Dirigentes da FUP e da CUT estiveram recentemente na Bolívia participando de várias atividades em apoio ao processo de mudanças que vive o país. Tanto a Federação, quanto a Central reiteraram a solidariedade dos trabalhadores brasileiros ao governo de Evo Morales.
O diretor de Relações Internacionais da FUP, Anselmo Ruosso, fala sobre a viagem e detalha nesta entrevista as conquistas e dificuldades do povo boliviano na atual conjuntura política. Ele tece ainda um paralelo entre a luta em curso na Bolívia para garantir a nacionalização dos recursos energéticos do país e a nossa campanha por mudanças na legislação do setor petróleo para permitir que as riquezas do pré-sal sejam utilizadas em benefício do povo brasileiro.
Anselmo é também diretor do Sindipetro Paraná/Santa Catarinas e integra a Coordenação dos Movimentos Sociais. Confira a entrevista:
Quais foram as atividades desenvolvidas pelos dirigentes da FUP e CUT na última visita à Bolívia, em apoio e solidariedade ao governo de Evo Morales?
Fomos com o objetivo de verificar a realidade do país e prestar apoio e solidariedade ao povo boliviano. Naquela semana participamos da reunião ampliada da COB – Central Obreira da Bolívia, única central existente que abarca todos os ramos de trabalhadores, onde o grande tema foi a de incorporar-se ou não a marcha. O que encontramos no cenário político boliviano é algo muito além das principais notícias passadas para nós e pro resto do mundo. A elite boliviana nunca aceitou o fato de um índio tornar-se presidente do país e diante disso, são cometidas diversas tentativas de golpes, como a imposição ilegal por parte dos governadores das províncias chamadas de meia lua (Pando, Beni, Santa Cruz, Chuquisaca e Tarija) por um referendo revocatório ao presidente. Estes saíram perdedores, já que o presidente Evo Morales teve 67% de apoio por parte da população. O paralelo desta realidade com o Brasil é inconfundível após as insistentes tentativas de derrubada de um presidente operário. Contudo, essa disputa de fundo econômico acirrou-se para o campo racial. Com uma minoria de brancos, em torno de 15% da população, hoje, as regiões mais ricas e desenvolvidas de meia lua são historicamente financiadas pelas regiões pobres, sobretudo das riquezas das minas de Potosí, o que promoveu um discurso separatista por autonomia dessas regiões. Isso causou as perseguições raciais aos indígenas desses estados e ao Genocídio ocorrido em Pando, silenciado pela imprensa internacional, inclusive brasileira. Os responsáveis pelo assassinato de dezenas de pessoas encontram-se foragidos no Brasil e o governo boliviano busca a extradição destes, para que sejam julgados pelos crimes cometidos. Diante de todos estes fatos, foi muito importante a visita da comitiva que prestou total apoio dos trabalhadores brasileiros ao povo boliviano em pró da implementação das reformas pela nova Constituição.
Conversamos com as principais lideranças sociais do país em La Paz. Os Campesinos, indígenas, movimento das mulheres e outras frentes populares montaram a CONALCAM – Conselho Nacional pelo Cambio, um agrupamento de apoio ao presidente para as mudanças sociais e aprovação da nova Constituição. Na semana de 06 a 11 de outubro o grande tema era a marcha que ocorreria a partir do dia 13, vinda de todos os cantos do país para chegar no dia 20 em La Paz, para forçar o Congresso Nacional a aprovar o referendo, para que a população aprove a Constituição. Uma minoria de parlamentares ligados à direita e aos autonomistas impunham a ditadura da elite impedindo que o referendo acontecesse. Algumas lideranças sindicais faziam críticas pontuais à nova Constituição e declaravam que a COB não foi chamada aos debates constituintes. Numa agitada assembléia os trabalhadores tiveram o correto entendimento que não apoiar a marcha significaria antes de tudo apoiar a elite e que apesar de algumas críticas era fundamental não só se unir à marcha, promovida pela CONALCAM, como encabeçá-la. Foi uma decisão importantíssima para o desfecho que aconteceu no dia 20 onde o Congresso aprovou para início do ano que vem o referendo da nova Constituição. O clima era bastante tenso até a tomada de decisão da COB, que historicamente sempre foi a protagonista das mobilizações nacionais, dentre elas a derrubada do governo neoliberal de Gonzalo Sánches de Lozada. A parceria dos trabalhadores com os camponeses, indígenas e o governo foi, na minha avaliação, o fator decisivo para o sucesso da marcha, assim como terá reflexos positivos para as futuras reformas a serem desencadeadas a partir da aprovação da Constituição.
