos) na usina hidrelétrica de Jirau, embora seja algo muito ruim, acabou possibilitando uma discussão até então encoberta referente às obras do PAC. Boa parte delas feita com recursos públicos. Nós somos favoráveis às obras do PAC. Elas são importantes para o desenvolvimento do Brasil. Sem infraestrutura, nosso país não vai se desenvolver e estas obras geram empregos e são importantes para os trabalhadores da construção civil e de outros setores. Somos bastante favoráveis. Agora, da forma que está sendo feito, o governo não tem controle sobre o que está acontecendo.

Estabelece-se uma aceleração nas obras, porque o governo tem necessidade e interesse de que elas sejam entregues rapidamente. Temos que gerar energia limpa, o Brasil quer ser um país de ponta nisso e nós queremos que seja. Os consórcios empreiteiros também têm interesse em acabar as obras rapidamente para ter o retorno dos investimentos que estão fazendo. E não tenho dúvida de que eles estão investindo mais do que imaginavam fazer. O problema é que essas duas necessidades não levaram em consideração a condição dos trabalhadores, dos operários e o que acontece em torno das obras.

Você foi o negociador na Mesa Tripartite do governo em nome da CUT.

Sim. Fomos lá para organizar a discussão e levar em consideração os interesses dos trabalhadores, garantir que deslanchassem os acordos sobre questões como o incêndio, a própria falta de abertura de negociação. O trabalhador ali, naquela obra, sentiu-se jogado ao léu.

 O que você encontrou em Jirau, no canteiro de obras?

Uma situação de fim de guerra.

Era fato que as condições de alojamento, alimentação eram precárias ou degradantes, ou não é esta questão de fundo?
 

A questão do alojamento e alimentação se acopla a outras mais importantes que levaram à revolta. Estas também são importantes, mas não são as principais.

Quais são as principais? Primeiro, trabalhador ainda é contratado pelo “gato”. Este é quem faz a intermediação da mão de obra. É aquele cara que chega e diz: “Amanhã tá saindo ônibus para trabalhar na usina de Jirau, você vai ganhar tanto e é assim e assim”. O trabalhador se apresenta e ao chegar lá percebe que não tem nada daquilo. Por incrível que pareça isso ainda acontece no século XXI. É o "gato" que diz a ele quais as condições em que ele vai trabalhar, mas ao chegar na usina e no canteiro, elas são completamente diferentes. Aí já começa a frustração. Ele entra, fica no canteiro, alojado 1 ou 2 meses até ser registrado. Uma coisa absolutamente sem pé, nem cabeça. Registra-se depois desse tempo.

Na Usina de Jirau, mais de 80% dos trabalhadores não são de Porto Velho, nem de Rondônia. As pessoas são trecheiras, barrageiras, como eles chamam e vêm do interior do Maranhão, do Piauí ou do Pará para trabalhar na usina. Agora, veja que absurdo: são 22 mil trabalhadores num único canteiro; mais 16 mil (nas obras da hidrelétrica) em Santo Antônio. Isso é estopim para crise. Você não gerencia isso, não tem controle de entrada dos trabalhadores, não sabe quem são. Há todo tipo de pessoa e apesar da grande maioria ser trabalhador, há quem não seja. E 90% de homens vêm de fora, inclusive dali de outras regiões do Estado.

Não se leva em consideração
a vida familiar do trabalhador

Sem falar que não se leva em consideração a vida familiar do trabalhador. Quando se fazia obra antigamente havia as vilas dos trabalhadores, muitas viraram cidades pequenas. Era um conceito que ajudava a diminuir o conflito porque o trabalhador ia com a família. Hoje ele vai sozinho, deixa a família a 3 mil quilômetros de distância.

Um dos grandes motivos que geraram a revolta é que este trabalhador não teve condição de voltar para a casa. Depois de determinado tempo de serviço, ele tem que voltar para a casa e ver a família. E em Jirau eles não tinham condição para isso. Nós negociamos que a cada 90 dias, o trabalhador volte para casa, transportado de avião pela empresa e tenha 5 dias para conviver com a família. Depois, ele volta, fica mais 90 dias e retorna para casa de novo. Isso é muito importante e a falta disso foi um dos principais motivos do conflito.

