Novo Marco Regulatório das comunicações precisa aplicar o que está na Constituição, afirma Franklin Martins em seminário de comunicação

Debate promovido pelo Partido dos Trabalhadores reuniu militantes, jornalistas, acadêmicos, em São Paulo, na última sexta-feira, 25.





CUT

Escrito por Luiz Carvalho

O atual marco regulatório da comunicação é ultrapassado, promove o vale tudo no setor, desconsidera a convergência de mídia, não leva em conta que entramos na era da sociedade da informação e, principalmente, ignora a Constituição de 1988.

Esse foi o diagnóstico que o ex-ministro da Comunicação Social Franklin Martins apresentou em seminário promovido pelo Partido dos Trabalhadores na tarde dessa sexta-feira (25), na capital paulista, para justificar a necessidade de construir um novo mecanismo de regulação para as comunicações no país. O encontro contou com a participação de diversas entidades dos movimentos sociais, entre elas a CUT.

“O marco atual está integralmente ultrapassado e não dá conta dos problemas atuais. Até hoje não incorporou as diretrizes que estão no capítulo 5 da Constituição Federal”, destacou.

Teles nadam de braçada
O ex-ministro refere-se ao trecho da Carta Magma que assegura o acesso à informação, ao direito proporcional ao agravo, proíbe a monopolização e a ologopolização e institui o Conselho de Comunicação Social na forma da Lei. Nenhum desses pontos jamais foi colocado em prática.

Martins citou ainda que a convergência de mídia faz com que a radiodifusão e as telecomunicações se confundam e exige urgentemente uma regulação para que as teles não detenham todo o poder sobre a informação. E citou o faturamento dessas companhias para exemplificar. “Em 2009, todas as rádios e TVs faturaram R$ 13 bilhões, enquanto as teles R$ 180 bilhões. Não havendo regras, a regulação ocorre pelo mercado e aí teremos o pior dos cenários, porque teremos um setor controlando todos os meios e conteúdo.”

Para ele, é importante considerar que a cultura, a educação e troca de conhecimento ganham mais valor, mas exigem parâmetros para não criar um ambiente de incertezas.

Comunicação é um direito público
Ele ressaltou também que a gritaria da velha mídia, alegando que estipular compromissos fere a liberdade de imprensa, esconde o desejo de manter a  concentração do poder. “No mundo inteiro há regulação de técnica e conteúdo. Tem que ter produção regional, nacional, independente e precisa buscar um equilíbrio.”

Prova dessa afirmação foi a pesquisa apresentada pelo editor da Revista Fórum, Renato Rovai, e pelo membro da Coordenação-Executiva do Intervozes, João Brant, que esmiuçou como a questão funciona nos EUA, Reino Unido, França e Portugal. Nesses países, citaram, há políticas claras em torno de quatro princípios: pluralismo de idéias, diversidade em todos os aspectos, proteção a direitos e concorrência.

Todas essas nações possuem agências reguladoras na área de comunicação e todas também assumem uma série de obrigações com o poder público expressa em um caderno de encargos disponível para qualquer cidadão.

Ainda sobre o diálogo com os proprietários da grande mídia, o ex-ministro comparou o desejo desse grupo com a necessidade da sociedade brasileira. “Eles (grande proprietários da velha mídia) querem um debate fechado, com técnicos do governo. Mas, para o país interessa uma discussão aberta, livre e independente que promova a cidadania”, explicou.

Martins comentou ainda a aversão da imprensa às críticas. “Liberdade de imprensa não garante imprensa boa. Quando a imprensa erra, deve ser criticada por isso, mesmo não gostando. Os jornalistas admitem comigo em conversas paralelas que os meios de comunicação vivem seríssima crise de credibilidade porque as pessoas enxergam que muita coisa é manipulada. E há um novo fenômeno que é a blogosfera, o grilo falante da nossa imprensa, atuando em tempo real. A imprensa vai ter que aprender a conviver com isso.”

Refundar o MiniCom – Ele citou também outras distorções, como o fato de as rádios comunitárias, parte da radiodifusão em todo o mundo, serem tratadas como criminosas no Brasil. De acordo com o ex-ministro, o Ministério das Comunicações precisa ser reavaliado. “O Ministério da Comunicação precisa ser refundado, da mesma forma que a presidenta Dilma Rousseff refundou o Ministério das Minas e Energia. Por que, se não consegue responder a processos legais e pedidos de radiodifusão agora, como vai ser quando entrarmos no sistema digital? Atualmente, quando há interesse sai a outorga. Mas, se for pela formalidade, não.”

Os pontos do novo marco
Franklin Martins aproveitou para explicar os pontos do projeto de novo Marco Regulatório que enviou em forma de colaboração ao atual ministro, Paulo Bernardo. O texto se baseia na garantia de liberdade de imprensa (com respeito ao direito de resposta, imagem e privacidade) e democratização da oferta – para impedir a atual concentração e que se agrave no futuro –, na complementaridade do sistema público, privado e estatal e nas cotas de promoção de cultura nacional, regional e independente, separando também a produção e a distribuição para que quem produz conteúdo não possa fazer a distribuição, impedindo que as teles engulam a radiodifusão. Por fim, há a necessidade de universalização da banda larga.

