Por William Nozaki, pesquisador do INEEP
A tramitação da reforma da Previdência segue dardejada entre a impopularidade da pauta e a inabilidade de articulação política do governo. O Ministério da Economia tenta contornar a falta de apoio parlamentar de deputados buscando angariar apoio federativo de governadores, e o ministro Paulo Guedes dobra a aposta, para aprovar a reforma da Previdência oferece uma reforma fiscal-federativa, o termo da barganha: a renda petroleira oriunda do pré-sal.
De outro lado, em 2018 as receitas petrolíferas viabilizaram a arrecadação recorde de 15 bilhões de reais para estados e mais de 10 bilhões para municípios em royalties e participações especiais sobre óleo e gás. Os estados de RJ e SP, onde estão situadas as Bacias de Campos e Santos, concentram cerca de 85% dessa arrecadação, 501 cidades receberam cerca de 1 milhão e 17 cidades arrecadaram mais de 100 milhões. A combinação de uma crise fiscal e de uma nova possibilidade de arrecadação via renda petroleira, inevitavelmente, faz convergir a mão e a luva.
Nesse cenário, a agenda da política de petróleo e gás tem entrado como instrumento de barganha no balcão de negociações. Em troca da aprovação da reforma previdenciária, o Ministério da Economia tem oferecido aos governadores: (i) repasse de cerca de 6 bilhões para entes subnacionais referentes ao leilão do excedente da cessão onerosa; (ii) repasse de até 70% dos recursos do fundo social do pré-sal, considerando o acumulado do fundo esse valor partiria de cerca de 16,8 bilhões; (iii) repasse de cerca de 10 bilhões para os estados que adequarem suas leis estaduais ao novo plano de abertura do mercado de gás natural. Esses três elementos compõe o núcleo duro das discussões políticas para a viabilização do Plano de Equilíbrio Fiscal Federativo (PEF), conhecido nos bastidores do governo como “Plano Mansueto”.
Em um ambiente de crise fiscal dos estados e de alta concentração e centralização da renda petroleira, é legítimo que se faça o debate sobre as mudanças nos critérios de distribuição dos royalties. O que é contestável, entretanto, é que esse debate seja feito desconsiderando estratégias de desenvolvimento de longo-prazo e se restrinja a problemas fiscais de curto-prazo.
É preciso que se discuta o conjunto dos recursos do excedente da cessão onerosa de modo que ele seja utilizado garantindo a desenvolvimento produtivo e industrial das regiões e não apenas como poupança para ajuste fiscal, é preciso que se debata a aplicação dos recursos do fundo social assegurando que eles sejam utilizados para o desenvolvimento social em educação e saúde e não apenas na rolagem de dívidas estaduais, é preciso que se debata o impacto da privatização do mercado de gás à luz dos preços e da qualidade dos serviços que serão ofertados aos consumidores e não apenas como compromisso preventivo com a austeridade fiscal estadual.
O petróleo é um recurso finito e de preço flutuante, por isso o uso da renda petroleira deve considerar o planejamento intertemporal e a solidariedade intergeracional. Caso contrário, no médio-prazo, se perderão oportunidades para o financiamento de políticas públicas e sociais importantes para o desenvolvimento regional e local; e no longo-prazo, quando a curva de produção fatalmente declinar ou quando o preço do barril eventualmente diminuir, esses estados e municípios enfrentarão uma situação ainda mais problemática do que a atual, no futuro estarão dependentes da economia do petróleo, mas em um cenário sem a mesma disponibilidade de acesso à renda petroleira.
As barganhas federativas em torno do pré-sal e da Previdência podem resultar em duas formas de se subtrair o futuro das gerações vindouras do país.
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[Artigo publicado originalmente na revista Carta Capital]