O líder Nacional do MST desmente as acusações de vandalismo na área da Cutrale e fala sobre o resultado do Censo Agropecuário 2006








"Censo reflete o que já denunciamos"

Em duas recentes entrevistas à Agência IPS (Inter Press Service) e à Folha de São Paulo, o líder nacional do MST, João Pedro Stedile, fala sobre o resultado do Censo Agropecuário 2006, divulgado na semana passada, e ressalta que os últimos ataques da mídia representam mais uma tentativa de impedimento da reforma agrária e de criminalização do MST e dos movimentos sociais.

A imprensa da FUP fez uma junção das duas declarações.

Veja na íntegra:

IPS – O que revela este informe do Censo Agropecuário agora publicado pelo IBGE?

É um verdadeiro retrato estatístico da realidade agrária brasileira, já que os pesquisadores vão pessoalmente a todos os estabelecimentos agrários do país. Reflete o que já vínhamos denunciando e sentindo na prática: nos últimos dez anos, houve uma brutal concentração da propriedade da terra no Brasil. As propriedades acima de mil hectares controlam nada menos que 46% de todas as terras do país. Já as propriedades com menos de 10 hectares detêm apenas 2,7% das terras. Em quase todos os estados do Brasil, a concentração da propriedade medida pelo índice de Gini aumentou. Tivemos uma democratização real apenas no Maranhão e em Roraima, pela importância dos Projetos de Assentamento e colonização havidos por lá. Acredito que agora devemos ser o país de maior concentração da propriedade da terra no mundo.

IPS – A revelação constata o que vinha dizendo o MST?

Isso apenas confirma o que vínhamos denunciando, de que nos últimos dez anos a agricultura brasileira passou a ser dominada pelo grande capital internacional e financeiro, que se uniu aos fazendeiros para aplicar o modelo agrícola do agronegócio. E isso estava levando a uma brutal concentração da produção e da propriedade da terra. Nós percebíamos isso na expansão dos monocultivos da soja, cana, laranja, da pecuária extensiva e do eucalipto. E agora está expresso em números. Por outro lado, comprova que a política de assentamentos pontuais, apenas em casos de conflitos sociais, e a prioridade para projetos de colonização em terras públicas da Amazônia legal, realizada no governo Lula, não atacava a grande propriedade. E portanto, o resultado era uma contra-reforma agrária, ou seja, um aumento na concentração da propriedade da terra.

FOLHA – Independente da situação legal da propriedade (o MST diz que é grilada), a ação em Iaras chama a atenção pela destruição deliberada de alimentos. Foi um erro destruir aqueles pés de laranja?

O fato de a área ser grilada, confirmado pelo Incra, não é algo secundário. Esse é o fato. Um dos princípios que o MST respeita é a autonomia das famílias de nossa base tomar suas decisões, a partir das circunstâncias que vivem. As famílias estão acampadas há mais de cinco anos. Entendemos a indignação daquelas famílias. À distância, a população pode achar que derrubar pés de laranjas foi uma atitude desnecessária. A direita, por meio do serviço de inteligência da PM, soube utilizar as imagens contra a Reforma Agrária, se articulando com meios de comunicação para usá-las insistentemente. Nunca a Globo denunciou a grilagem, nem a superexploração que a Cutrale impõe aos agricultores.

FOLHA – Ao destruir alimentos, o MST não teme perder o apoio das camadas mais pobres da população, como das 12 milhões de famílias que dependem do Bolsa Família para comprar sua própria comida?

Cerca de 98% da produção de suco no pais é exportada. Esse suco não vai para a mesa dos pobres, com ou sem Bolsa Família. Já o nosso modelo para a agricultura brasileira quer assegurar a produção de alimentos, a geração de emprego e renda no meio rural. Queremos produzir comida e, inclusive, suco de laranja, para chegar à mesa de todo o povo brasileiro. Não para o mercado externo. Mesmo assim, a área de exploração da laranja diminiu em 400 mil hectares nesses dez anos, pela exploração que a Cutrale impõe aos agricultores.

FOLHA – É correto hoje dizer que a conjuntura nacional, principalmente de estabilidade econômica e de assistência oficial aos milhões de pobres do país, é desfavorável ao MST?

Os dados do censo agropecuário do IBGE revelam que menos de 15 mil latifundiários são donos de mais de 98 milhões de hectares. Cerca de 30% dos moradores do meio rural não sabem ler e escrever! E 80% não terminou o ensino fundamental. A renda média dos assalariados do campo é menos do que um salário mínimo. Diante dessa realidade, reafirmamos que é fundamental democratizar a propriedade da terra, como manda a Constituição, e mudar o modelo agrícola, para priorizar a produção de alimentos sadios – em equilíbrio com o ambiente e sem agrotóxicos – para o mercado interno. Os que acham que a Reforma Agrária não é mais necessária estão completamente alheios aos problemas e aos interesses do povo brasileiro.

IPS – Esses dados do censo agropecuário são de 2006. Mudou alguma coisa até agora ou piorou a situação?

O informe não altera a realidade, apenas a demonstra. Deixa claro como o modelo do agronegócio, aliado às empresas transnacionais que controlam a produção e o comércio de grãos e de commodities, está controlando as terras e os recursos naturais no Brasil e aumentou ainda mais sua presença. Acho que, de 2006 para cá, a tendência ainda aumentou mais. A sociedade brasileira precisa discutir urgentemente o que quer como modelo de produção agrícola. Se quer continuar com o agronegócio – que concentra a propriedade, expulsa a mão-de-obra (o censo também revelou a diminuição de pessoal ocupado) e faz uso intensivo de venenos (56% de todos os estabelecimentos usam venenos sem nenhum critério ou controle) – ou se quer um modelo agrícola baseado na agricultura familiar e na Reforma Agrária.

O censo revelou, por outro lado, que a agricultura familair é a que produz 85 % de todos os alimentos no Brasil, enquanto o agronégocio se proecupa apenas em produzir dólares para seus bolsos, a custo do meio ambiente e da exploração dos trabalhadores.

IPS – Qual é a saída para combater essa desigualdade?

A realidade reafirma a proposta alternativa dos movimentos sociais, das igrejas e dos pesquisadores brasileiros como a mais correta. É preciso combater o modelo do agronegócio, retomar a Reforma Agrária massiva, como uma forma de impedir a concentração da propriedade da terra. É preciso implementar de forma prioritária políticas públicas para um novo modelo agrícola. Um modelo que chamamos de "Reforma Agrária popular", baseado na necessidade de desconcentrar e distribuir a propriedade da terra, priorizar a produção de alimentos para o mercado interno, implementar agroindústrias na forma cooperativada, adotar técnicas de produção agrícolas baseadas na agroecologia e sem agrotóxicos, democratizar a educação no campo e, assim, estimular a fixação da população no meio rural – para evitar o êxodo que apenas enche as favelas das metrópoles e gera ainda mais violência social.