O 20 de novembro e as lutas das mulheres negras

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Entenda o papel fundamental das mulheres negras na luta contra o racismo, o machismo e a desigualdade. Leia a reportagem da TVT News sobre o Dia da Consciência Negra, o que pensam as mulheres sobre a data e as lutas por igualdade na América Latina

[Da redação da TVT News, com edição da FUP]

O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro e é feriado nacional no Brasil desde 2023. É uma data para refletir sobre a luta histórica e atual das negras e dos negros no Brasil contra o racismo, a discriminação e as desigualdades sociais. Instituída para honrar a memória e o legado de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, a data é um marco de resistência e resiliência para a população negra, e destaca a importância de valorização das contribuições culturais, sociais e políticas afro-brasileiras.

Por que 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra?

O dia 20 de novembro foi escolhido para o Dia da Consciência Negra como homenagem a Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra no Brasil colonial. Ele liderou o Quilombo dos Palmares, comunidade formada por negros escravizados que fugiam das condições opressivas nas senzalas e buscavam liberdade.

Em 1695, Zumbi foi assassinado em combate, tornando-se mártir na luta contra a escravidão. Desde a oficialização da data em 2003, o Dia da Consciência Negra se consolidou como um momento de celebração da herança africana e de combate ao racismo estrutural, ressaltando a necessidade de uma sociedade mais justa para todos.

Ao longo dos anos, o 20 de novembro ganhou força como dia de reflexões e ações que promovem o respeito e a igualdade de direitos. A  partir de 2023, o Dia da Consciência Negra é feriado nacional. A Lei 14.759/23, sancionada pelo presidente Lula, estabelece oficialmente o dia 20 de novembro como feriado em todo o país, reforçando a importância da data para a sociedade brasileira

Para as mulheres negras, essa data representa também uma luta adicional contra o racismo e o machismo. Elas enfrentam barreiras múltiplas, sendo muitas vezes sub-representadas nos espaços de poder. No entanto, apesar dos desafios, seguem contribuindo ativamente para o fortalecimento da identidade e da cultura negra no país.

Quem foi Dandara dos Palmares?

Dandara dos Palmares, companheira de Zumbi, desempenhou papel estratégico no Quilombo dos Palmares. Guerreira e estrategista, Dandara participou ativamente na defesa do quilombo, lutando contra o exército colonizador e resistindo às investidas que ameaçavam a comunidade quilombola. Embora muito da sua história permaneça pouco conhecida, seu nome se tornou símbolo da força e da luta das mulheres negras pela liberdade e pelos direitos da população negra. Hoje, Dandara é lembrada como uma heroína que lutou pela liberdade do povo negro, inspirando mulheres negras a seguirem em frente na busca por igualdade e justiça.

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Ilustração atribuída a Dandara dos Palmares: Dia da Consciência Negra faz homenagem às heroínas da luta das mulheres negras

De acordo com o Memorial do Ministério Público Federal, “em 24 de abril de 2019, Dandara dos Palmares teve o nome incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que está no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília (DF). A inclusão foi feita a partir da Lei nº 13.816/19, de autoria da ex-deputada federal Eronildes Vasconcelos, e se deu somente 22 anos após a inclusão do nome de Zumbi no mesmo livro”.

Para o MPF, “o resgate da história de vida de Dandara foi feito a partir da oralidade do movimento negro. Texto disponibilizado no site da Fundação Palmares aponta que há muitas lacunas sobre a origem de Dandara, sem registros sobre o local onde nasceu ou sua descendência africana. Relatos levam a crer que ela se estabeleceu no Quilombo dos Palmares ainda criança”.

Dia da Consciência Negra: mulheres negras da história do Brasil

Ao longo da história do Brasil, inúmeras mulheres negras desempenharam papéis importantes na luta contra o racismo e a opressão. Dentre elas, destaca-se Tereza de Benguela, líder quilombola que, no século XVIII, comandou o Quilombo de Quariterê, uma comunidade organizada que resistiu bravamente à escravidão. Também merece destaque a escritora Maria Firmina dos Reis, autora pioneira que desafiou os estigmas de sua época e abordou o tema da escravidão em sua obra “Úrsula”.

