Se para um país desenvolvido, assim caracterizado pelo seu maior domínio na ciência e na tecnologia, a continuidade de investimento nessa fronteira deve ser uma diretriz permanente para que nessa condição se mantenha, nos países como o Brasil, torna-se uma necessidade inadiável e urgente torná-la como eixo estruturante para que, nessa área, supere seu estágio de subdesenvolvimento.
Alguns aspectos da formação econômica do Brasil
O capitalismo se constituiu no Brasil quando no mundo ele já estava configurado num padrão de desenvolvimento monopolista, tendo ainda um passado colonial escravista como ponto de partida.
Da fase de sua economia mercantil colonial exportadora, da capitalista exportadora com trabalho assalariado, das fases de sua industrialização até a consolidação do capitalismo no país, teve seus estágios sempre contidos e restringidos por uma configuração a partir das divisões internacionais do trabalho, surgida desde a fase do capitalismo concorrencial até a fase superior do modo de produção capitalista, o imperialismo.
Romper esse cerco, constituído bem antes de nossos processos, sem um aporte creditício, tecnológico e educacional – nos levou, dentre outras razões políticas, a não superação de tais óbices, os quais condicionam o padrão de desenvolvimento brasileiro. “Um determinado capitalismo tardio” em todas as suas dimensões econômicas, política, sociais ou ideológicas.
Mais uma divisão internacional do trabalho?
O atual período na política internacional está rico em acontecimentos marcantes e determinado pela fortíssima crise capitalista, acontecimento que põe em xeque a atual geopolítica, pois esta se tornou um freio ao desenvolvimento da humanidade.
Essa realidade atual, ao mesmo tempo em que ameaça o padrão civilizatório da humanidade, dialeticamente cria tendências que rompem com o perverso unilateralismo predominante nos últimos vinte anos, e cria oportunidades.
A nova estrutura econômica mundial revela importantes alterações. Sem contabilizar o Japão, as economias asiáticas respondem por quase 43% da produção global, enquanto em 1973 representava 16,4%. Os Estados Unidos e a Inglaterra, que juntas respondiam por 26,3% em 1973, representam atualmente 21,5%. Essa inversão sinaliza a configuração de uma nova divisão internacional do trabalho assentada na desindustrialização de um antigo centro e a industrialização de outros.
Com esse quadro internacional, mesmo com rentismo continuando no comando político internacional, o Brasil com sua nova maioria política popular no comando,pode evitar que a nova estrutura produtiva externa mais uma vez condicione nosso padrão de desenvolvimento e condene o país a uma mera condição de complementariedade.
A ciência, a tecnologia e a inovação como elementos estruturantes no desenvolvimento de uma nação
Um país dotado de uma ciência avançada, capaz de introduzir tecnologias e inovações de uma forma constante, é uma arma decisiva para enfrentar esse acirrado e tenso ambiente capitalista imperialista atual. É uma condição indispensável para promover um padrão de desenvolvimento que valorize o trabalho e eleve as condições materiais, sociais e culturais de uma nação.
Atualmente, com a transição no centro dinâmico do mundo, dos EUA para a Ásia, principalmente para a China, estar bem estruturado nessa questão potencializa o sucesso em torno das oportunidades que tal passagem, sobretudo com a crise ora em curso, ascende.
Essa nova configuração concentra e centraliza mais capitais, elevando cada vez mais, o estágio da globalização e alterando as condições de concorrência e competitividade em escala global. Nesse cenário, um dos pilares centrais para efetivação de projetos nacionais de desenvolvimento é uma efetiva política de Estado que garanta o investimento na ciência, tecnologia e na inovação. Esse rumo garante maior domínio sobre um grande valor agregado concorrencial: o conhecimento técnico-científico.
Conformar-se e/ou ceder à restrição de ser proprietário de recursos naturais e territoriais, nos legará o papel de meros fornecedores de matérias-primas e de mercados importadores de produtos de maior valor agregado – produzido dessa mesma matéria-prima. Um caminho que retarda a prosperidade civilizacional de qualquer nação.
Cada vez mais o desenvolvimento econômico dos países está sustentado nas políticas de C, T & I. Exemplos são os Estados Unidos, Coréia, Japão e China que têm as colocado como eixos centrais de suas estratégias para a retomada e a ampliação dos seus crescimentos.
A agenda das prioridades estratégicas nacionais na pesquisa e na inovação tem sido marcada pela sustentabilidade ambiental. Nos países centrais e nos emergentes, também se destacam a segurança energética e alimentar, a saúde, envelhecimento da população, urbanização e gestão de recursos hídricos. A nanotecnologia, biotecnologia, tecnologias de comunicação e informação e a neurociências são campos também prioritários.
Seus planos focam no aumento da competitividade industrial. No entanto, em países com nível avançado com relação às atividades de P &D e de inovação, como da Coréia, do Japão e dos Estados Unidos, a atenção está concentrada nos investimentos em ciência básica, na pesquisa pública e na formação de recursos humanos para reforçar a base para inovações futuras, incluindo aí estimular o interesse dos jovens pela ciência.
Já as nações atrasadas nesses processos suas estratégias dão ênfase à capacidade de gerenciar as políticas públicas que reforcem a relação entre a universidade e a indústria, melhorar a qualidade do ensino superior e a pesquisa nacional.
