Os defensores do impeachment estão incomodados com a ressonância adquirida pela palavra golpe. Esta preocupação pautou os jornais e a mídia política em geral neste domingo de Páscoa, através de condenações variadas, e por diferentes atores, à percepção de que se trata de um golpe parlamentar-judicial-midiático para derrubar a presidente Dilma Rousseff e empossar seu vice Michel Temer. Está em curso a guerra da narrativa antes do fato, no pressuposto de que a História é sempre escrita pelos vencedores. Quando George Orwell disse isso, entretanto, era mais simples controlar a verdade. Não havia, por exemplo, a Internet.
Estão preocupados porque, mesmo que sejam vencedores, não escaparão do registro da História. Depois do golpe de 1964, estes mesmos jornais escreveram editoriais louvando a derrubada do presidente constitucional João Goular como se tivesse sido uma vitória da democracia contra o risco de uma ditadura comunista. “Ressurge a democracia”, bradou O Globo. “Mais uma vez as Forças Armadas deram provas de sua intransigência democrática”, disse o editorial da Folha. Muitos anos e atrocidades depois, fizeram uma autocrítica envergonhada.
Estão preocupados, os atores do impeachment, com as repercussões internacionais do que se passa no Brasil e por isso condenaram com veemência a entrevista da presidente aos correspondentes estrangeiros. A OEA e a Unasul já se pronunciaram contra e não será pelo tamanho e peso do Brasil que o Mercosul deixará de invocar a cláusula democrática para suspender o pais, tal como foi feito em relação ao Paraguai. Lá também o impeachment sofrido por Lugo estava previsto na Constituição mas foi aplicado com inobservância das regras. Por isso foi um golpe paraguaio.
Na batalha contra a palavra golpe, neste domingo, a Folha de São Paulo protestou em editorial. Endossou as declarações do ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto e dos atuais ministros Carmem Lucia e Dias Toffoli, lembrando que o impeachment é um instrumento previsto na Constituição. “A frenética tática defensiva do governo está aí – e por isso convém reduzir ao mínimo os pretextos que possam ser utilizados pela militância na guerra retórica”, disse a Folha.
Previsto o impeachment é, tanto que já foi até aplicado. Mas como disse também na Folha o insuspeito de esquerdismo-petismo Delfim Netto: ”(o impeachment) está no Congresso, está na Constituição. Quando acontece uma violação de função. …Vai ter que provar no Congresso se realmente houve a violação de função.” Os dois ministros, bem como o ex-ministro do STF, sabem disso mais que todo mundo. Não se está questionando a constitucionalidade da figura do impeachment mas a forma de sua aplicação.
Eis que também o decano do STF, ministro Celso de Mello, aparece num vídeo, que teria sido feito num shopping de São Paulo na quarta-feira, dia 24, e foi postado por uma ativista dizendo: “A figura do impeachment não pode ser reduzida à condição de mero golpe de estado porque o impeachment é um instrumento previsto na Constituição Brasileira e estabelece regras básicas”. E lá do vale do esquecimento ressurge em Paris o ex-ministro Eros Grau citando numa carta aberta os dois artigos da Constituição que prevêm o impeachment para condenar os que o condenam pela forma como está sendo conduzido: na ausência de um crime de responsabilidade indiscutível. Grau diz-se ainda surpreso com as manifestações contra o impeachment ocorridas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde estudou. Haverá outra.
No Estadão, o destaque é para o presidente da OAB, Claudio Lamachia, que amanhã, segunda-feira, vai entregar à Câmara um novo pedido de impeachment contra Dilma, agora valendo-se da conversa entre ela e Lula, ilegalmente divulgada. Evitará um encontro com Eduardo Cunha, deixando o pacote no protocolo geral da Casa. Sorrateiro, finge tomar as dores do STF. “Essa afirmação do governo, com tanta frequência, de que há um golpe em curso me parece ofensiva ao próprio Supremo Tribunal Federal. Se dizem que é golpe, então o Supremo, há poucos dias, regulamentou o golpe. Ou seja, tanto não é golpe que a instância máxima da Justiça, numa sessão histórica, regulamentou o procedimento de impeachment. Isso acaba com a ladainha de golpe.”
O STF não regulamentou golpe nenhum. Provocado pelo PC do B, depois que Eduardo Cunha baixou um rito diferente do que foi adotado por Ibsen Pinheiro em 1992 contra Collor, esclareceu como deve ser o ritual de um processo de impeachment em qualquer tempo, contra qualquer presidente. Era seu papel. E novamente provocado, pelo recurso de Cunha, manteve o seu entendimento quanto ao rito. Como Dilma já disse que fará uso de todos os recursos legais para resistir ao golpe, é possível que em algum momento peça ao STF que diga se houve ou não crime de responsabilidade. Aí, sim, os ministros vão ter que separar o alho do bugalho.
Em O Globo, Merval Pereira chama de “narrativa ridícula” as crescentes condenações ao impeachment que será golpe se consumado nas atuais circunstâncis: sem a devida prova de transgressões que configurem o crime de responsabilidade.
Esta é uma batalha que parece menor mas é importante no curso do jogo. Agora ele está sendo decidido apenas entre as cúpulas partidárias. As manifestações de apoio estão dispensadas. Conturbam. Vai que resolvem cobrar a apuração da lista da Odebrecht…
Fonte: Brasil 247