Entrevista originalmente publicada no Portal da CUT Nacional
Uma CUT à frente do seu tempo, mas fundamentalmente classista. Uma CUT ainda mais preparada para defender a pauta da classe trabalhadora nas ruas e nas mesas de negociação. Ávida por estudar o mercado de trabalho brasileiro e mundial. Uma CUT apta a ampliar seu papel de protagonista no processo de transformação dessa sociedade que se informa e se comunica em tempo real. Uma CUT que luta por trabalhadores e trabalhadoras fortalecidos/as por 10 anos de conquistas sociais, resultado de um projeto progressista de governo eleito com apoio oficial dos cutistas. Nem por isso, uma CUT menos combativa e consciente de que ainda há muito a ser feito e conquistado. Uma CUT que representa as diferentes realidades desse mundo desigual do trabalho, onde convivem organização sindical de países desenvolvidos com trabalho análogo ao de escravo. Uma CUT orgulhosa do seu passado e militância, mas de olho aberto para o fututo. Uma CUT que tem de mudar, porque o Brasil mudou, porque o mundo mudou. É com esse nível de comprometimento e consciência que o presidente nacional da CUT, Vagner Freitas, um bancário de São Paulo com 47 anos, a maior parte deles dedicada à militância sindical, vê a Central Única dos Trabalhadores se aproximar dos seus 30 anos de fundação.
Em entrevista ao Portal da CUT Nacional, Vagner Freitas fala das conquistas e desafios da maior central sindical do País e da América Latina, da relação cutista com a base, com o movimento sindical, a sociedade e os governos. E também da necessidade de mudança. Sim, porque ele diz que “a CUT tem de mudar completamente a forma de se relacionar com os trabalhadores/as que representa e também com a sociedade”.
A entrevista foi dividida em três partes,que serão publicadas ao longo desta semana. Leia abaixo a primeira parte.
Qual é o grande desafio da Central Única dos Trabalhadores 30 anos depois da sua fundação?
O maior desafio da CUT, hoje e sempre, é ser visionária para conseguir estar à frente do seu tempo. Para isso, temos de nos especializar, formular e estudar mais o que significa e representa o mercado de trabalhado brasileiro. Para um dirigente sindical ser realmente competente, ele tem de conhecer a realidade do seu local de trabalho. Somente assim um sindicalista se torna sujeito da transformação da sociedade. Fazer sindicalismo apenas reclamando e reivindicando não dá mais. Na CUT, o papel do dirigente é classista, ou seja, defender toda a classe trabalhadora e não apenas a base do seu sindicato.
E como a CUT vai trabalhar para vencer mais esse desafio classista e visionário?
Nossa missão é justamente esta: preparar os dirigentes e adequar os conceitos e demandas para uma mudança da estrutura sindical
Essa necessidade também vem do fato de o perfil do brasileiro ter mudado desde a fundação da CUT, em especial nos últimos 12 anos por conta dos avanços sociais? Essa mudança obrigou a maioria dos setores da sociedade a modificar a forma de se relacionar com esse novo perfil da população, por isso a CUT também tem de mudar para conseguir se relacionar melhor com a sua base e a sociedade em geral?
Essas mudanças exigiram e estão exigindo que a CUT, uma entidade fundamentalmente de classe, também mude completamente a forma de relacionamento com os trabalhadores que ela representa e também com a sociedade. Tivemos de começar a repensar essa relação a partir de dois acontecimentos no Brasil: a entrada de mais de 30 milhões de pessoas no mercado de trabalho e a ascensão de uma nova classe média em consequência do sucesso das políticas sociais desenvolvidas pelos governos Lula e Dilma. Não é mais como era há 30 anos, quando a grande massa representada pela nossa Central tinha origem na indústria. Hoje, a maior parte dessa representação está nos setores público e de serviços. São os dois setores que mais crescem também na economia mundial, que mais geram empregos e que mais são disputados e, como resultado, que mais trabalhadores têm para ser representados pelos sindicatos.
E esse “novo” trabalhador está tão disposto a integrar o movimento sindical como filiado e militante como estava há 20, 30 anos? Está mais difícil para os sindicatos a tarefa de conquistar, filiar e mobilizar essa nova classe trabalhadora?
São perfis completamente diferentes. Hoje, o trabalhador e a população em geral têm à sua disposição muito mais informação do que tinham a décadas atrás. Naquela época bastava o caminhão de som para se comunicar com a base. Há 30 anos, pensando na ação sindical, a nossa luta era para defender o emprego e evitar demissões em massa. Antes, o diálogo com o trabalhador e até a cobertura do mundo sindical pela imprensa eram diferentes. O sindicalismo era combatido pela mídia, mas também era aceito. Dentro da empresa, o velho DP (departamento pessoal) virou O RH (recursos humanos). Nós dos sindicatos acabamos ensinando para o inimigo (o patrão) como agir e eles foram também se organizando e ficaram mais competentes na disputa ideológica. Exemplo disso é que quando disputei a direção nos bancários, na década de 1990, tive de me afastar do trabalho a pedido do banco. Hoje, a empresa felicita o candidato a dirigente sindical por sua candidatura.
Conta mais um pouco de como era a ação sindical à época em que você fazia campanha salarial nas ruas, pelos bancários, quando o movimento sindical enfrentava a criminalização imposta pelos governos neoliberais?