E também a questão do lazer…

A pior coisa que tem para o trabalhador nessas obras é não ter para onde voltar. Não tem casa, não mora ali, está alojado. Então, ou há uma infraestrutura de lazer, interação com a sociedade, para que ele fique ali; ou ele não tem condição de produzir. Embora em Jirau não tenha muito ócio, porque o ritmo de trabalho é maldito… Estão proibidas as horas extras, mas estas são realizadas. É um absurdo o que acontece. O grande problema é que você tira o trabalhador do círculo de convivência dele. Ele vira um estranho no trabalho que realiza. Ele é um forasteiro numa cidade. Estão lá sozinhos, 22 mil homens trabalhando juntos, sem nenhum tipo de política de recursos humanos ou assistência pela empresa. E a cidade não consegue absorver. Imagina uma cidade de 4 mil habitantes e, de repente, chegam 22 mil homens de uma hora para outra! Há um desregramento social.

Essa situação é histórica. Provavelmente, na construção de Itaipu (anos 60/70) deve ter acontecido isso. O problema é no século XXI ainda acontecer esse tipo de coisa. E o governo é muito responsável, porque não pensou na preparação das obras. Pensou na construção das usinas – o que é correto. Para isso você tem que ter trabalhadores, contratar e estabelecer as condições de concorrência para ver quem fará as obras. O governo fez isso, mas esqueceu o que causaria essa obra para a sociedade local e os trabalhadores.

As cidades que recebem essas obras são em geral pequenas, desassistidas socialmente, sem infraestrutura. Como fica a questão da segurança pública na cidade que abriga a Usina de Jirau, que tinha 3, 5 mil moradores e passou de uma hora para outra a ter mais de 20 mil? Nós temos segurança pública garantida para esse povo que está lá? Tem hospital para atendimento? As empresas dão convênio médico, sim. Mas tem hospital para atender o trabalhador?

Como ficou a questão do gato?

O governo interveio. Agora a contratação será feita pelo Sistema Nacional de Emprego – SINE. Teremos agentes ligados ao Ministério do Trabalho e aos quadros dos municípios. Eles farão a triagem desses trabalhadores para as obras do PAC. Foi um grande avanço conquistado, pelo menos na intenção. Temos de ver como ocorrerá na prática. Talvez, a tragédia de Jirau sirva para construirmos um grande acordo nacional de trabalho no setor de construção civil pesada, como já tem no setor da cana.

O problema grave é o psicológico. Guardadas as devidas proporções, nós temos este problema de condições de trabalho, também, com executivos no Brasil. Você pode fazer o cara morar no Sofitel na França. Se ele ficar lá dois, três meses, um ano, sem ver a família, ele também fica estressado. Mas, isso não tem a menor comparação com o que acontece com esses trabalhadores (barragistas) desassistidos de tudo. O governo não se preparou para isso. Precisa dar condições corretas de o trabalhador produzir. O entorno precisa ter benefícios com a chegada da obra – durante e depois dela. Tem que ter infraestrutura para esses trabalhadores. E, acima de tudo, o modelo está errado. Vai ter outro Jirau (crise) se continuarmos no país com números elevados de trabalhadores, 20 mil, 30 mil nessas condições.

 

Campo minado para a revolta


O que dizem as empresas?

