O novo marco regulatório para o pré-sal e os campos maduros










INTRODUÇÃO

Este texto objetiva apresentar uma opinião política sobre o desenvolvimento do processo em curso, que está definindo a nova legislação petrolífera no Brasil, particularmente para o pré-sal.

Não tem a pretensão de examinar em detalhe os quatro projetos de lei que versam sobre a matéria e que já foram objeto de debates, disputas e aprovação na Câmara dos Deputados. Eles agora seguem para a apreciação no Senado Federal.

Aproveitarei, também, para informar sobre o nosso trabalho em Brasília, no acompanhamento da tramitação desse tema. Deter-me-ei, com maior detalhe, sobre os rumos, ainda em disputa, envolvendo a regulamentação das atividades nos campos maduros de nossas bacias sedimentares.

UM PASSO IMPORTANTE E SUAS CONTRADIÇÕES

Sobre o conjunto da obra apresentada pelo Executivo, penso que ele expressa um avanço em relação à legislação vigente, em que pesem algumas limitações e contradições em seu conteúdo.

Durante essa etapa podemos caracterizar três vertentes políticas que disputam esse processo: a do Governo com seu projeto; a dos movimentos sociais, à qual nos integramos, conseguindo transformar nossas proposições no PL 531/2009, cujo conteúdo tem um alcance maior que o do Executivo; e a da oposição, com fortíssima representação dos interesses das multinacionais, e que aposta em procedimentos protelatórios regimentais, com um nítido objetivo de manter a atual legislação por eles implementada.

A resultante desse processo – ainda que alguns aspectos importantes tenham sido aprovados, com destaque para a modalidade da partilha  – está sendo um rebaixamento político provocado por forças opositoras e/ou por outras, motivadas pelas contradições típicas de um ano eleitoral.

A "guerra" entre os entes federados estabeleceu-se em torno de quem mais se apropria dos resultados financeiros do pré-sal. Nos episódios mais polêmicos, envolvendo os royalties, as soluções encontradas pelos relatores ou pelos deputados sempre passam pela subtração de recursos da parte da União como meio de mitigar essas contradições, ou seja, retirando as verbas do Fundo Social.

Lembramos que este Fundo é o meio financiador que possibilitará a aplicação de uma política nacional mais articulada. Bem diferente dos recursos que são destinados aos Estados e Municípios, e que, no Brasil, sequer temos um arcabouço político-administrativo capaz de controlar adequadamente sua utilização e até a sua apropriação.

O episódio da Emenda “Íbsen Pinheiro" comprova essa caracterização. O próprio proponente articula uma nova Emenda no Senado para que saia da União – Fundo Social – os valores para compensarem os Estados produtores.

O Governo não conseguiu liderar uma necessária mediação em torno desse tema, tão sensível no atual contexto eleitoral. Agora, corre o risco de assistir a vitória da tática da direita, que busca não aprovar este ano uma nova legislação petrolífera no Brasil. Isso implica, dentre outras conseqüências, em emperrar os investimentos previstos pela Petrobras – até 2013: 59% dos R$ 499bilhões no setor, no Brasil.

A CENTRALIZAÇÃO DE INVESTIMENTOS E SEUS IMPACTOS NA CADEIA PRODUTIVA

Observando o histórico das grandes descobertas de reservas de petróleo feitas pela Petrobras, percebemos que esses importantes episódios levaram a Empresa a promover uma relativa concentração de investimentos.

A lógica puramente econômica – escala da empresa, volumes de produção envolvidos – pautou prioritariamente essas decisões. E, independentemente da orientação política que esteja na direção da Petrobras, essa tendência sempre se manifesta.

No momento da crise do petróleo, o Brasil, através da Petrobras, direcionou seus maiores esforços de exploração e produção para as plataformas marítimas. A grande descoberta da Bacia de Campos é resultante dessa decisão.

Ao mesmo tempo – sem a exata precisão da linha do tempo – nos campos petrolíferos terrestres também ocorreram grandes descobertas. Particularmente no Nordeste brasileiro.

UMA NOVA COMPOSIÇÃO ACIONÁRIA E O LUCRO COMO FOCO ABSOLUTO

As gestões de orientação neoliberal alteraram a composição acionária da Petrobras e, por conseguinte, adotaram uma reestruturação assentada nas unidades de negócios, com um nítido objetivo de desintegrar o sistema da empresa.

O foco era, a partir dos resultados mensurados nessas novas estruturas “independentes”, o de só promover investimentos onde a rentabilidade fosse maior.  Nas demais ditas não rentáveis, seria sua desmobilização – recursos humanos e de ativos. A integralidade sistêmica da empresa era desconsiderada como meio de suportar todos os resultados das estruturas que compunham o sistema Petrobras.

Essa formulação, ainda que em menor grau, ainda está presente na empresa enquanto categoria administrativo-financeira.

Nesse sistema em funcionamento, essas contradições ocorrem com maior ênfase na medida em que alguns campos petrolíferos, sobretudo os terrestres, alcançam suas relativas maturidades, repercutindo em seus níveis de produção.

