O pesquisador e operador da Petrobrás aponta a necessidade de controle social sobre a renda petrolífera.







Em entrevista publicada originalmente no jornal Brasil de Fato, o pesquisador e operador da Petrobrás, Frederico Romão, aponta a necessidade de controle social sobre a renda petrolífera, tanto a futura renda do Fundo Social como os royalties para estados e cidades. 

Cada anúncio de nova descoberta na bacia do pré-sal – como recentemente ocorreu na Bacia de Campos, em consórcio formado pela Repsol, Petrobras e Sinopec – traz a questão latente sobre quem se apropria e como será distribuída a renda petrolífera. Do ponto de vista social, dentro do marco regulatório, a aplicação dos recursos ainda está em aberto, tanto no que toca à criação do Fundo Social, para controlar os recursos diretos da exploração do pré-sal, como dos “royalties”, renda indireta paga a cidades e estados atingidos pela exploração do hidrocarboneto.

O risco de uma injeção de recursos sem planejamento estratégico e centralizado no governo federal, o controle sobre esses recursos e a participação social nessa gestão, são alguns temas estudados pelo pesquisador Frederico Romão, para quem é preciso instâncias de controle social sobre os recursos. Confira a entrevista concedida ao Brasil de Fato, feita durante a V Plenária da “Campanha O Petróleo Tem que ser Nosso”.

O que é preciso para que o Fundo Social não se torne apenas uma injeção de recursos nas cidades, como ocorre com os royaties do petróleo?

O tema do Fundo Social é bastante interessante e penso que abre espaço para os movimentos sociais dialogarem com a população e com os setores de governo, com o parlamento. Porque é um tema que, a princípio, possui apenas positividade. O que seria apenas positividade? A ideia do Fundo é acumular recursos para que sejam aplicados visando desenvolvimento social e combate à pobreza, então esse é um tema muito positivo. O Fundo não existe, hoje não tem ninguém ganhando com ele, nem tem ninguém deixando de ganhar. Na largada é uma discussão positiva, que não vai sofrer restrição de nenhuma ordem, diferente dos royalties, que eu falarei em seguida. Mas não é só isso. É preciso estar atento para qual é a característica dos Fundos Soberanos, que têm essa denominação do ponto de vista internacional? A característica é serem fundos que garantam a aplicação do recurso de forma mais controlada e pensada, ou seja, não são criados para o hoje, mas para o amanhã. Mas uma segunda característica é a questão da intransparência. Esses fundos hoje têm ativos de mais de quatro trilhões de dólares (no mundo, entre 50 Fundos Soberanos). Você pode multiplicar por mil isso se você quiser entender quanto esses fundos controlam, porque eles têm ações de empresas como Citybank, Financial Times, etc.

São aplicações nas bolsas mundiais.

Isso. E normalmente a ideia é que você aplique fora do seu país para não incorrer na questão da “doença holandesa”, ou seja, você deixa o recurso aqui dentro, supervaloriza sua moeda, e daí você vai ter uma série de problemas – o que está exposto em bibliografia que cuida do tema. Do ponto de vista de controle, se é uma característica a intransparência, temos que ter cuidado: um deles é garantir a transparência, até porque estamos em país que tem como característica, ao longo de sua história, os setores da elite se apropriarem das riquezas. Um dos elementos para garantir transparência é, nas duas instâncias de deliberação do Fundo e de formulação de políticas do Fundo, ter setores e encontrar mecanismos – a determinação de quem compõem essas duas instâncias vai ser do Poder Executivo, do Presidente da República, então há que ter diálogo e pressão para que essas instâncias garantam transparência para a sociedade. Não é suficiente apenas se prestar contas a cada três meses no Congresso Nacional, é preciso garantir que os ministérios da área social estejam representados, e que existam fóruns e mecanismos de modo que setores para além do governo possam acompanhar a aplicação desse recurso.

Não é suficiente apenas se prestar contas a cada três meses no Congresso Nacional, é preciso garantir que os ministérios da área social estejam representados, e que existam fóruns e mecanismos de modo que setores para além do governo possam acompanhar a aplicação desse recurso.

Você mencionou a doença holandesa. Há a chance de cairmos nisso, como apontam muitos economistas, apesar desse mecanismo de controle, que é o Fundo?

Existem alguns movimentos que são universais, o que não significa dizer que vão ocorrer de igual forma e no mesmo tempo em todos os lugares. Eles são universais porque assumem a característica de acordo com o período e o local em que ocorrem. Penso que no Brasil a doença holandesa pode acontecer, mas não com as características claras como aconteceu em outros países. Acho que o Brasil tem um parque industrial e economia estruturada, dificilmente o advento do pré-sal venha a provocar uma desindustrialização, de tal forma que a economia toda fique apenas sustentada no petróleo. Isso porque o movimento social e econômico reproduz a disputa social que ocorre na sociedade, assim os outros setores da economia vão se movimentar em sentido contrário e com certeza com repercussão. Agora, o que é possível acontecer, e já ocorre, é uma doença holandesa de tipo diferente. Por exemplo, quando examinamos os dados da distribuição de royalties nos municípios brasileiros dos cinco estados que temos pesquisado, constatamos que essa doença holandesa já está instalada do ponto de vista regional, porque são municípios que se sustentam com petróleo, que não têm economia, que não têm agricultura. Em alguns casos, as folhas de pagamento dos municípios dependem das receitas do petróleo. E não só cidades de pequeno e médio porte, mas o estado Rio de Janeiro, com essa questão da mudança do marco regulatório, houve depoimentos colocando em cheque a possibilidade de pagamento de servidores, em função da perda de receita do estado. Concluindo, a doença holandesa não se instalaria nos moldes da Nigéria ou Holanda, mas pode ser deletéria da mesma forma, mas a partir de efeitos diferenciados.