Na última mobilização liderada por Evo Morales, os dirigentes sindicais e de organizações sociais exigiram um referendo para aprovar a nova Constituição que dá mais direitos à maioria indígena. Que direitos são esses?
A nova Constituição refundará a Bolívia e fará uma justiça histórica com o povo. Ela estabelecerá, por exemplo, o reconhecimento de 36 origens indígenas e com isso a oficialização das respectivas línguas e culturas. Também fará mudanças de fundo no país. O povo de origem indígena, apesar de compor a maioria da população, sempre foi explorada e demograficamente impingida, a se estabelecer nas regiões mais próximas das cordilheiras andinas, menos férteis, ao contrário das regiões das planícies das regiões da meia lua. A nova Constituição não dará mais poderes específicos aos indígenas, mas realizará uma justiça social maior, e por conseqüência ao povo indígena. Uma das perguntas que será feita na realização do referendo é sobre o estabelecimento dos limites máximos de terras (5 mil ou 10 mil hectares) que cada propriedade pode ter, e diante disso a regulamentação da Lei Complementar, prevista na nova Constituição sobre o tema. Com isso se explica a grande resistência da direita em aprovar a nova Constituição, pois uma das mudanças imediatas será a desapropriação das terras excedentes para realização de reforma agrária dos imensos latifúndios existentes na Bolívia, inclusive de brasileiros lá residentes.
A grande distinção que enxergo entre a Bolívia e o Brasil é a categórica participação dos movimentos populares e a capacidade de união da esquerda neste processo. Essa é a grande lição que a Bolívia nos dá. É claro que o aprofundamento das desigualdades sociais na Bolívia favoreceu tal unificação de forças. É muito triste pensar que apenas com uma crise teríamos uma maior capacidade de entendimento e unificação, mas a realidade brasileira parece ser essa. O grande sonho continua sendo conseguirmos unificar e aprofundar o projeto de esquerda para o país e avançar para uma identificação deste projeto com o povo latino americano.
A descoberta do pré-sal despertou novamente nos brasileiros, principalmente na classe trabalhadora, a luta em defesa da soberania do país. Como tem sido a propagação desta campanha e qual a receptividade de outros países da América Latina, como a Bolívia, por exemplo?
Em 2006 os petroleiros foram os primeiros a apoiar a nacionalização das refinarias da Petrobrás na Bolívia, mas a imprensa nacional mostrou suas garras da sanha expropriatória e criticou pesadamente o exercício da soberania boliviana. No início do governo Evo Morales uma nova lei de hidrocarbonetos foi aprovada invertendo de 18% para 82% a participação do governo sobre a riqueza oriunda do setor petróleo, o que já tem garantido um processo de distribuição de renda no país como nunca antes visto. A comitiva custista foi recebida pelo presidente Evo Morales e entregou uma camiseta da campanha da FUP em defesa do petróleo para o Brasil. Prontamente o presidente se identificou com o processo e retirou fotos conosco empunhando a camiseta. Agora com a descoberta do pré-sal, a campanha retoma o fôlego. A relevância do tema pela retomada da soberania sobre o exercício de suas riquezas tem sido em maior grau nas pautas de discussões em toda a América Latina, principalmente com a conquista de governos mais progressistas. A Bolívia é um exemplo que precisamos seguir para reconquistarmos os frutos da histórica campanha ¨O Petróleo é Nosso¨. A repercussão tem sido muito positiva para cada país do nosso continente que avança neste processo. E assim podemos ver a cicatrização das veias abertas da América Latina.