É dentro desse cenário que medidas adotadas pela Petrobras, sustentadas no conceito já mencionado, vem desmobilizando e fragilizando os níveis de investimento em parte desses setores. O crescimento das homologações das rescisões contratuais do trabalho no segmento da prestação de serviço é um importante indicador.

No Nordeste, sem precisar caracterizar o nível de desenvolvimento dessa região, essas diretrizes trazem repercussões econômicas, mas também políticas. Seja sobre os trabalhadores e trabalhadoras envolvidos na cadeia produtiva do petróleo, seja sobre as economias locais.

Cortes de investimentos, transferência de pessoal e desmobilização de alguns ativos deram foram a tônica no auge do período neoliberal. Entretanto, essa mesma visão ainda hoje se manifesta, e sua execução, quando ocorre, é resultante das condicionantes intrínsecas do sistema de forças que integram a atual gestão da Petrobras.

O PRÉ-SAL E UMA VELHA E RECORRENTE DISPUTA

Com o advento da conquista do pré-sal, com toda a sua dimensão de possibilidades para o país e por suas exigências financeiras e humanas, essas medidas concentradoras de investimentos novamente se manifestam.

Agora, com uma nova particularidade: ocorre no momento em que é definido um novo marco regulatório para o país, e em pleno período eleitoral.

Nessas circunstâncias, surgem algumas fundamentações, umas travestidas de novas, que vêem no lucro fácil o único caminho. Outras, que acreditam ser possível viabilizar a constituição de um novo segmento industrial nacional, que atue de forma concentrada sobre os campos maduros do país.

É em função dessa ambiência – de múltiplas responsabilidades – que proposituras legislativas ocorrem tentando consagrar uma regulamentação setorial específica.

A NOVA LEGISLAÇÃO PETROLÍFERA E OS CAMPOS MADUROS

Durante os trabalhos das comissões especiais que debateram os quatros projetos de lei oriundos do Executivo, surgiram emendas que buscavam regulamentar as atividades nos campos maduros, expressando as concepções anteriormente já explicitadas.

Originalmente, na comissão que versava sobre o regime da partilha, foram inúmeras as emendas que, sob o argumento da desmobilização patrocinada pela Petrobras nessas áreas, obrigavam as grandes empresas, quando vencedoras nas futuras licitações desses campos, a devolverem à União, e esta, a disponibilizá-la, via licitação ou não, às empresas caracterizadas como pequenas e médias, no segmento petrolífero.

Nessa oportunidade atuamos como contra-tendência, apresentado exposições de motivos junto ao relator e nas diversas audiências públicas em que participamos, tanto na Câmara Federal quanto no Senado.

Fruto desse esforço coletivo, conseguimos convencer o relator a retirar do seu parecer final o conteúdo de uma emenda (ver *Art.51do PL 5.938/2009 abaixo) que propugnava a obrigatoriedade da cessão.

Substituindo o conteúdo original, mediamos, através de um artigo (ver **Art.53 do PL.5938/2009 abaixo) a inclusão, que delega ao Poder Executivo, a atribuição de estabelecer uma política que vise estimular a atuação das pequenas e médias empresas nessa atividade específica.

Abaixo transcrevo as redações originais que contêm o parece do relator e a outra que foi aprovada em plenário final na Câmara dos Deputados, em 10/03/2010:

“(Relator) *Art. 51. O titular de contrato de concessão para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural que descobrir campo marginal de petróleo ou gás natural a partir da data de publicação desta lei deverá promover a cessão de direitos e obrigações referentes a esse contrato, preferencialmente por meio de licitação, somente podendo participar do referido certame empresas produtoras independentes de petróleo e gás natural de pequeno e médio porte.

Parágrafo único. O Poder Executivo regulamentará o disposto no caput no prazo de cento e vinte dias contados da data de publicação desta lei.

§ 1º Para os fins desta lei, entende-se campo marginal de petróleo ou gás natural como aquele cuja reserva provada de petróleo e gás natural seja menor ou igual a um milhão de barris equivalentes de petróleo.

§ 2º A ANP estabelecerá a definição de empresa independente de petróleo e gás natural de pequeno e médio porte.

(O aprovado-final) **Art. 53. O Poder Executivo estabelecerá política e medidas específicas visando ao aumento da participação de empresas de pequeno e médio porte nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural.

Parágrafo único. “O Poder Executivo regulamentará o disposto no caput no prazo de cento e vinte dias contados da data de publicação desta lei.”

Percebe-se, portanto, pela redação aprovada, que o desafio de garantir os investimentos em nossos campos maduros através da Petrobras persiste, pois além de ter que ser apreciado ainda pelo Senado, temos que intensificar desde já os contatos junto ao Governo Federal, antes que ele regulamente a matéria, conforme prevê a Lei, de uma forma inapropriada aos interesses de nossa região.

Essa deve ser nossa tática central imediata, pois essa regulamentação terá caráter permanente.

Já, dentro desse objetivo, foram mantidos contatos nesta semana com a ministra do Gabinete Civil, Dilma Roussef, oportunidade que apresentamos nossas argumentações. A ministra delegou ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que viabilizasse uma audiência conosco. Este encontro está inicialmente previsto para a próxima semana.