O que é? Royalties

Classificados como a renda indireta da exploração do petróleo. São recursos que hoje alcançam apenas 10% da renda petrolífera. Trata-se de uma forma de tributação com o objetivo de pagamento dos danos próprios da produção dos hidrocarbonetos, durante sua extração, transporte etc.

Sua pesquisa parece não ter encontrado municípios que façam uma boa aplicação dos royalties, com planejamento político. Parece que a característica clássica é a centralização dos recursos nos políticos locais.

É verdade. Nós não temos dados que demonstrem a boa aplicação dos royalties, mas é interessante ressaltarmos que o que nos movimenta em relação à pesquisa dos royalties não é puramente a questão econômica, mas entender que, quando estamos falando nesse tema, trata-se de uma receita com repercussão social absurda (…) O que podemos constatar nos municípios que mais produzem petróleo e recebem royalties, os dados são abundantes nesse sentido, de que a aplicação não tem sido correta, pelo menos no tocante aos municípios maiores produtores de petróleo.  

Ao mesmo tempo, o seu raciocínio demonstra que os royalties, mesmo sendo parte da renda indireta do petróleo, incomparável com o montante do Fundo Social, é um grande recurso, que poderia ser melhor controlado e aplicado.

A partir da discussão do Fundo, da sua importância, até porque não é algo brasileiro, mas uma construção internacional, é possível construir alianças, ganhar a sociedade para a discussão de que a questão não é ter recursos, mas como é que nós aplicamos de forma socialmente correta, e para que isso aconteça é preciso que tenha fiscalização e Controle Social. A discussão não está dada. Do Fundo Social não tem os decretos presidenciais determinando como vai ser o gerenciamento. A legislação aprovada ainda tem espaço para a pressão social. Do ponto de vista dos royalties, da mesma forma, a lei foi aprovada em 2010, inclusive com a “Emenda Simon” vetada. Nós entendemos que apesar da boa intenção, que era preservar recurso dos municípios maiores produtores, ela joga água no moinho da dispersão de recursos e da redução do controle. Porque os dados são claros: os recursos do petróleo, uma vez sobre o controle da União, você tem o Tribunal de Contas da União, que faz a fiscalização e você tem a determinação: em cada ministério, de ciência e tecnologia, etc onde tem que ser aplicado. Em oposição a isso, os royalties, quando vão aos municípios, não tem destino certo, os tribunais são absolutamente suscetíveis à pressões políticas, vamos dizer, de menor capacidade de ver o sentido de nação, porque sofre a pressão política do prefeito, do deputado estadual, etc . É uma mudança que jogaria água na dispersão de recursos, e reduziria o controle. O problema é que quem hoje tem a hegemonia na discussão são os prefeitos que ganham as suas populações dizendo ‘nós precisamos do dinheiro’. Antes disso, temos que definir a aplicação.

“É possível construir alianças, ganhar a sociedade para a discussão de que a questão não é ter recursos, mas como é que nós aplicamos de forma socialmente correta, e para que isso aconteça é preciso que tenha fiscalização e Controle Social. A discussão não está dada”

Se a distribuição dos recursos fosse simplesmente equilizada, como prevê a Emenda Simon, não haveria centralidade no planejamento dos recursos?

Ao invés de ter um recurso centralizado, você faz a pulverização. Se um determinado município recebe x, cada morador da cidade vai receber 500 reais, por exemplo. No ano, o que o cidadão faria com 500 reais? Ao contrário, eu posso construir uma escola, aplicar na Reforma Agrária, no saneamento, construir um posto de saúde. Então, essa dispersão, da forma que acontece, e a proposta do Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e depois o adendo do Pedro Simon (PMDB-RS) jogam nesse sentido e dispersam os recursos. Há estudos que mostram que aonde o recurso é centralizado, é o caso da Saúde, da Educação, nos quais há repasses que chegam nos municípios de forma carimbada. Do contrário (caso do transporte urbano e saneamento), onde não tem essa regulação federal, não tem repasse condicionado, então os municípios não aplicam nessas áreas, então, a proposta de dispersão efetuada por Ibsen e depois adendada por Simon não vai agregar valor, vamos dizer assim, aos recursos dos royalties, corremos o risco de reeditar de forma agora maior (porque os recursos do pré-sal são recursos muito maiores que os royalties) um tipo de doença holandesa que observamos acontecer regionalmente.

 

“Do contrário (caso do transporte urbano e saneamento), onde não tem essa regulação federal, não tem repasse condicionado, então os municípios não aplicam nessas áreas” .