Na contemporaneidade, mulheres como Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro continuam a deixar um legado importante. Lélia foi uma das precursoras do feminismo negro no Brasil, enquanto Sueli Carneiro fundou o Geledés — Instituto da Mulher Negra, atuando na defesa dos direitos das mulheres negras e na luta contra o racismo. Essas figuras inspiram gerações, mostrando que a resistência e a luta pela consciência negra seguem firmes e essenciais para uma sociedade mais igualitária.

A lista de mulheres negras que desempenharam papéis essenciais na luta contra o racismo e na construção da consciência negra no Brasil é enorme. Além de Dandara, Tereza de Benguela, também podem ser destacadas:

Luíza Mahin – Ativista de origem africana, participou de revoltas importantes contra a opressão escravagista na Bahia, como a Revolta dos Malês (1835). Sua atuação é lembrada como símbolo de resistência cultural e social do povo negro.

Carolina Maria de Jesus – Escritora e autora de “Quarto de Despejo”, um dos maiores relatos sobre a pobreza e o racismo no Brasil. Carolina foi pioneira ao dar visibilidade às dificuldades enfrentadas por negros e pobres nas favelas brasileiras, além de influenciar gerações de escritores e ativistas.

Antonieta de Barros – Primeira deputada negra eleita no Brasil, em Santa Catarina, na década de 1930, e educadora dedicada à alfabetização e ao combate ao racismo e ao machismo, trabalhando pela inclusão e reconhecimento do papel das mulheres negras na sociedade.

Lélia Gonzalez – Intelectual e ativista, foi uma das pioneiras na defesa dos direitos das mulheres negras e do movimento negro no Brasil. Sua obra e atuação questionaram as raízes estruturais do racismo e do machismo, sendo uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado.

 

Marielle Franco – Socióloga, feminista e vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco foi uma voz incansável na defesa dos direitos humanos, especialmente da população negra, periférica e LGBTQIA+. Nascida no Complexo da Maré, ela usou a trajetória política para denunciar a violência policial, o racismo e a opressão de minorias, inspirando milhares de mulheres e jovens. O assassinato de Marielle em 2018 foi um choque para o Brasil e para o mundo, transformando-a em símbolo de resistência e luta por justiça. O legado de Marielle Franco segue vivo, mobilizando movimentos sociais que exigem igualdade e respeito pelos direitos de todos.

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Marielle Franco é uma das mulheres que inspiram as lutas no Dia da Consciência Negra.
Foto: Instituto Marielle Franco

Outras datas que celebram a luta da mulher negra: 25 de julho

No dia 25 de julho é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, outra uma data para reconhecer as lutas, conquistas e a importância da mulher negra na construção da sociedade

Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha foi instituído em 1992 durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana. O objetivo de marcar essa data é promover a visibilidade e o reconhecimento das lutas e conquistas das mulheres negras em toda a América Latina

Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha surgiu como uma resposta à necessidade de unir e fortalecer as mulheres negras contra o racismo, a discriminação e a desigualdade. Em vários países da América Latina e Caribe, além do Brasil, diversas atividades são realizadas para comemorar a data e debater temas relevantes para essa parcela da população, que ainda enfrenta inúmeros desafios tanto sociais quanto econômicos.

“O dia 25 de julho é muito importante. Eu não me via representada em lutas de outras datas conhecidas, mas que tinham, geralmente, um olhar branco. Mas, há 9 anos, todo 25 de julho, nós fazemos a Marcha das Mulheres Negras nas ruas de São Paulo, com cerca 3 a 7 mil mulheres, que participam de uma programação política, cultural e que também inclui um momento de celebração às nossas ancestrais que participaram das lutas passadas”, conta a jornalista e militante da Marcha das Mulheres Negras, Juliana Gonçalves.

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Tereza de Benguela, a escravizada que se tornou a líder quilombola e, sob sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas. Imagem: Wikimedia Commons

Além disso, a escolha do dia 25 de julho tem um simbolismo especial, pois coincide com o aniversário de morte de Tereza de Benguela, uma das líderes negras mais importantes na história da resistência à escravidão no Brasil. A data também é reconhecida oficialmente no Brasil como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, através da Lei nº 12.987, sancionada em 2014, reforçando o compromisso do país com a luta das mulheres negras.