O Brasil, seu passivo e suas novas oportunidades
A partir da mencionada caracterização histórica brasileira e o modo como inúmeros países encaram esse tema, constata-se a defasagem atual do Brasil e que, portanto, alterar essa lógica de país econômica e tecnologicamente dependente e tardio, continua na ordem do dia.
Se para um país desenvolvido, assim caracterizado pelo seu maior domínio na ciência e na tecnologia, a continuidade de investimento nessa fronteira deve ser uma diretriz permanente para que nessa condição se mantenha,nos países como o Brasil, torna-se uma necessidade inadiável e urgente torná-la como eixo estruturante para que nessa área, supere seu estágio de subdesenvolvimento.
O Brasil também teve seu despertar tardio para tal necessidade. Seus primeiros passos datam a partir de 1960 com a institucionalização da pós-graduação, mas ainda hoje sofre com as restrições orçamentárias e as limitações de foco e alcance do setor empresarial produtivo brasileiro.
Onde também estão Ilustrada as conseqüências dessa realidade é no Comunicado do IPEA nº 133, divulgado no dia 03/02/2012 sob o título: “Crescimento baseado em commodities preocupa IPEA”.
Afirma o comunicado: “Estes setores, de reduzido efeito multiplicador sobre o restante da economia e de baixo valor agregado, impõe obstáculos a uma estratégia de crescimento sustentado no longo prazo, sobretudo se a distribuição da produção estiver se concentrando. Para um país que necessita ampliar suas condições de competitividade externa, essas características devem ser vistas como, no mínimo, preocupantes em uma estratégia de desenvolvimento industrial e econômico.” Outro dado que revela a baixa cultura nacional pela inovação, é o número de pedidos de patentes de invenção depositados no Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos: Japão fez mais de 81 mil pedidos em 2009, a China quase sete mil e o Brasil 464.
Foi também a partir dos dados ali contidos que afirma o economista e Presidente do IPEA, Márcio Pochmann:
“É impossível o Brasil enfrentar os próximos 15 anos sem uma grande mudança tecnológica, como fizeram a Coréia e a China. Nosso desenvolvimento tem andado a passo de tartaruga. Tecnologicamente ainda estamos na década de 90. Enquanto isso, a China fez uma revolução tecnológica em 20 anos; a Coréia em 30. O Brasil está chegando atrasado porque ficamos de 1983 até 2003. Se nós não fizermos um programa tecnológico de 50 anos em 5 anos – e educacional também, já que, apesar dos avanços na educação, nós ainda estamos no século passado nesta área – será muito difícil superar nossos problemas.”
Portanto, o Brasil, que integra o conjunto dos emergentes (BRICS), diante dessa nova crise capitalista, precisa adotar uma postura de maior ousadia, aproveitá-la como nova oportunidade para impulsionar também a produção do conhecimento e de inovações na economia brasileira, superando nosso atraso tecnológico.
Nessa direção, efetivar no país uma política de Estado em torno da C, T & I, inserida num planejamento estratégico nacional de desenvolvimento integrado, viabilizado por uma robusta taxa de investimento de largo período, é dotar o país de uma condição que possibilite promover o efetivo desenvolvimento nacional e inserir o Brasil soberanamente nas relações políticas, econômicas e comerciais com o novo mundo.
Com o potencial brasileiro e o seu novo papel na quadra internacional, é uma exigência nacional transformar a insistente condição de uma economia primarizada exportadora em uma industrializada, mergulhada na era do conhecimento e da informação, produtora de bens de capital e de produtos de maior conteúdo tecnológico.
A ENCTI e sua sintonia com o projeto nacional de desenvolvimento brasileiro
Foi aprovada no final do ano passado a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), uma valiosa contribuição para o novo padrão de desenvolvimento que se faz necessário ao Brasil, e que tem na C, T & I um de seus eixos estruturantes, e que através dela buscará transformar o país numa potência científica e tecnológica.
O plano contém cinco desafios e objetivos a serem superados: a redução da defasagem científica e tecnológica do país frente aos grandes centros; expansão e consolidação da liderança nacional na economia da natureza; ampliação da sustentabilidade ambiental; consolidação de novo padrão de inserção internacional do Brasil e a superação da pobreza e redução das desigualdades regionais. Para obter esses resultados, foram constituídos cinco eixos estruturantes e nove projetos prioritários.
O grande desafio será viabilizar o financiamento dessa estratégia, mesmo com o baixo valor previsto de R$ 88 bilhões entre 2011-2015 para que em 2014 o dispêndio nacional com P&D em relação ao PIB alcance 1,80%, contra 1,19% de 2009.
O desafio está mais uma vez lançado.
Mãos à obra.
Fontes: Marcelo Proni e João Manuel Cardoso de Mello – UNICAMP, IPEA, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
*Divanilton Pereira é potiguar e Técnico de Petróleo da Petrobrás, membro do Comitê Central do PCdoB, membro da Direção Nacional da CTB e da Federação Única dos Petroleiros, membro do Conselho Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação do MCTI e membro do Conselho de Competitividade de Petróleo, Gás e Naval do MDIC.