Por Normando Rodrigues*, em artigo publicado originalmente na Revista Fórum
Nossa obscena pseudo-elite e sua subserviente classe média reagiram com viralatices à entrevista de Lula para a revista “Time”, aquela da foto na capa.
O real significado desses ganidos é um só: Lula está certo e o Brasil e o mundo precisam dele.
Comida ou negócio?
O prato de comida explica muita coisa. A guerra entre Rússia e Ucrânia tornará a alimentação dos brasileiros mais cara uns 10%, este ano.
No entanto, especialistas da agrodevastação destacam que o vital é não faltar fertilizante, custe o que custar, pois os barões do escravismo 4.0 têm mercados garantidos e não se preocupam com o abastecimento e a inflação. Vide as filas de ossos.
Essa pseudo-elite agrária vocifera contra a Rússia enquanto exige a importação de insumos. Trata-se do bom e velho pragmatismo capitalista. A população e a natureza que se danem.
Aborrecimento
O pragmatismo é compartilhado pelos formadores de opinião que atacam Lula por responsabilizar tanto Zelenski quanto Putin. São orgânicos da pseudo-elite americanocêntrica e quase tão tosca como o inominável que puseram na presidência.
Embora o preço do prato de comida aflija os mortais, ele pouco pesa no bolso da dita pseudo-elite tupiniquim ou da elite global por ela invejada. É apenas um incômodo. Um “mero aborrecimento”, para usar o cínico eufemismo com o qual o judiciário costuma qualificar danos morais que os ricos infligem aos pobres.
A nata não pagará o prato, nem o pato, nem o marreco, que o diga o arrumado e desarrimado Mister Moro. Por isso entopem os fascistas ucranianos de armas e prorrogam a guerra ao máximo. Chegam a pedir boicote a tudo o que for russo, porque não serão os ricos a sofrer. Ao contrário, lucrarão.
Chocante
Além da “Time”, outro semanário em inglês, o influente “The Economist”, descobriu chocado que a elite russa não se importa com a Ucrânia. Puxa vida! Tamanha sensibilidade inspira socorro à editora-chefa Susan Beddoes na jornada por novas descobertas.
Uma dica inicial aponta sua orgulhosa Inglaterra. “The Economist” descobriria ali que a elite britânica é indiferente às crianças inglesas que pela primeira vez na história passaram a depender do prato de comida da Unicef. Indiferente a ponto de cortar a contribuição do governo do Reino Unido à organização, em junho de 2021.
No continente, “The Economist” comemoraria a Alemanha finalmente ter aceitado o ônus dolarizado da guerra. Contudo, talvez descobrissem que Hungria, Eslováquia e República Tcheca, e na Ásia Japão e Índia, preferem cuidar de seus respectivos objetivos nacionais a se curvar aos EUA.
Periferias
Ao sul, porém tristemente perto da Europa, “The Economist” se desesperaria se descobrisse a denúncia feita a 5 de maio por António Guterres, o luso secretário geral da ONU:
– a ajuda humanitária a países da África foi em boa parte desviada para a guerra; alimento, água e medicamentos que poderiam salvar criancinhas pele-osso se transformaram na alegria de fabricantes de armas americanos, ingleses e alemães, que fornecem mísseis, blindados e canhões aos fascistas ucranianos.
“The Economist”, sejamos justos, reconhece que o Império Americano não é o mesmo. Peso e presença na América Latina bamboleiam; a aliada monarquia absolutista saudita não lhe obedece no aumento da produção de petróleo; e na arena doméstica os democratas enfrentarão as eleições parlamentares de 8 de novembro com a maior inflação desde 1981, com a mais alta taxa de juros dos últimos 22 anos e com a economia tendo encolhido 1,4% no 1° trimestre de 22.
Pecado
Nossos vira-latas acolhem com prazer a crítica vinda de “The Economist”. Não a de Lula. Muito menos podem aceitar um reles Lula cobrar responsabilidade do imperador Biden. Heresia! Pecado capital rapidamente punido pela pueril pergunta de uma colunista da Folha: “seu candidato à Presidência apoia a Ucrânia?”
A retórica é uma licença nada poética para bater em Lula. Alinhando-se às viúvas antecipadas da terceira via, a autora se esfalfa na tentativa de igualar Lula ao Lobisomem presidente e arremata: “dizer que a Ucrânia quis a guerra é como dizer que a Polônia quis ser invadida por Hitler: um disparate”.
De sua casa na montanha, deusa Clio oferece à leviana escritora a diferença entre a invasão da Polônia e a da Ucrânia: a distinção se chama fascismo.
8 de maio
Em 1939 a Alemanha fascista invadiu uma ditadura de direita, a Polônia. Em 2022 uma ditadura de direita, a Rússia, invadiu uma Ucrânia tão hegemonizada pelo fascismo quanto o Palácio do Planalto.
É natural que a escriba da Folha não perceba a relação, já que integra um jornal e representa interesses que apostaram na normalização do fascismo, pré-requisito para a ascensão do Lobisomem em 2018. Um erro grave. Todavia, não grave o bastante para que não se sintam tentados a reincidir este ano, com genocídio e tudo o mais.
Por uma das ironias de Clio, o texto superficial saiu a 8 de maio, data em que o ocidente até há poucos anos celebrava a vitória sobre o fascismo em 1945, evento de importância mundial.
Importância
Entretanto, “importância mundial” é algo que foge à percepção dos articulistas de Globo, Estadão e Folha, indignados por Lula ter dito verdades a respeito do palhaço Zelenski. Jornalistas que são, deveriam ter se dado ao trabalho de analisar a repercussão da fala de Lula. Se o tivessem feito tropeçariam na expressão “importância mundial”.
Dentre outros meios, lê-se na edição de 4 de maio do “The Guardian”, considerado por quem entende do ramo o melhor diário da atualidade:
“Lula, que está à frente de Bolsonaro nas pesquisas para as eleições de outubro, foi um protagonista no cenário internacional durante seus dois mandatos como presidente, construindo a influência diplomática brasileira”.
Influência que – agrega The Guardian – construiu pontes entre opositores e caminhou no rumo da paz.
O mundo precisa de Lula. O Brasil, ainda mais.
*Normando é assessor jurídico da FUP e do Sindipetro NF