“O momento é de construir propostas que construam maioria e sejam capazes de oferecer resposta à sociedade”, concluiu.

Democratizar o que nasceu na ditadura

Professor da ECA-USP e coordenador do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação, Dennis Oliveira lembrou das dificuldades de abrir o que nasceu para poucos. “A indústria midiática se consolidou no período de repressão, teve sua gênese dentro de parâmetros autoritários. A grande maioria desses apoiou o golpe e isso dificulta o debate democrático. Além disso, há a precarização das condições de trabalho dos profissionais da comunicação, o que fragiliza as discussões internas com os proprietários”, disse.

Oliveira acrescenta, porém, que a democratização da comunicação é fundamental para a democratização do Estado brasileiro.

Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e membro da Coordenação Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Celso Schroeder, defendeu o controle público da comunicação como forma de promover a participar popular direta na produção da informação. “Claro que a luta contra o monopólio é importante para democratizar a informação, mas só ampliar o número de vozes não resolve. A região Nordeste, por exemplo, tem mais rádios proporcionalmente do que São Paulo, mas isso não garante a diversidade. Defendemos a construção de mecanismos transversais participativos dentro das organizações e gestões. O novo marco regulatório deve possibilitar a incidência da sociedade”, pontuou.

Eles querem a internet
Sociólogo e doutor em Ciências Políticas da USP e presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Sérgio Amadeu traçou o cenário de ataques que atingem a internet, exatamente pelo que ela tem de mais forte: a liberdade.

“Eu não preciso pedir autorização para ninguém para subir um portal gigantesco e os custos baixaram bastante e o sistema de voz sobre IP tomou mais da metade da telefonia fixa. O problema é que o mundo industrial chegou na internet atrasado e quer mudar a dinâmica, substituir a cultura da liberdade pela cultura da permissão.”

Segundo ele, quem ataca hoje são as operadoras de telefonia e a indústria do copyright (direitos autorais), com braços gigantescos em nosso país. .

Pedágio das teles
Ele lembrou que as teles devem faturar ainda mais porque boa parte da população brasileira permanece fora da internet. Isso significa que o poder delas aumentará. Podendo, inclusive, financiar campanhas. “Como todo fluxo informacional passa pelo cabo, querem colocar pedágio para que algumas aplicações andem mais rápido nas redes. Isso se chama censura de fluxo, já que pelo controle da infraestrutura eles passam também a controlar o conteúdo”, avaliou.

Já a indústria do copyright tem atuado de forma muito firme, especialmente nos EUA, onde há uma lei no Congresso que permite um endereço ser varrido de todos mecanismos de busca, caso uma empresa alegue que tenha sido ferida sua patente. Mesmo sem um processo judicial. O mesmo poderia valer para quem emite uma opinião que desagrade um político poderoso ou grandes corporações, por isso a importância de lutar contra esse mecanismo por aqui.

O Plano Nacional de Banda Larga, também recebeu críticas. “O Lula percebeu que ninguém proibiu as teles de venderem banda larga, elas é que queriam vender apenas por um preço absurdo. Então, teve a ideia de montar uma empresa para concorrer com elas. Mas, com a Dilma, a banda larga não entrou no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), portanto, não é infraestrutura e não é prioridade. Da forma como está sendo tratado o acordo com as teles, com as restrições de limites de downloads que estão colocadas, não será possível fazer ensino à distância pelo MEC (Ministério da Educação), por exemplo. O Plano tem que ter uma parte de gasto público para competir com esse modelo das empresas que é canibal, o mais caro do mundo.”

A solução, defende, é lutar para aprovar em cada país a neutralidade de rede. No Brasil é necessário ainda aprovar o marco civil para a internet, feito pelo Ministério da Justiça ouvindo a sociedade civil. Com uma ressalva. “O texto diz que a neutralidade de rede é princípio do país, mas, há uma virgula, destacando “conforme regulamentação”. Esse destaque deve cair porque quem irá regulamentar será a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que não tem distanciamento necessário das empresas de telefonia pela presença de executivos dessas companhias no órgão”, afirmou.

Até Unesco recomenda revisão do marco –Por fim, Renato Rovai e João Brant concluíram a intervenção com a apresentação de um diagnóstico da Unesco sobre a estrutura de comunicação nacional. Segundo a avaliação, há ausência de um marco regulatório claro, imperam regras limitadas e ultrapassadas, não há competição por outorgas, o sistema público é fraco e faltam regras sobre concentração e propriedade. Nada que seja novidade para os movimentos sociais, a quem cabe a responsabilidade de tomar as ruas e popularizar a defesa da democracia.

“A sociedade civil apresentou todas as suas contribuições, o governo agora é quem deve apresentar uma proposta. De qualquer forma, temos a força da razão, da liberdade de expressão e da democracia ao nosso lado", concluiu.