O jurista e professor da Universidade de São Paulo, Dalmo Dallari, expõe mais uma de suas críticas ao novo escândalo de corrupção envolvendo políticos e banqueiros. “Ele não tinha condições para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal” afirma Dallari que há muito tempo contesta atuação de Gilmar Mendes, atual presidente do STF. Para Dallari, o ministro age como advogado e não como um juiz que exerce grande influência sobre todo o Judiciário. Foi sobre esse assunto entre outros que envolve a Operação Satiagraha, que ele respondeu com exclusividade à Revista Instituto Humanistas Unisinos On-Line.
Dalmo Dallari é professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e ligado tradicionalmente ao Partido dos Trabalhadores. Entre suas principais obras destaca-se Elementos de Teoria Geral do Estado. Mais recentemente, em 2001, publicou obra pioneira acerca de perspectivas do Estado para o futuro – entitulando-a de O Futuro do Estado – trata do conceito de Estado mundial, do mundo sem Estados, dos chamados Super-Estados e dos múltiplos Estados do Bem-Estar.
Confira a entrevista.
Qual é a sua análise da nomeação de Gilmar Mendes como ministro do Supremo Tribunal Federal?
Eu considero absolutamente inadequada a nomeação, porque o ministro já havia mostrado características que não são aceitáveis para um juiz, ainda mais um juiz do Supremo Tribunal Federal que exerce uma influência enorme sobre todo o Judiciário. Estou mais do que convencido de que o doutor Gilmar Mendes não preenche realmente os requisitos constitucionais para ser juiz. Ele age como advogado, não tem equilíbrio emocional e utiliza das suas funções para objetivos que são contrários à lei e à Constituição. Por todas essas razões eu, hoje, estou mais do que convencido de que era verdadeira a minha suposição de que ele não tinha condições para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal.
O que significa ter alguém como Gilmar Mendes ocupando uma cadeira no STF?
Isso significa que a garantia dos direitos dos brasileiros ficou reduzida, porque uma pessoa que age desta maneira, sem serenidade e com essa possibilidade de influência, sem dúvida, poderá prejudicar o direito de muita gente. Além disso, e esse é um aspecto que eu acho de extrema gravidade, ele vai intimidar juízes, desembargadores, ministros, porque vai abusar de seu poder institucional para exigir a obediência àquilo que ele acha verdadeiro e correto. De maneira que isso vai reduzir o poder dos juízes e dos tribunais, o que é uma conseqüência extremamente grave para todo o povo brasileiro.
Quanto ao impeachment que pode ser solicitado, como o senhor acredita que este processo será trabalhado?
Esse assunto que está entrando agora na ordem do dia é, de fato, muito delicado e a obtenção do impeachment é extremamente difícil. Falo isso já em função do fato de que é preciso representar ao Senado da República, ou seja, é no Senado onde o processo se desenrola, e, como tem ficado mais do que evidente, o Senado hoje é praticamente dominado por uma maioria muito ligada aos grandes negócios e são pessoas que, pelos seus interesses, têm defendido muito até a prática de ilegalidade manifesta. Só para não ficar a aparência de que é mera suposição, há não muito tempo a imprensa noticiou amplamente e minuciosamente que quatro senadores foram ao estado do Pará com o objetivo de impedir a fiscalização do trabalho escravo. Havia denúncias fundamentadas desse caso e o Ministério do Trabalho tem um grupo que se ocupa exatamente da fiscalização dessas condições de trabalho. O referido grupo estava lá para realizar a sua fiscalização quando um dos senadores, que é do Pará e, evidentemente, é ligado aos grandes negócios, reuniu quatro senadores e bloqueou a ação fiscalizadora. Evidentemente, os senadores que se comportam deste modo têm muito interesse em ter no Supremo Tribunal Federal uma pessoa como Gilmar Mendes, que é praticamente um defensor, como ele está se revelando agora. Por esses motivos, acho improvável que uma proposta de impeachment prospere do Senado.
Como o senhor avalia esse entra e sai de Dantas da prisão e o que isso pode representar para a imagem do STF?
Evidentemente, esse comportamento do Ministro Gilmar cria uma imagem negativa não apenas para o STF, mas para todo o Judiciário e fica a impressão de que basta ser muito rico para ter a proteção dos juízes do judiciário. Então, a Justiça é punitiva quando o criminoso não é rico. Se for rico, "fica tranqüilo" porque terá proteção judicial. É muito ruim que se crie esta mentalidade e que haja a possibilidade de se pensar assim. O papel do Judiciário é fundamental num sistema democrático, porque as pessoas precisam acreditar que têm direitos e que, através da via jurídica, é que devem ser resolvidos os conflitos de direitos e de interesses. Mas, para isso, o povo precisa ser estimulado a confiar no Judiciário.
O povo, hoje, em sua opinião, não confia no Judiciário?
Nós vemos manifestações quase diárias nesse sentido. Acusam o Judiciário de beneficiar os ricos e de não ter imparcialidade, por exemplo. Isso, em grande parte dos casos, é uma injustiça, pois o Judiciário, em sua ampla maioria, age com independência e imparcialidade. Mas um fato como esse que estamos discutindo acaba tendo uma interpretação quase generalizada e prejudica a imagem da instituição.
De maneira geral, como o senhor avalia a atuação do Judiciário brasileiro?
De maneira geral, eu acho boa a atuação. Venho acompanhando com muito interesse tudo o que ocorre no Jurídico, vejo a sua evolução e tenho uma impressão positiva. Mas, infelizmente, às vezes ocorrem casos como esse que acabam com a imagem e criam a impressão de que o Judiciário é negativo, o que não é verdadeiro.
Como Tarso Genro afirmou, apenas uma emissora de TV conseguiu o “furo” e gravou as imagens da prisão de Dantas. Tal fato gerou um novo espetáculo midiático brasileiro. Qual a sua opinião sobre esse fato? Como o senhor vê o espaço ocupado pela mídia nesses assuntos?
Eu acho que a mídia tem cometidos erros graves na busca do sensacionalismo e do "furo". Parece que não há limites. Seria muito importante que a mídia tivesse também o seu critério limitador e que houvesse a consciência da responsabilidade social. Nenhum democrata nega a necessidade da liberdade de imprensa, da liberdade de informação, como também não se pode negar que a informação sobre a criminalidade e sobre o criminoso seja muito importante, pois serve de advertência para o povo. Mas é preciso critérios para que não se abuse do direito de liberdade da informação para gerar um escândalo, pois isso é um desserviço que cria uma imagem negativa perante a opinião pública.
Eu acho muito importante que a mídia faça divulgações das ações e decisões do Judiciário. Isso tem um valor educativo e estimulante para que as pessoas acreditem que há um Judiciário livre, imparcial, corajoso, que não se deixa dominar por grupos políticos ou por governos e que busca, sobretudo, a realização da Justiça.
Qual seria o real interesse de Gilmar Mendes ao conceder o habeas corpus a Daniel Dantas?
É muito difícil dizer o real interesse, porque isso implica questões de cunho político.
O que podemos esperar quanto à resolução deste caso?
Eu acho que é uma questão momentânea. Em poucos dias isso vai terminar. O próprio Ministro, agora, recuou e está numa posição defensiva. Tenho a impressão de que ele será mais cuidadoso nas suas iniciativas.