O jornalismo tapioca


Texto publicado originalmente no blog do jornalista Luis Nassif

Há uma dificuldade enorme da mídia, em geral, em tratar os escândalos – os reais e os supostos.
Tome-se o caso dos Jogos Panamericanos. Houve uma explosão inacreditável do orçamento original. Até hoje não se sabe onde foi o dinheiro. Não houve curiosidade maior em ir atrás porque é um tema trabalhoso, complicado, em que as informações não estão facilmente disponíveis.

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Tome-se, agora, o caso dos cartões corporativos.

Os cartões foram um grande avanço na administração pública, por permitirem o controle das despesas dos funcionários públicos, em trabalho. Tanto são relevantes, que a análise dos gastos dos cartões permitiu uma semana de manchetes nos jornais.

Há o uso correto e o mau uso dos cartões. A vantagem de tê-los é a possibilidade de identificar rapidamente o mau uso. O grande desafio é garimpar a montanha de números que se pode levantar no site Transparência Brasil, do governo federal, e analisar com critério as despesas.

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Mas não se consegue avançar em avaliações isentas e fundamentadas.

Um dos “escândalos” foi o caso da “tapioca” – o fato do Ministro dos Esportes ter utilizado o cartão para comprar uma tapioca de R$ 8,30. Comparou-se esse caso com o da ex-Ministra da Integração Racial, Matilde Ribeiro, que teve gastos recordes, especialmente com aluguel de automóveis. Não vi em nenhuma reportagem explicações pessoais dela. No meu Blog (www.luisnassif.com.br) amigos da Ministra explicam que, pela falta de estrutura própria da Secretaria, os gastos tendiam a ser maiores.

De qualquer forma, pouco explica a quantidade de carros alugados.

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O grande problema na cobertura é a incapacidade de separar gastos legítimos de ilegítimos, saber o que é razoável, e o que é excessivo. Para esquentar as manchetes, todos os gastos estão sendo apresentados como ilegítimos.

Tome-se a manchete da “Folha de S. Paulo” de ontem: “Agências gastaram R$ 1 milhão com cartões do governo em 2007”.

É um conjunto grande de agências que fiscalizam o Brasil inteiro. A reportagem informa que a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) foram as que mais gastaram no ano passado – R$ 287,9 mil e R$ 243,8 mil respectivamente. Ora, a primeira é incumbida de analisar um leque amplo de produtos, de remédios e alimentos a estabelecimentos comerciais por todo o país.

A segunda, incumbida de analisar a situação das telecomunicações em todo o Brasil. Como considerar que a quantia gasta foi muito ou pouco? Não há uma pista sequer.

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A reportagem informa que mais da metade dos gastos com cartão foram saques em caixas eletrônicos – “despesas impossíveis de serem identificadas”. Ora, de acordo com as regras do serviço público, o funcionário em serviço recebe uma diária fixa – e faz o que quiser com ela, sem necessidade de prestar contas. Pode ficar sem almoçar ou sem jantar, pode dormir em espelunca, se quiser economizar o dinheiro da diária. Aliás, essa norma de fixar um valor de diária e não exigir prestação de contas é comum em qualquer grande empresa.

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Significa que não há abusos? Não. Devem existir abusos, sim. Só que o nível da cobertura não tem permitido separar o errado do certo.