No Pacto Tripartite (governo, centrais e empresas), estas questões estão sendo colocadas. Vamos cobrar esses pontos, temos que mudar o modelo. Não podemos colocar tanta gente ao mesmo tempo na obra. Precisamos de infraestrutura para as cidades e investimento em recursos humanos. Você sabia que tem capataz nas obras? O trabalhador é agredido nas obras! As empresas dizem que não sabem disso. Na verdade, a relação das empresas com os trabalhadores é amadora. Eles terceirizam tudo, não tem controle sobre o que acontece e não conhecem, não sabem nada sobre os trabalhadores. A terceirização é uma tragédia. Você coloca lado a lado um sujeito que é da empresa e outro que é terceirizado. Um ganha 30% a mais que o outro fazendo a mesma coisa. É campo minado para a revolta. [Na montagem dos canteiros e nas contratações] houve uma precipitação e não se deu prazo para a questão trabalhista. Agora, não adianta deslocar o foco e dizer que a questão é só trabalhista.

A violência desencadeada foi espontânea ou a PM de Rondônia ao reprimir os grupos externos piorou a situação?

Como o clima é muito tenso, muitos grupos se aproveitaram do momento. Mas não vamos nos enganar, as causas eram reais. Pode até ser que quem ateou o primeiro fogo não foi pela causa e pelas condições de trabalho, mas a reação em massa foi porque todos tinham o mesmo sentimento de abandono. Não tenho dúvidas que há outros interesses e grupos que não são de trabalhadores. Mas, aí a culpa é de quem contrata essas pessoas e não dá as condições para o trabalho. Os sindicatos não tomaram parte nas contratações. Quem contratou foram as empresas e o governo. Então, obviamente esse problema (infiltração de grupos de fora) também acontece, mas não foi essa a questão central de Jirau.

O sindicato virou um elemento fundamental lá?

O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil do Estado de Rondônia (STICCERO) tinha 300 caras na base. De uma hora para a outra, chegaram as usinas e ele passou a ter (representar) 40 mil na base. Claro que os sindicatos precisam de tempo de maturação para representar essas pessoas. A CUT esteve lá, organizando o processo de negociação, trazendo a representação para o STICCERO. Agiu assim para não haver conflito de base e as empresas não se aproveitarem disso para culpar os sindicatos – e quiseram fazê-lo. Disseram que a culpa era dos sindicatos. Nosso objetivo foi garantir que os trabalhadores tivessem conquistas mínimas e pudessem voltar ao trabalho. Agora travamos essa negociação, essa construção coletiva para conseguir o restante (dos direitos).

Como está a rediscussão das obras do PAC quanto às condições de trabalho?
 
O Brasil precisa discutir rapidamente estas obras. Elas geram capacidade para o nosso país se inserir no mundo e virar uma economia maior do que é. Principalmente para os trabalhadores. O que aconteceu em Jirau é um alerta bastante sério de que se não discutirmos no PAC um acordo nacional de trabalho para este setor, seu desenvolvimento com respeito aos trabalhadores, nós vamos ter outros problemas grandes. Boa parte da responsabilidade é dos consórcios, das empresas, mas o governo é que propõe (as obras) e tem que estabelecer as regras em relação a isso.

O Ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência da República) teve um papel preponderante quando chamou todos a Brasília propondo a mesa tripartite para chegarmos a uma solução negociada e civilizada em relação a isso. Esta é a diferença em relação ao governo FHC e anteriores aos do Lula/Dilma. Fosse na era FHC, veríamos repressão maior aos trabalhadores. Diriam que a culpa é dos sindicatos e que eles são um bando de vândalos e não tem problema. O governo de agora entende que há um problema. Mas não adianta só entender. Ele tem que gerenciá-lo enquanto tem condições de fazê-lo, porque ele é quem dá a concessão para que os trabalhos se iniciem. Se conseguirmos construir a partir disso um acordo nacional para o setor da construção nas obras do PAC, será um avanço significativo. E temos que pensar outros setores depois.

Quais outros setores que precisam de mais atenção das Centrais?

Cito dois exemplos: o da construção civil em geral. E também o de telemarketing. Hoje, centenas de milhares de pessoas trabalham nestes setores e eles precisam de regulação. No telemarketing, são trabalhadores de 18 a 20 anos de idade, grande parte, 70% a 80% mulheres. Isso exige também uma outra reflexão em torno do debate de gênero.