A CAPITALIZAÇÃO DA PETROBRAS E OS CAMPOS MADUROS

No PL 5.941/2009, surgiram as mesmas manifestações sobre os rumos da política para os campos maduros. Entretanto, o que prevaleceu foi a sustentação de que as pequenas e médias empresas têm espaços para atuar. Os defensores alegam que, pelas escalas menores dessas empresas, estas dinamizariam a atividade industrial desmobilizada pelas grandes empresas.

Esse projeto, aprovado na Câmara, no dia 03/03/2010, prevê que a Petrobras receba onerosamente da União 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo, cabendo à Petrobras pagá-lo em ações, proporcionando uma presença maior do Estado na atual composição acionária.

Através de uma emenda aglutinativa de plenário, acresceu-se um parágrafo no qual se possibilita, ou seja, é dada a faculdade à Petrobras, quando do ressarcimento à União, de utilizar-se em até 100 milhões de barris de óleo equivalente de petróleo dos campos maduros que estejam 100% sob sua concessão. Segue o novo parágrafo e o prazo de validade dessa lei:

“§ 4º O pagamento de que trata o § 3º, num montante equivalente ao valor de mercado de até 100.000.000 (cem mi­lhões) de barris de óleo equivalente de petróleo e/ou gás de volumes recuperáveis, com 100% (cem por cento) de participa­ção da Petrobras, poderá ser efetivado mediante a devolução pela Petrobras, em comum acordo com a ANP, de áreas sob con­tratos de concessão relativos a campos terrestres em desenvol­vimento ou em produção

Art. 8º A autorização de que trata o art. 1º é válida pelo prazo de 12 (doze) meses, contado da data de publicação desta Lei.”

HÁ CONTROVÉRSIAS

Mesmo reconhecendo as diferenças entre o projeto original e a emenda aglutinativa aprovada, penso que apesar de existir uma relativa desmobilização em torno dos campos maduros e marginais, sobretudo no Nordeste do Brasil, os caminhos até então aprovados pela Câmara dos Deputados não asseguram que obteremos níveis de investimentos capazes de reincrementar essas atividades, sem a participação em escala da estatal.

O mundo e o Brasil vivem sob os efeitos da mais recente manifestação da crise capitalista. Nesse momento, uma tendência intrínseca do capitalismo monopolista, ganha maior velocidade: a centralização e a concentração de capitais. E, na área petrolífera, um negócio intensivo de capitais, na história e até atualmente, esse movimento é bem recorrente.

No atual estágio de desenvolvimento da indústria petrolífera no mundo e em nosso país, a possibilidade de pequenos e médios novos agentes se consolidarem como operadores no ramo do petróleo é questionável.

A cadeia produtiva do álcool no Brasil é uma prova desse risco de desnacionalização, nos quais os pequenos e médios agentes estão sendo “incorporados” pelos grandes empreendimentos mundiais.

Imaginar que, pela aparente menor escala em torno das atividades nesses campos, seja necessário um baixo valor nos investimentos, é um equívoco. Pelo contrário, aspectos de atendimento de proteção ambiental, da logística, da modalidade de contratação de pessoal, de serviços e de equipamentos, indicam aportes em cifras não tão pequenas.

Uma empresa de grande escala – desde que ciente de seu papel econômico e social – reúne melhores condições para superar esses gargalos.

Só no Rio Grande do Norte, por exemplo, onde aproximadamente 50% de suas concessões possuem reservas menores do que 1 milhão de barris de óleo, a Petrobras realizará, nos últimos seis anos e até 2011, dispêndios que chegarão a cifra de R$ 1,4 bilhão. Outras unidades nordestinas possuem características próximas.

Se computarmos a totalidade dos dispêndios já executados e os investimentos previstos para esses campos, comprovaremos a exigência de uma grande escala para conduzir adequadamente esses empreendimentos industriais, mesmo que marginais.

CONCLUSÃO

Portanto, mesmo reconhecendo a tendência prevalecente numa economia de mercado, que busca permanentemente maior rentabilidade, e que essa situação se apresenta a alguns anos nas regiões envolvidas, temos uma opinião contrária aos caminhos ora propostos.

Mesmo que a capitalização seja episódica, na qual a cessão é uma faculdade dada à Petrobras, ela cria uma situação de certa instabilidade, inclusive empresarial.

Por essas razões devemos, desde já, nos articularmos junto ao Governo Federal, para que, este, quando vier a ter que regulamentar as atividades vinculadas aos campos maduros do Brasil (Art.53 do PL 5.938/2009), observe as particularidades políticas, econômicas e sociais das regiões envolvidas.

Ao mesmo tempo, devemos sugerir que a União oriente a gestão da Petrobras a não se utilizar da prerrogativa prevista em Lei (Art.1º PL.5941/2009) aprovada pela Câmara dos Deputados – que prevê a possibilidade de pagamento de parte da cessão onerosa através dos campos maduros e marginais – até que a nova regulamentação do Executivo seja apresentada.

Mãos à obra.