O petróleo é nosso, o pré-sal e nosso, a Petrobrás é nossa


Para avaliar de forma conseqüente o papel e o signifcado das descobertas petrolíferas que se convencionou chamar `o pré-sal`, primeiro é necessário compreender uma parte da história recente do Brasil. Há uma determinação fundamental que permitiu que se chegasse a esse expressivo potencial, o qual, embora não esteja quantificado, é estimado com um volume de recursos situado entre 30 e 130 bilhões (e até mesmo 250 bilhões para os otimistas) de barris equivalentes de petróleo. Para ilustrar esta grandeza, cento e trinta bilhões de barris equivaleriam a dez vezes o que a Petrobrás defniu, em termos de petróleo extraível por meios convencionais, como reservas provadas, até este ano. A posição do Brasil seria elevada a um patamar próximo das grandes reservas internacionais: Iraque, Venezuela, Irã, Kuwait, até a maior, da Arábia Saudita… Como e por que o país criou esta possibilidade?

Nos anos 40, percebendo a importância que passaria ter o domínio da energia para o processo de modernização produtiva, de aumento da produtividade, do processo de industrialização e de urbanização, de crescente mobilidade de pessoas e cargas, o povo brasileiro desenvolveu a campanha `O Petróleo é Nosso`. No bojo desse movimento criou-se a Petrobrás.

A primeira missão da Petrobrás foi garantir que todos os cantos do país tivessem acesso ao petróleo, então um fator essencial para modernização da vida e para o aumento da produtividade e quase inexistente no país. A Petrobrás cumpriu essa tarefa. Com todos os obstáculos e falhas que tenha havido, o fato é que, de 1954 até os anos 1970, nenhum canto do Brasil ficou sem abastecimento de petróleo, nem de derivados. Esse petróleo foi oriundo do exterior. A Petrobrás inclusive descobriu, nesse período, o maior campo petrolífero do Iraque, chamado de O Maluco, O Louco, dada a sua enormidade…

Porém, com o primeiro choque do petróleo em 1973 e o segundo choque em 1979, criou-se uma nova situação, na qual a economia mundial entrou em crise. O paradigma keynesiano de intervenção estatal defnida, forte, entrou em crise também, porque as taxas de acumulação do capital se reduziram drasticamente. Países como o Brasil, que tinham embarcado em um projeto de desenvolvimento acelerado, aprovisionado com financiamento externo, se viram de repente, duplamente ameaçados: pela conta petróleo, que se torna extremamente alta, e pela infação internacional, combinada com as altas taxas de juros decorrentes da crise americana dos anos 1980. Essas condições levam o Brasil a um novo limiar e a Petrobrás é solicitada a uma nova missão.

Frente à crise, no Brasil a estratégia teve que mudar: a meta era atingir a auto-sufciência. Não encontrando petróleo em terra, a Petrobrás, para assegurar sua missão de redução da dependência energética, migra para o mar. Então, progressivamente, da exploração em lâminas de água de poucas dezenas de metros, passa-se para centenas e, mais adiante, para um mil, dois mil e hoje, profundidades próximas a três mil metros. Com esse esforço, único no mundo, graças a alianças com a indústria nacional e internacional, com as companhias de serviços, com institutos de pesquisa brasileiros e internacionais, a Petrobrás constrói toda uma rede de competência tecnológica e de gestão que conduziu o Brasil à auto-sufciência em 2006. Do contrário, a condição macroeconômica do país hoje seria dramaticamente diferente no cenário atual.

Toda essa capacitação na área de exploração, de desenvolvimento, de produção, de gestão, associada à interação com as grandes organizações mundiais de ponta permitiram à Petrobrás propor um novo modelo de exploração. Era possível que as anomalias que ficaram registradas nas investigações geofísicas representassem mais petróleo. E comprovou-se que realmente era. Já em maio de 2007, o Presidente da República foi notifcado pela Petrobrás, pelo seu presidente e seu diretor de exploração e produção, que no pré-sal – isto é, aquela camada profunda, encimada por uma camada de petróleo e uma camada de sal – havia mais petróleo e de boa qualidade! Isso foi comprovado em maio de 2007.

Esse é o quadro em que nos encontramos hoje. É preciso, agora, valorar adequadamente as conquistas da auto-sufciência e do pré-sal, que são fruto de uma política nacional apoiada plenamente pela população brasileira já há mais de 60 anos, quase 70: a campanha `O Petróleo é Nosso`. A forma com que a Petrobrás atuou se adaptou aos tempos e às pressões, mas a sua grande trajetória foi cumprida memoravelmente e é uma das organizações que cumpre, digamos assim, uma função de nação e de Estado.