E sobre os trabalhadores da área da cultura? Todas as pesquisas indicam que China e Brasil serão grandes pólos nesta área.

Temos que organizá-los também.

 

Sindicato representativo
acompanha as mudanças

 

Como a CUT está se colocando frente às novas questões do mundo do trabalho – redução da jornada, avanço da tecnologia, trabalho do autônomo, legislação do empreendedorismo…

Como eu dizia, estamos diante de uma nova classe trabalhadora. Um sindicato representativo só o será se conseguir compreender a sua base. Caso contrário, se não estiver par e passo com a necessidade do representado, ele não será. A CUT e seus sindicatos fazem o sindicalismo a partir das necessidades do trabalhador.

A economia mudou e com esta mudança tivemos novos setores de atuação. O próprio trabalho mudou. Nem todos hoje trabalham em uma fábrica, no modelo tradicional, com determinada jornada horária. Não podemos tratar com preconceito essas mudanças. Sindicato representativo deve acompanhá-las e organizá-las em prol do trabalhador. Sem o sindicato, se deixar essas regras todas serem organizadas só pelo mercado ou pelas necessidades das empresas, o trabalhador será escravizado.

Se nós entendermos que a classe operária brasileira era igual à do início do século passado, ou até ao que era há 30 anos (quando surgiu a CUT), teremos outra Central, outro movimento para representar esta nova classe trabalhadora. Não abrir mão dos princípios da CUT significa você estudar para entender a necessidade destes trabalhadores. Ou, então, vamos ficar na periferia da representação. E teremos o mercado e o mundo do trabalho se organizando sozinhos.

Acho importante a discussão do imposto sindical. Vamos deixar claro que a CUT não está dizendo que sindicato subsiste de sonho, sem renda. Ele subsiste de recurso, mas o que se adquire com a mensalidade dos trabalhadores não mantém nenhum sindicato sério no Brasil. Nós achamos que deve haver uma contribuição negociada quando realizado o acordo coletivo. Uma contribuição aprovada pelo trabalhador em assembléia. E que o direito a oposição, a ser contra isto, seja coletivo e não individual.

Agora, o recurso do imposto sindical cria o sindicalismo alijado do ponto de vista ideológico. Cria a acomodação sindical, uma casta de dirigentes sindicais diferente de trabalhador, que fica enclausurada no movimento sindical e não produz para o trabalhador de maneira geral. Sem falar que muitos dos que defendem o imposto sindical no Brasil não o fazem por conta do trabalhador. Isso é um engodo. O Brasil tem sindicalismo patronal que recebe recursos do imposto sindical mais do que o de trabalhador.

A CUT quer manter sua origem transformadora, renovadora da sociedade. Fazendo, por exemplo, um sindicato que não seja corporativo, mas de classe. E que não vise só discutir emprego, salário… Mas que tenha presente que o trabalhador enquanto cidadão, deve intervir e mudar a sociedade. Para fazer isso, é preciso entender essa nova classe trabalhadora.

Em Jirau, há uma nova classe trabalhadora. Eu sinto que uma parcela dela tem um grande distanciamento das nossas propostas. Quanto à redução de jornada, ela não pode estar condicionada apenas a uma gama de propostas sindicais que sejam importantes só para uma determinada camada da classe trabalhadora. Se for assim, vai ficar só na periferia do problema. 



Como você vê também essa questão do jovem no mundo do trabalho?

A juventude tem outras necessidades, diferentes daquelas da minha geração. Eu surgi como produto do novo sindicalismo, mas já tenho 45 anos. Somos defensores de que a juventude ingresse no mundo do trabalho não com 14 ou 16 anos – com 14 ou 16 são crianças na nossa concepção. E aí, se quisermos mudar a realidade quanto a isto, temos que investir pesado em formação e educação.
 
Já sobre a falta de trabalhadores qualificados no Brasil, qual a discussão neste sentido?