Eu não tenho nenhuma saudade daquela época. As campanhas salariais eram um inferno. A cada ano a nossa luta conseguia somente manter os direitos. Essa geração não viu isso. Embora eu me sentisse absolutamente insatisfeito e derrotado por não ver a minha categoria avançar, do ponto de vista ideológico, ficava feliz da vida porque vivia criticando e xingando o FHC, Serra, (Mário) Covas e não tinha o menor problema existencial por isso. Mas para o trabalhador, o que eu sentia não servia de nada. Digo isso para lembrar que o movimento sindical não pode ser instrumento do prazer pessoal, individual do dirigente, mas sim de transformação da vida do trabalhador.
Você diria que hoje as conquistas dos sindicatos e centrais são menos sofridas e, talvez por isso, menos valorizadas?
Nos governos Lula (e agora Dilma) fiquei muito satisfeito com o meu trabalho de dirigente porque vi as coisas evoluir e se transformar em conquistas para a classe trabalhadora. Ainda são muito menores do que deveriam ser. Mas em um quadro comparativo que considere melhoria da qualidade de vida em geral e da vida dos trabalhadores e trabalhadoras, nos últimos 10 anos, comparado aos últimos 50 anos, tudo melhorou para os brasileiros. Qualquer um que faça esta análise de forma correta, isenta, e não defenda lado a ou b sabe e dirá que os últimos 12 anos foram salutares para o Brasil, tanto que o País se tornou referência mundial em programas e conquistas sociais.
Mas se trouxe conquistas como a mudança e mais justiça na pirâmide social e também protagonismo ao movimento sindical, essa relação mais estreita entre CUT e um governo federal progressista também trouxe contradições, questionamentos e cobranças internas e da sociedade?
Logicamente, para alguns esse cenário gerou contradições e questionamentos do tipo: até onde a defesa do projeto político não distanciou o movimento sindical da defesa dos interesses do trabalhador? Mas a mim não trouxe nem traz nenhuma contradição.
Mas existe uma fala recorrente de setores conservadores de que a CUT é “governista”, “chapa branca” desde que Lula (2003) assumiu a Presidência da República e que, por isso, a Central não representa como devia os interesses da classe trabalhadora?
Como eu disse, não acho que haja contradição, mas a sociedade pode achar que sim. Eu, como presidente da CUT e dirigente sindical, nesses 10 anos de governo federal comprometido com a classe trabalhadora, cujas eleições foram formalmente apoiadas pela nossa Central, do ponto de vista de saber que o outro projeto era ruim, afirmo que a CUT foi a central que fez mais greves e que as categorias a nós filiadas foram as que mais tiveram conquistas nesse período. Nossa central, sozinha, representa 40% dos trabalhadores que se filiam a sindicatos no Brasil.
O trabalhador, a base cutista tem essa mesma compreensão?
Não tenho dúvida de que hoje no Brasil, na luta de classes, o trabalhador está muito mais fortalecido para enfrentar o patrão do que a 10 anos atrás porque temos instituições de representação dos trabalhadores muito mais sólidas para fazer isso. Na cultura da classe trabalhadora, a simbologia de ter o Lula, um operário, presidente da República, de olhar para a cadeira da Presidência e ver um metalúrgico de Pernambuco, com quarto ano primário, eleito duas vezes para dirigir o País e, ainda por cima, governar melhor que seu antecessor, um sociólogo formado em universidade francesa, representa, além dos ganhos sociais, econômicos e políticos, um valor simbólico de identidade de classe. O trabalhador pensa e diz: “eu sou operário e sou mais competente e fiz um governo melhor do que o governo da burguesia”. Este é um legado que a gente jamais vai perder. É aquela coisa do eu sei e eu posso, que foi reproduzida depois em outros países da América Latina, porque as pessoas não acreditavam que seria possível. Até a burguesia aceitou porque pensava que, depois de três tentativas, Lula seria eleito, ficaria seis meses no poder e sairia derrotado para nunca mais voltar, porque ele era, na visão burguesa, de uma raça incompetente e o lugar dele era a senzala, porque a casa grande era da burguesia e da elite.
Lula deixou esse legado social para o Brasil, qual é então o maior legado do ponto de vista sindical que ele deixou para a classe trabalhadora?
A certeza de que o Brasil jamais voltará a ser tão ruim como já foi. O fato de nós termos quebrado essas expectativas de parte da burguesia e mostrado que temos condições de, com acertos e erros, fazer um governo da forma como está sendo feito, me deixa sem nenhuma dúvida de que tem um resultado cultural e político, de formação política e de alto estima de classe que nunca vaipermitir que o Brasil volte a ser ruim como era antes do Lula/Dilma. Mesmo sem ele, sem o PT, seja quem for que vier no futuro não vai conseguir fazer no País o que fizeram de ruim antes. Até porque as organizações da própria sociedade vão cobrar muito mais.
E você acredita que esse projeto de governo apoiado oficialmente pela CUT e pela maioria do movimento sindical prosseguirá no governo por muito tempo?
Na democracia, a alternância de poder é normal e até saudável, mas espero que ainda demore muito, muito tempo mesmo para que outro projeto diferente do de Lula-Dilma-PT, que teve e tem o apoio da CUT, deixe o poder. Mas se isso ocorrer, repito que jamais o Brasil voltará a ser (ruim) como que era antes da eleição de Lula. O reconhecimento da forma de governar e de que é possível fazer coisas diferentes aliados à formação política do brasileiro não vão permitir que as conquistas sejam retiradas. A população e o eleitor serão muito mais exigentes. Isso é outro legado do governo lula. É legado do Lula, é legado do PT é legado da CUT, porque foi uma conquista que nós estabelecemos. É por isso que eu não posso me sentir com qualquer tipo de desconforto diante da minha própria análise de que essa trajetória de 10 anos foi transformadora e positiva para a história do Brasil.