“O 25 de julho é uma maneira de vocalizar as vozes apagadas, silenciadas, esquecidas das milhares de mulheres negras latino-americanas que deram seu suor e sangue para erguer nações. É restaurar memórias daquelas que chegaram antes de nós nesta terra para a qual fomos trazidas à força e sofremos tantas violência e resistimos até hoje”, explica a pesquisadora da História da África, Carolina Morais.

As lutas das mulheres negras trabalhadoras na América Latina

As mulheres negras trabalhadoras na América Latina enfrentam muitas formas de opressão, resultantes do racismo, do machismo e da desigualdade social promovida por séculos

No mundo do trabalho, as mulheres negras ainda encontram grandes barreiras. O machismo e o racismo estruturais se revelam na disparidade salarial que afetam muitas trabalhadoras, que, ou ocupam posições subalternas, ou recebem salários menores do que seus colegas brancos.  Além disso, as mulheres negras são frequentemente alvo de discriminação e violência, tanto física quanto simbólica.

A jovem negra Iracema Almeida Kemillyn de Faria é um exemplo de luta cotidiana. Aos 25 anos e mãe de um filho de 4 anos, Iracema não conseguiu concluir o ensino médio, está desempregada e na busca diária por renda, diz que tem de “continuar a ser guerreira, como são as mulheres negras”. Moradora do bairro do Bixiga, região central de São Paulo, não tem geladeira em casa e vive um dia por vez. “Como não tenho como estocar comida, quando consigo um ovo, já frito na hora”, relata Iracema.

Movimentos e organizações de mulheres negras em toda a América Latina têm se mobilizado para combater essas injustiças, promovendo campanhas de conscientização e lutando por políticas públicas que garantam direitos a todas e todos. A fundadora do Coletivo Samba Quilomba, organização que debate sobre racismo, machismo, homofobia e questões ligadas ao gênero e preconceito nas escolas de samba, Lyllian Bragança, afirma que o que a fortalece é saber que “a cada palavra que desmistificamos e que trazemos luz para debates importantes sobre nossos corpos, conseguimos fazer com que a juventude das meninas negras que acessam hoje as universidades tenham mais fórmulas para processar pensamentos críticos”, conta Lyllian.

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Para as mulheres negras, o Dia da Consciência Negra representa também a luta adicional contra o racismo e o machismo Foto: Instituto Marielle Franco

Dia da Consciência Negra também é uma oportunidade para celebrar as conquistas e a resistência. Em meio às adversidades, as mulheres têm conseguido avanços significativos em diversas áreas, incluindo educação, cultura e política e empreendedorismo. Essas vitórias são fruto de lutas contínuas e organizada, que merecem ser reconhecidas e apoiadas por toda a sociedade. “Ser mulher negra no Brasil para mim, hoje, é ter a possibilidade de apontar caminhos reais para a formação de uma outra sociedade menos desigual, menos predatória, menos exploratória. É falar a partir de uma potência de transformação para todas e tods”, aponta Juliana Gonçalves.

Para ler sobre o Dia da Consciência Negra

Há muitas obras que retratam a luta das mulheres negras contra o racismo e o machismo. Para quem quer se aprofundar mais no tema, alguns livros escritos por mulheres negras são referências essenciais sobre o Dia da Consciência Negra e a experiência afro-brasileira.

Um defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves (Record). Já considerado pela crítica e pelo público um dos principais livros da literatura brasileira, Um defeito de cor conta a história de Kehinde, desde o sequestro na África até os horrores da escravidão no Brasil. O romance  tem tantos detalhes que você sente o cheiro nauseabundo do navio negreiro e não consegue conter as lágrimas com os crimes que foram cometidos contra os escravizados. O livro inspirou o samba enredo da escola de samba Portela, em 2024.

Por um feminismo afro latino americano, de Lélia Gonzalez (Zahar). Coletânea de artigos escritos por uma das mais importantes intelectuais negras brasileiras, que cunhou o termo feminismo afro-latino-americano. A leitura é fundamental para entender como o machismo e o racismo são estruturais nas sociedades latino-americanas, ainda profundamente marcadas pelas consequências do colonialismo.