Diante do cenário atual, a estratégia adotada nos últimos anos pela Petrobrás, de acelerar os investimentos tendo em vista a perspectiva de exaustão defnitiva dos recursos de petróleo convencional no mundo, mostra-se acertada. Conhecimentos teóricos disponíveis permitem estimar que ainda haja cerca de dois trilhões de barris de petróleo convencional remanescentes. A uma taxa de retirada de 85 milhões de barris por dia, vão estar exauridos nos próximos 40 anos. Há ainda cerca de cinco ou seis bilhões de barris adicionais de petróleos não convencionais, de extração mais difícil e dispendiosa. Além disso, existem aproximadamente no Mundo dois trilhões de barris equivalentes de petróleo sob a forma de gás natural. O acerto da estratégia tem consistido em investir fortemente em produção e exploração no Brasil e no exterior porque há uma tendência de valorização defnitiva do petróleo nesse cenário de pré-exaustão, apesar das restrições colocadas pela mudança climática. O gás natural já é uma possibilidade adicional de gerar valor, porque cada 150 metros cúbicos de gás permitem a substituição de um barril de petróleo. E há ainda o esforço no segmento dos biocombustíveis para criar, desde já, uma alternativa defnitiva.

Essa estratégia é fruto de um trabalho histórico, de uma companhia cuja corporação remonta, hoje, a 68 mil pessoas. Seu grande patrimônio não é o petróleo encontrado, mas a capacidade de encontrar petróleo, desenvolver petróleo, desenvolver gás natural, dar soluções energéticas e construir os bicombustíveis. Isto é o valor da Petrobras e ele é fruto do esforço histórico do povo brasileiro que acreditou nela, que lhe deu apoio quando foi ameaçada de privatização, quando a chamaram de Petrobrax, e o povo brasileiro reagiu e manteve a Petrobras de pé. Nesse debate, chegaram a dizer que a Petrobras era uma empresa estrangeira. Embora ainda subsistam resquícios da cultura Petrobrax da época FHC, no seu conjunto ela continua sendo a maior realização histórica do povo brasileiro.

Há um conjunto de questões que devem ser respondidas e algumas decisões urgentes a serem tomadas.

O petróleo do pré-sal é uma jazida gigante única ou um arquipélago de grandes poços? Sem esse conhecimento, o risco de confito aumenta. Um concessionário pode sugar o petróleo de outro. Alguém pode querer se instalar na borda do pré-sal. A primeira decisão sobre os campos gigantes de petróleo do pré-sal deve ser a contratação da Petrobras, que os descobriu, para avaliar toda a sua extensão, mediante um contrato com o Governo Federal, pelo custo do serviço. Petróleo é, cada vez mais, um recurso geopolítico. As grandes reservas mundiais, hoje, estão sob o controle dos Estados nacionais e de suas empresas estatais.

Para que foi re-criada a IV Frota americana, para vigiar o Atlântico Sul, neste momento?

Há ainda uma pergunta que precisa ser respondida. Se foram retirados da nona rodada de licitação os blocos no entorno do poço de Tupi, por que não foram retirados os do arco de Cabo Frio, fnalmente arrematados por notório empresário nacional, que recrutou quadros técnicos na Petrobras, na antevéspera do leilão? O maior risco é que o acesso aos recursos e a partilha da produção sejam comandados a partir dos interesses urdidos nos palácios, sem qualquer participação popular e debate mais amplo. O açodamento na defnição dos modelos de partilha pode estar mais ligado ao calendário eleitoral do que ao aproveitamento dos recursos no interesse do povo brasileiro.

A segunda questão, mais importante ainda, é que mecanismo de gestão estratégica definirá como serão apropriados os recursos decorrentes do excedente econômico. O modelo criado em 1997, e ainda vigente, previa um prêmio para quem corresse o risco exploratório. No pré-sal não existe mais risco; o modelo atual não tem mais sentido. O modelo de exploração do petróleo vigente é baseado nos mesmos princípios do sistema fnanceiro internacional criado a partir dos anos 1980 – que acabou de ruir. Se o petróleo é nosso, ele deve ter a finalidade de permitir que sua riqueza resgate dívidas históricas e possibilite a construção de um futuro para o país, baseado na modernização tecnológica, na modernização da infra-estrutura, da base educacional e científca, na proteção ambiental e em todo um conjunto de ações estratégicas que venham a converter o Brasil num país diferente do que ele é hoje.

Há várias fórmulas possíveis, que permitam que esses objetivos sejam atingidos. Se a Petrobras e seu sucesso são fruto de uma política de Estado já há quase seis décadas, certamente os recursos do pré-sal também devem ter sua destinação debatida em profundidade no Congresso Nacional e na sociedade brasileira. Eis as razões para articular a campanha nacional `O petróleo é nosso, o pré-sal é nosso, a Petrobras é nossa`, reeditando, para os tempos atuais a vitoriosa campanha do povo brasileiro, que conduziu à criação da Petrobras em 1953.