[Por José Maria Rangel, coordenador geral da FUP]
As manchetes dos jornais do Rio de Janeiro têm estampado o cotidiano de uma cidade que vive os resultados mais cruéis do golpe de Estado ocorrido no Brasil em 2016. Em meio ao caos provocado pela crise fiscal, que resultou numa efervescência social por conta do aumento da violência e do sucateamento dos serviços públicos, as mudanças promovidas pelos golpistas para a política pública do setor petróleo têm passado quase desapercebidas.
No entanto, é impossível entender a crise atual fluminense sem compreender a nova (des) articulação do setor petróleo, explico: a redução do emprego e das receitas fiscais tem forte relação com essa (des) articulação. Aqui cabe um breve resgaste histórico.
Desde a descoberta do pré-sal em 2007, o presidente Lula, como lembram Rodrigo Leão e Caroline Vilain, pesquisadores do INEEP, em “(…), aproveitando-se das perspectivas de longo prazo criadas pela descoberta do pré-sal, o governo adotou duas grandes iniciativas a fim de fortalecer de impulsionar o crescimento da indústria nacional”.
As duas medidas combinaram melhores condições de financiamento para os fornecedores nacionais, com maior atuação do BNDES, uma nova politica de determinação de um percentual mínimo de conteúdo nacional e o desenvolvimento – que incluiu a criação de um grande fornecedor de plataformas, a Sete Brasil, capaz de ser competitivo globalmente.
Nesse contexto, medidas como o Repetro – que reduzia impostos para importados do setor de óleo e gás – tinha um papel importante, mas pontual, de fornecer às operadoras de petróleo e gás equipamentos ainda não produzidos em território nacional.
Essa combinação de política públicas garantiu a compra de bens e serviços de toda natureza para implementação dos grandes investimentos do setor e, ao mesmo tempo, alavancou o desenvolvimento industrial carioca recuperando os fornecedores nacionais de engenharia, construção civil e bens de capital. Somente na indústria naval, o número de empregados já tinha crescido absurdamente saindo de algo de 11 mil trabalhadores, em 2002, para mais de 71 mil, em 2014. Nas demais atividades de apoio à extração de petróleo (metal-mecânica, máquinas e equipamentos e serviços de engenharia), somente no Norte Fluminense, os empregos cresceram a uma taxa elevadíssima, alcançando 44 mil pessoas em 2014.
Não por o acaso, logo após o estelionato eleitoral à presidente Dilma Rousseff, o roteiro dos golpistas foi a destruição sequencial de cada uma dessas políticas. Primeiro, a Petrobras – principal demandante da Sete Brasil – reduziu suas encomendas (de 28 para 4 sondas), praticamente inviabilizando o funcionamento da empresa. Segundo, o Ministério de Minas e Energia reduziu a necessidade de conteúdo nacional nas licitações de exploração e produção de petróleo favorecendo a contratação de empresas estrangeiras.
E, por fim, o Ministério da Fazenda destruiu as linhas de crédito preferenciais do BNDES e estendeu o uso de subsídios fiscais para a importação de bens e serviços pelas empresas de petróleo, o conhecido Repetro. Nesse caso, diferente de antes, com a destruição das demais políticas o Repetro se torna um instrumento de transferência da produção nacional para o exterior.
Embora a grande mídia tente minimizar a extensão do Repetro, tratando-a apenas como um instrumento necessário para atender as necessidades do pré-sal, ela esconde sua real intenção: a subordinação aos interesses estrangeiros e a destruição de um complexo industrial nacional que, gradualmente, passava a confrontar os interesses estrangeiros para fornecer bens e serviços à Petrobras. O lobby britânico em relação à mudança do conteúdo local e o apoio ao golpe é exemplar: a destruição da politica de conteúdo e a isenção às importações de bens e serviços eram condições necessárias para o apoio político e financeiro ao golpe de Estado. No pacote, em troca de tal apoio estava a entrada das empresas estrangeiras no pré-sal junto com os fornecedores dos seus países de origem.
Ou seja, na prática, os europeus (assim como americanos e chineses) não querem apenas o petróleo do pré-sal, mas querem a renda e os empregos gerados aqui no Brasil. E, agora, com o Repetro, eles querem também manter a redução dos impostos pagos aos governos estaduais, no período mais agudo da crise econômica.
No entanto, no atual estágio do golpe, a lógica é a da rapinagem: entregar e vender tudo, o mais breve possível e sem pudor, para os financiadores do golpe. Ao aceitar as condições impostas pelo Repetro, o Rio de Janeiro joga “uma pá de cal” na possibilidade de concorrência dos fornecedores nacionais, já fragilizados pelos desinvestimentos da Petrobras, pelo fim da política de conteúdo local e pela destruição do BNDES. Acabam-se os postos de trabalho, o parque produtivo e um pouco mais das receitas fiscais do estado fluminense.
Se tratando de um governo federal tão incompetente, incapaz de lidar com as demandas mínimas do povo brasileiro, uma coisa é de se admirar: a excepcional capacidade de destruir em menos de um ano toda uma política que beneficiou milhares de trabalhadores e empresas brasileiras. Que o povo não se engane: o horror da elite que conduz esse projeto não se resume à classe trabalhadora, mas sim a tudo que é nacional. Londres, Nova Iorque e Pequim agradecem.