Realmente, estamos ficando sem mão de obra qualificada. Hoje você não tem engenheiros. Há um excesso de formação de advogado, sociólogo e assistente social, mas temos falta de profissionais tecnicamente especializados para o desenvolvimento da infraestrutura que o Brasil demanda. Precisamos, portanto, trabalhar alterações no sentido de qualificar essa mão de obra que o país precisa. Para a classe trabalhadora é excelente qualificar mão-de-obra, porque é a possibilidade dela se expandir. A classe trabalhadora só se expande se o mercado de trabalho expandir-se. Nós precisamos trabalhar muito nesse sentido.

Funcionou o dinheiro do FAT para os sindicatos fazerem qualificação?

Não funcionou. Poderia ser uma boa idéia, mas a discussão não foi das melhores.

Qual sua avaliação sobre o Sistema S?

O Sistema S é bom em parte… É um paraíso na terra, mas limitado. Sistema S não vem da mesma fonte do imposto sindical, é descontado diretamente da empresa. Muitas vezes é mais um contrato da empresa com o governo ajudando em isenção de impostos. Agora, quando o trabalhador vai usar…

Mas e o Sistema S em relação a lazer, esporte, cultura?

Ele é muito restrito se pensarmos na quantidade de recursos disponibilizados e utilizados.  Ele ainda é muito elitista. Não adianta fazer um belíssimo show no SESC Interlagos, por exemplo, e grande parte das escolas colocadas à disposição da população não ser para filho de trabalhador. O trabalhador não consegue acesso, são vagas determinadas antes de podermos colocar nossos filhos. Tudo o que é de bom em termos de cultura, lazer etc – a vida também é isso – se voltasse para o interesse do trabalhador, ajudasse nessa questão dele ter aquilo que o Estado não consegue dar seria muito bom… Se com os recursos do sistema S que são provenientes das industrias, comércio, etc fossem feitas benfeitorias para a cidade, o Estado e o trabalhador, seria ótimo. Mas não acontece isto, é muito restrito.

 

Ainda há muito trabalho
escravo no Brasil

Por fim, como você avalia o trabalho escravo hoje no Brasil?

Ainda há muito no Brasil. Recentemente foi divulgada uma nota de que as Casas Pernambucanas foram autuadas porque a fiscalização da DRT achou bolivianos fazendo trabalho praticamente escravo no Bom Retiro (bairro de São Paulo), na confecção têxtil. As Pernambucanas disseram que não tem nada a ver, porque quem contrata o serviço é outra empresa, mas obviamente perdeu o processo. Fala-se sobre “trabalho escravo” e as pessoas pensam lá no interior do Pará… Mas estamos falando de São Paulo, Bom Retiro.

Trabalho escravo é aquele que você não pode voltar para casa porque deve para o sujeito que te contratou. Você dorme, trabalha, desconta na dívida. E se não fizer assim, não pode voltar para o seu país – a comida também é cobrada. Você precisa devolver o dinheiro para voltar. Não tem acompanhamento sindical, não tem regramento e nenhuma relação direta. No caso dos bolivianos, com as Casas Pernambucanas é assim. Eles são imigrantes ilegais, outra situação que os torna ainda mais fragilizados. Essa é uma grande comprovação de que existe sim trabalho escravo no país. Falta fiscalização.

Estão querendo flexibilizar. Há no Congresso um movimento da bancada ruralista para mudar a caraterização do trabalho escravo.



Sim, querem mudar de trabalho escravo para degradante. Mas não é degradante, é escravo mesmo.

Chamam de degradante quando não tem refeitório de qualidade, água…

Isso é outra coisa. Se for esse conceito, falta de água, ar condicionado, alojamento etc, vai englobar 80% da classe trabalhadora brasileira. Se vamos estabelecer um conceito, façamos direito. O Brasil é um país de trabalho degradante. Estamos falando aqui do trabalho escravo, do cidadão ficar atrelado ao subemprego que ele tem, não poder voltar pra casa, dormir e ir ao banheiro –  quando tem. Esta é uma realidade lamentável no Brasil.